América Latina na Crise Econômica Mundial

AutorOsvaldo Coggiola
CargoProfessor Titular de História Contemporânea do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e membro da CPG do PROLAM-USP
Páginas136-146

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Depois de um (breve) período de ilusões no “desacople” (decoupling) da sua economia da crise econômica mundial, a América Latina começou a sentir diretamente os seus efeitos nessa crise, na redução de suas exportações, que diminuíram os saldos favoráveis da balança comercial, e também pelas restrições de crédito, vinculadas ao credit crunch internacional. Em 2008, houve ainda uma forte expansão: Argentina (7%), Brasil (5,2%), Chile (3,2%), Equador (6,52%), México (1,3%), Peru (9,8%) e Venezuela (3,2%) tiveram desempenho positivo. No terceiro trimestre de 2008, a crise do subprime dos EUA virou abertamente uma crise financeira internacional de grandes proporções1.

Em decorrência, no primeiro trimestre de 2009, na América Latina, o PIB da região caiu 3%, com destaque para a brutal queda do México: 9,31%. A recessão começou “oficialmente” no quarto trimestre de 2008. Ainda em dezembro de 2008, a CEPAL previa para 2009 um crescimento de 1,9% para o continente, mas em abril de 2009 já estimou uma contração de -0,3% (em junho elevou-a para -1,7%). Durante o quarto trimestre de 2008, México, Brasil, Argentina e Chile registraram quedas anualizadas do PIB de -10,3%, -13,6%, -8,3%, e -1,2%, respectivamente. No primeiro trimestre de 2009, México registrou uma queda anualizada sem precedentes, -21,5%.

Nas últimas décadas, a América Latina conheceu um desempenho econômico convulsivo, expresso em quedas e altas abruptas do seu crescimento, o que punha em evidência economias com baixo grau de autonomia (financeira, industrial e comercial), altamente dependentes, portanto, das inflexões do mercado mundial. O PIB latino-americano teve uma alta de 5,6% na década de 1970, de 1,3% na de 1980 (com um retrocesso de -0,8% no PIB per capita), de 3,2% na década de 90, de 1,3% entre 1998 e 2002 (com um novo retrocesso do PIB per capita) e de 5,1% entre 2002 e 2005, numa conjuntura expansiva do comércio internacional.

O início da crise mundial multiplicara as declarações otimistas dos governos: a América Latina encararia a crise mundial com mais de 75% do PIB regional com classificações de risco de crédito dentro do “grau de investimento”, algo nunca ocorrido no passado. Em 2008, a região apresentava solvência, com 70% de sua dívida coberta por reservas internacionais — patamar bem acima dos índices verificados no Leste Europeu, por exemplo. Durante o período 2003-2007, a América Latina recebeu um volume recorde de investimentos estrangeiros, superior a US$ 300 bilhões. Suas multinacionais lançaram-se a outros mercados comprando importantes ativos, inclusive em países desenvolvidos. O PIB da região cresceu numa média de 5% anual entre 2003 e 2008, com um incremento médio superior a 3% no produto per capita.

Um fator alardeado foi a redução drástica das dívidas denominadas em dólares. Mas isto ocultou a natureza real do processo econômico, embutida na valorização monetária propiciada pela “estabilização”. A dívida externa foi “zerada”, a partir do fato de que as reservas internacionais do país — o total de moeda estrangeira conversível, aceita no

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mercado internacional — superaram o montante da dívida externa, pública e privada, o que criou a ilusão da superação da dependência financeira externa. Mas o endividamento assumiu outras características.

O endividamento em condições de abertura à livre movimentação cambial de empresas estrangeiras e nacionais não podia, porém, ser aferido apenas pela dívida externa formal, em títulos e contratos do governo e de empresas privadas. A dívida real, passível de ser saldada em moeda conversível, devia ser avaliada em conjunto com a situação da dívida interna em títulos públicos, a dívida mobiliária federal, por ser viável a troca de títulos da dívida externa por papéis da dívida pública. Um título público brasileiro, por exemplo, oferece 7,5% de interesse por cima da inflação, o mesmo título do Japão paga somente 1%.2

A queda do emprego no continente, no primeiro trimestre de 2009, atingiu um milhão de vagas, calculando-se uma perda total de até quatro milhões até o final do ano. O México sofre especialmente a crise (embora com desemprego ainda baixo, pelos padrões regionais), sobretudo nos setores que “puxaram” seu crescimento no período recente, especialmente o setor automotivo, que emprega, direta ou indiretamente, quase 600 mil trabalhadores. As exportações mexicanas de veículos caíram nada menos que 57% já em 2008, a GM de Guanajuato deixou em paro técnico 10 mil funcionários, e 6.600 em outras três fábricas. Volkswagen demitiu 900 trabalhadores, Delphi (fabricante de autopartes), 1.700.3 A 1º de abril de 2009, o governo mexicano anunciou ter recebido do Fundo Monetário Internacional (FMI) uma linha de crédito preventivo (dentro da recém criada FCL, Linha Flexível de Crédito) de 47 bilhões de dólares, para socorrer as empresas (outro país latino-americano que usou essa linha foi a Colômbia, com US$ 10,5 bilhões).

Os sucessos econômicos da última década, quando, segundo os experts da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a América Latina viveu “uma grande festa macroeconômica”, foram relativos. Houve altas taxas de crescimento, inflação reduzida aos menores patamares históricos e orçamentos equilibrados ou até com superávits. Ao mesmo tempo, 40 milhões de pessoas deixaram a linha da pobreza

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durante os últimos cinco anos. O retrocesso da pobreza foi especialmente importante no Brasil, onde os programas sociais compensatórios permitiram uma diminuição significativa da pobreza absoluta, coexistente, no entanto, com uma trajetória pouco alterada da concentração de renda. As condições criadas, de retrocesso relativo da pobreza mais acentuada, se encontraram vinculadas ao desempenho econômico da conjuntura, muito mais que a mudanças de natureza estrutural na produção e na distribuição de renda. A constituição, finalmente, de uma população cuja sobrevivência depende de programas oficiais de ajuda social, não incorporados à estrutura institucional do país, se configurou como um paliativo de base instável.

Os dados da conjuntura latino-americana começaram a mudar drasticamente com a crise econômica mundial. A crise mundial possui mecanismos diretos de transmissão, vinculados à contração da demanda mundial: o comércio externo e as matérias-primas. Do ponto de vista comercial, a dependência da região em relação aos EUA e Europa, regiões que estão em recessão, é grande. Mais de 65% das exportações latino-americanas dirigem-se a essas duas regiões, com o restante indo para a Ásia e para parceiros regionais. Alguns países latino-americanos estão mais expostos; é o caso do México, cujo comércio é fortemente dependente dos EUA (que consome 80,75% de suas exportações; apenas 19,25% vão para o resto do mundo).4

E as economias continuam muito dependentes da venda de matérias-primas (que representam mais de 60% das exportações da América Latina), todos os países se veem afetados negativamente pelas baixas do petróleo, do cobre ou da soja.5 Segundo a CEPAL, os termos de troca da região cairiam 15% durante 2009. Os preços dos produtos primários despencaram com a crise, depois de uma alta especulativa das commodities em 2008. Em fevereiro de 2009, os preços tinham sofrido queda respeito ao pico da alta, nas proporções que seguem: petróleo -51%, alimentos -18%, arroz -50,6%, milho -47,9%, trigo -41,9%, metais -49%, cobre -37,9%. As quedas de remessas de migrantes afetam, sobretudo, México, Bolívia, Equador, quase toda a América Central e o Caribe (estas últimas, além disso, sofrem com a acentuada queda de ingressos pelo turismo, basicamente de europeus, norte-americanos e japoneses).

As contas nacionais paulatinamente se ressentem de arrecadações menores. E a situação do mercado mundial consente cada vez menos uma saída baseada num novo ciclo de endividamento. Os fluxos de remessas, aplicações e investimentos diretos estão em queda, enquanto as emissões de títulos de dívidas a serem realizadas em 2009 são dominadas pelos países da OCDE (os EUA poderão lançar mais de US$ 2 trilhões, dentro de

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um total de US$ 3...

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