Interpretação constitucional da duração do trabalho em ambientes insalubres. A especificidade do trabalho em minas de subsolo

AutorLuciano Lima Leivas
CargoProcurador do Trabalho ? PRT 12º Ofício de Criciúma
Páginas256-266

Page 256

1. Introdução

Pretende-se por meio da presente dissertação demonstrar que o Título III, Capítulo I , Seção X da CLT, que trata sobre o trabalho em minas de subsolo foi recepcionado pela ordem constitucional instaurada com da Constituição Cidadã de 1988, para, posteriormente, concluir que a prorrogação da jornada de trabalho nesses ambientes deve atender aos requisitos da excepcionalidade e da prévia autorização do Ministério do Trabalho e do Emprego lastreada na análise técnica e prévia das condições específicas de trabalho em uma determinada mina.

2. Duração do trabalho e condições ambientais

É indene de dúvidas que a duração do trabalho, antes de ser enfrentada sob o enfoque econômico, deve ser depurada sob o enfoque das normas ambientais de saúde do trabalhador e de medicina do trabalho. Tal reflexão remonta à reação da Igreja em face das

Page 257

relações de trabalho originadas pela revolução industrial, conforme o seguinte excerto da Encíclica Rerum Novarum: “não é justo nem humano exigir do homem tanto trabalho a ponto de fazer, pelo excesso de fadiga, embrutecer o espírito e enfraquecer o corpo. A atividade do homem é limitada como a sua natureza. O exercício e o uso a aperfeiçoam, mas é preciso que de quando em quando se suspenda para dar lugar ao repouso. Não deve, portanto, o trabalho prolongar-se por mais tempo do que as forças permitem.”

O texto em destaque traz a noção empírica do denominado ponto de fadiga do organismo humano, o qual, em condições normais de trabalho, observados os parâmetros da medicina laboral foi captado pelo direito pátrio e fixado em um limite diário de 8 horas para o trabalho normal.

O ponto de fadiga do organismo humano, todavia, em condições especiais de trabalho, sofre variações dadas as interações com agentes nocivos químicos, físicos e biológicos presentes no ambiente de trabalho. Impõe-se registrar que, uma vez atingido e ultrapassado o ponto de fadiga, quaisquer que sejam as condições do ambiente laboral, os riscos de acidentes de trabalho são majorados significativamente, eis que os reflexos e a atenção do trabalhador sofrem flagrantes prejuízos.

Segundo Grandjean1 (1998, p. 137), as formas mais comuns da fadiga laboral são “a fadiga gerada pela exigência do aparelho visual (fadiga visual), a fadiga provocada pela exigência física de todo o organismo (fadiga corporal geral), a fadiga do trabalho mental (fadiga mental), a fadiga produzida pela exigência exclusiva das funções psicomotoras (fadiga da destreza ou nervosa), aquela gerada pela monotonia do trabalho ou do ambiente, o somatório das influências fatigantes prolongadas (fadiga crônica), a fadiga nictemérica gerada pelo ritmo biológico do ciclo de dia-noite que se instala periodicamente e conduz ao sono”.

Acerca dos fatores geradores da fadiga, destaca o mesmo autor que o surgimento da fadiga provém de causas diversificadas, como por exemplo, o ambiente ao qual se está exposto, os agentes

Page 258

físicos ruído e iluminação, o ritmo noite e dia, estando este problema ligado também a causas psíquicas em geral.

No caso do trabalho em minas de subsolo, ambiente insalutífero por excelência, impõe-se destacar que se fazem presentes fatores como a baixa iluminação, a baixa qualidade do ar permeado por partículas em suspensão, a umidade das galerias, a periculosidade dos explosivos empregados na produção, entre outros fatores ambientais nocivos à saúde e à própria vida do trabalhador.

Com efeito, as considerações jurídicas adiante articuladas têm como pressuposto as circunstâncias fáticas articuladas nesse tópico, sendo imperiosa a valoração desses aspectos para a aplicação do direito, de acordo com a teoria tridimensional proposta por Miguel Reale2.

3. A jurisprudência trabalhista sobre a duração do trabalho em condições insalubres

Cotejando-se as decisões da Justiça do Trabalho prolatadas por seus diversos órgãos, verifica-se o entendimento predominante de que o art. 60 da CLT, que dispõe sobre a prorrogação da jornada em ambientes insalubres, não foi recepcionado pela Constituição da República, eis que o art. 7º, inciso XIII, da Constituição Federal de 1988, ao permitir a compensação de horários mediante acordo ou convenção coletiva, não estabelece qualquer restrição acerca da compensação em atividade insalubre (RR n. 535203/99).

No mesmo sentido, são os precedentes jurisprudenciais que ensejaram a Súmula n. 349 da Corte Trabalhista de sobreposição, in verbis:

Validade do Acordo ou Convenção Coletiva de Compensação de Jornada de Trabalho em Atividade Insalubre. A validade de acordo coletivo ou convenção coletiva de compensação de jornada de trabalho em atividade insalubre prescinde da inspeção prévia da autoridade competente em matéria de higiene do trabalho (art. 7º, XIII, da CF/1988; art. 60 da CLT).

Page 259

Essa súmula jurisprudencial, restrita às hipóteses de jornada suplementar com o propósito de compensação, tem sido usada pelos atores sociais, tanto da categoria econômica, quanto da categoria profissional, como precedente para afastar de modo oblíquo e em qualquer hipótese de prorrogação da jornada as disposições dos artigos 293 e seguintes da CLT, que tratam sobre a duração do trabalho em minas de subsolo. Portanto, imperioso se faz depurar e estabelecer juridicamente o limite à flexibilização da duração do trabalho no setor econômico da indústria de extração de carvão mineral, máxime em face das condições e da natureza desse trabalho.

Diante disso, a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT