A efetivação do direito à informação no meio ambiente do trabalho: contribuições da teoria sistêmico-complexa na percepção dos riscos ambientais

AutorPiero Rosa Menegazzi
CargoBacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal de Santa Maria ? RS (UFSM)
Páginas90-119

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1. Introdução

A concretização do direito à informação tem se tornado um dos pilares de uma tutela efetiva do meio ambiente e, consequentemente, do meio ambiente do trabalho. Pretende-se salientar, com os apontamentos que seguem, o papel de destaque ocupado pela noção de informação no resguardo do meio ambiente pelas sociedades atuais, em especial na sociedade brasileira contemporânea. Como contribuição ao deslinde das questões informacionais, buscar-se-ão subsídios no estudo da teoria sistêmica, aqui apresentada em seus contornos generalíssimos. Sobre os alicerces do arcabouço teórico sistêmico, pretende-se construir uma melhor compreensão da complexidade que impregna nossa sociedade e dos riscos imanentes aos avanços tecnológicos, em especial no mundo do trabalho.

Que o leitor passe à análise das linhas que seguem cônscio de que, por óbvio, não encontrará todas as respostas sobre o tema proposto. Tampouco é o objetivo deste opúsculo trazer respostas, mas,

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antes, contribuir para uma discussão da efetivação do direito à informação no meio ambiente do trabalho fundada em outras bases, as bases do pensamento sistêmico-complexo.

2. O relevo da noção de informação na seara ambiental

A importância da informação enquanto relacionada ao conhecimento não é fato novo nas sociedades. Uma análise mais detalhada das peculiaridades dessa mesma informação nas sociedades atuais, em especial no que concerne às questões ambientais, demanda esclarecimentos sobre o que se entende por informação.

A título de referencial teórico, pode-se citar a definição opera-cional de informação adotada por Castells, baseado em Porat, para quem “Informação são dados que foram organizados e comunicados”1.

Colhe-se outra definição de informação nos domínios da ciência cibernética, ligando a ideia informacional à de organização. Nesse sentido:

A palavra latina informare, de onde vem a outra, informação, significa dar forma, ou aparência, pôr em forma, formar, criar, mas também representar, apresentar, criar uma ideia ou noção. É possível compreender a informação em geral como algo que é colocado em forma, em ordem. A informação significa a colocação de alguns elementos ou partes — sejam materiais, ou não materiais — em alguma forma, em algum sistema classificado; significa a classificação de alguma coisa.

[...] A informação, que está ligada à organização, está ligada também à conservação e transmissão desta organização.2

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O delineamento dos contornos da noção de informação possibilita uma melhor análise das características peculiares que essa noção possui nas sociedades atuais. O aspecto que qualifica a importância da informação no mundo contemporâneo é o papel de destaque que ela exerce na atual revolução tecnológica. Não se resume a uma mera ferramenta, mas em uma finalidade dos avanços proporcionados pela tecnologia.

Trata-se da sociedade informacional de que fala Castells, que denota “[...] uma forma específica de organização social em que a geração, o processamento e a transmissão da informação tornam-se as fontes fundamentais de produtividade e poder devido às novas condições tecnológicas surgidas nesse período histórico”3.

Sobre o papel desempenhado pela informação na atual revolução tecnológica, ensina o mesmo autor que:

O que caracteriza a atual revolução tecnológica não é a centralidade de conhecimentos e informação, mas a aplicação desses conhecimentos e dessa informação para a geração de conhecimentos e de dispositivos de processamento/comunicação da informação, em um ciclo de realimentação cumulativo entre a inovação e seu uso.

[...] As novas tecnologias da informação não são simplesmente ferramentas a serem aplicadas, mas processos a serem desenvolvidos. Usuários e criadores podem tornar-se a mesma coisa.4

Dos ensinamentos supramencionados, percebe-se o papel de relevo que a informação possui no cenário social dos dias de hoje. Tendo em vista essa importância, o tema “informação” é objeto da disciplina jurídica nos diversos ordenamentos, tanto nacionais quanto internacionais. No Brasil, a disciplina jurídica da informação se estende desde a atual Constituição Federal5, incluindo normas internacionais

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ratificadas e integradas ao ordenamento jurídico pátrio, até normas infraconstitucionais, só para citar alguns exemplos do direito posto pelo processo legislativo institucional.

Haja vista a abrangente disciplina jurídica da informação, bem como sua íntima relação com a efetivação de uma participação social qualificada nos procedimentos democráticos de tomada de decisão, admite-se a existência de um Estado da Informação Democrática de Direito, cujas características são dadas por Machado:

A expressão “Estado da Informação Democrática de Direito” pretende caracterizar a valorização de um dos direitos fundamentais — informação —, que está também ligado aos elementos sociais e econômicos do Estado contemporâneo, na vivência da democracia. Sem informação adequada não há democracia e não há Estado de Direito.

[...] O conceito de Estado da Informação Democrática de Direito abrange a informação democrática, onde a isonomia possibilite a todos, sem exceção, acessar a informação existente, ou recebê-la, em matéria de interesse público ou geral. “Estado de Direito” porque tanto o acesso como a divulgação da informação não são absolutos, estando subordinados às normas legais preexistentes e à interpretação e decisão dos tribunais, nos casos conflitantes6. (grifado no original)

Esse viés democrático da informação tem inteira aplicação nas questões atinentes ao meio ambiente. Considerando a natureza difusa7 dos bens ambientais, o processo de participação social nas decisões que a eles digam respeito deve ser embasado por informações confiáveis e acessíveis a todos. Do contrário, sem informação, tolhese em grande parte a possibilidade de uma participação efetiva dos sujeitos envolvidos, burlando a natureza difusa do objeto apreciado.

Também nesse sentido, a prática informacional nos domínios ambientais deve proporcionar uma troca de informações e experiências entre todos os envolvidos, não podendo se configurar em uma via

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unilateral de repasse de instruções. Combate-se aquilo que pode ser chamado de prática informacional panóptica, em uma clara alusão ao modelo de exercício de poder descrito por Foucault8. No panóptico, a informação corre apenas em direção à torre de vigia, não havendo comunicação. Esclarece Foucault que “Cada um, em seu lugar, está bem trancado em sua cela de onde é visto de frente pelo vigia; mas os muros laterais impedem que entre em contato com seus companheiros. É visto, mas não vê; objeto de uma informação, nunca sujeito de uma comunicação”9.

Ainda, a efetivação do direito à informação é de suma importância para a compreensão dos riscos envolvidos pelos avanços tecnológicos. Sobre a vinculação entre acesso à informação e percepção dos riscos oriundos do progresso da tecnologia, merece transcrição a lição de Araujo e Tybusch:

Como observamos, a questão informacional assume proporções gigantescas na cena ecológica. Sua veiculação é importantíssima para a compreensão da importância em preservar o meio em que vivemos para as gerações futuras, para podermos prever o alcance de nossas tecnologias e os riscos oriundos de nossas atividades10.

Porém, não é qualquer informação que se amolda a um efetivo direito à informação na seara ambiental. Machado11 expõe como características da informação ambiental as seguintes: tecnicidade (informação embasada em dados técnicos); compreensibilidade (contraponto à tecnicidade, coexistindo com a precisão e a completude, a despeito de ser didática), e tempestividade (para assegurar a utilidade da informação).

De posse de uma compreensão mais depurada sobre a noção de informação e seu relevo na seara ambiental, parte-se para a

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análise da teoria sistêmica, com o intuito de melhor compreender o significado do meio ambiente do trabalho no contexto social. Com isso, almeja-se obter elementos teóricos que auxiliem a efetivação do direito à informação, especialmente no meio ambiente laboral.

3. Subsídios da teoria sistêmica à compreensão do meio ambiente do trabalho

O estudo do meio ambiente do trabalho pode ser subsidiado pelas noções trazidas pelo pensamento sistêmico. Este consiste em uma compreensão contextual do objeto em foco, em contraposição com o que se pode chamar de procedimento científico analítico, em que a pesquisa tem por objetivo uma análise do tema pesquisado em uma dimensão individualizada. Pode-se dizer, como o fez Bertalanffy, que o problema abordado na teoria dos sistemas diz respeito às limitações do procedimento analítico na ciência:

The system problem is essentially the problem of the limitations of analytical procedures in science. This used to be expressed by half-metaphysical statements, such as emergent evolution or “the whole is more than a sum of its parts”, but has a clear operational meaning. “Analytical procedure” means that an entity investigated be resolved into, and hence can be constituted or reconstituted from, the parts put together, these procedures being understood both in their material and conceptual sense. This is the basic principle of “classical” science, which can be circumscribed in different ways: resolution into isolable causal trains, seeking for “atomic” units in the various fields of science, etc.12.

A concepção sistêmica vem substituir o antigo método analítico; este podendo ser considerado um paradigma da ciência clássica ou, para usar a terminologia de Kuhn, da chamada “ciência normal”13.

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Quanto ao significado da ideia de...

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