Alvoreceres da utopia analítica: Jeremy Bentham

AutorPierluigi Chiassoni
Páginas21-167
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Capítulo I
ALVORECERES DA UTOPIA ANALÍTICA:
Jeremy Bentham
“Uma doutrina do direito puramente empírica
é (como a cabeça oca na fábula de Fedro) uma
cabeça que pode ser bela, mas que,
lamentavelmente, não tem cérebro”.
Immanuel Kant
“A jurisprudência expositiva, a arte de encon-
trar as ideias claras para reconectá-las às
palavras daquele cujas ideias não eram claras”.
Jeremy Bentham
Sumário: 1. Advertência preliminar. 2. Dois modelos de filosofia
do direito positivo. 3. Hobbes e o estudo das “leis civis em geral”.
4. Bentham e a filosofia do direito: considerações preliminares. 5.
O mapa benthamiano do saber jurídico. 5.1 Jurisprudência
expositiva, jurisprudencia crítica. 5.2 Jurisprudência autoritativa,
jurisprudencia não-autoritativa. 5.3 Jurisprudência local,
jurisprudencia universal. 5.4 Um mapa inovador. 6. Dois exercícios
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PIERLUIGI CHIASSONI
de desmistificação. 6.1 Primeiro exercício: o mito da Common Law.
6.2 Segundo exercício: a “natureza” das obrigações jurídicas. 7. O
método analítico benthamiano: instruções para aspirantes a
desmistificadores. 7.1 Como mistificar o direito. 7.2 Como
desmistificar o direito. 8. Variedade de imperativos. 9. Codificação
do direito, ciência da legislação, teoria das normas jurídicas. 10. O
conceito benthamiano de “norma jurídica”: considerações
introdutórias. 11. Quatro teses fundamentais. 11.1 Uma proposta
terminológica. 11.2 O ineludível caráter teórico da noção de norma
jurídica. 11.3 Textos legislativos, normas, ideias de normas. 11.3.1
Bentham e a concepção “expressiva” das normas. 11.4 Preeminência
teórica do conceito de norma jurídica. 12. Sujeitos, objetos,
estrutura, destinatários, generalidade das normas jurídicas. 12.1
Destinatários (“partes interessadas”). 12.2 Normas jurídicas in
populum, normas jurídicas in principem. 12.3 Normas gerais, normas
particulares. 13. A fonte das normas jurídicas. 13.1 A noção de
soberano. 13.2 Normas concebidas, normas adotadas (normas
soberanas, normas subordinadas). 14. Normas imperativas, normas
não-imperativas. 15. A “lógica da vontade”: aspectos da lógica
deôntica benthamiana. 16. Dinâmica das normas: normas
originárias, normas derivadas. 16.1 A “lei universal de liberdade”.
16.2 Aspectos da nomodinâmica benthamiana. 17. Uma teoria das
normas permissivas. 17.1 Relevância normativa das normas
permissivas. 17.2 Relações entre normas permissivas e normas
imperativas. 17.3 As normas permissivas podem ser reduzidas a
normas imperativas. 17.4 Caráter auxiliar das normas permissivas.
17.5 Caráter parasitário das normas permissivas. 17.6 Relevância
teórica das normas permissivas. 18. Normas principais, subsidiárias,
remediadoras, processuais. 19. Normas consuetudinárias, de direito
tradicional, de direito escrito. 20. Normas completas, normas
incompletas. 21. Notas finais sobre o imperativismo benthamiano.
21.1. Elementos constitutivos do direito. 21.2 Destinatários das
normas jurídicas. 21.3 Estrutura das normas jurídicas. 21.4 Relações
entre normas jurídicas: o direito como sistema.
1. ADVERTÊNCIA PRELIMINAR
A “filosofia do direito positivo” é, na cultura jurídica ocidental, o
que fizeram ou fazem os estudiosos, na maioria das vezes os acadêmicos,
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CAPÍTULO I – ALVORECERES DA UTOPIA ANALÍTICA: JEREMY...
os quais, para designar seu trabalho ou seus produtos literários, usaram
ou usam tal denominação, ou denominações consideradas sinônimas, na
língua portuguesa ou em outras línguas, como “jurisprudence”, “legal
philosophy”, “legal theory”, “Rechtstheorie”, “teoria do direito”, “teoría del
diritto”, “théorie du droit”, “allgemeine Rechtstheorie”, “allgemeine Rechts-
lehre”, “general theory of law”, “teoria geral do direito”, “teoria generale del
diritto” “teoria del derecho”, etc.
Para quem não acredita na existência de perfis disciplinares ins-
critos na natureza das coisas, um íncipit como este constitui um ponto
de partida obrigatório. A qualquer um esse poderá parecer um péssimo
início. Pelo contrário, a mim me parece um convite saudável para ob-
servar um fenômeno cultural secular e complexo, e para explicá-lo, de
modo desapaixonado, sem nos deixar condicionar demais pelos próprios
preconceitos.
2. DOIS MODELOS DE FILOSOFIA DO DIREITO POSITIVO
A filosofia do direito positivo não afeta somente o século iniciado
há quase dois lustros, nem aquele precedente. Enquanto setor de inves-
tigações e de produção literária estatutariamente distinto de outros se-
tores, no âmbito da filosofia do direito em sentido lato e das chamadas
ciências jurídicas, suas origens podem de fato remontar a dois modelos
disciplinares oitocentistas.2
2 Cf., por exemplo, BARBERIS, Mauro. Filosofia del diritto: un’introduzione storica.
Bologna: Il Mulino, 2000, p. 114 ss., 133 ss., ademais as p. 107 ss. nas quais se atribui
a Bentham “a invenção da jurisprudência”; CAPPELLINI, Paolo. “Teoria e scienza
del diritto (teoria generale)”. In: Enciclopedia del diritto. vol. 44. Milano: Giuffrè, 1992,
pp. 162-181; CATANIA, Alfonso. Manuale di teoria generale del diritto. Roma-Bari:
Laterza, 1998, p. 3 ss; FASSÒ, Guido. Storia della filosofia del diritto. vol. 3: ottocento e
novecento. Edição atualizada por Carla Faralli. Roma/Bari: Laterza, 2001, p. 30 ss.,
183 ss.; FROSINI, Vittorio. “Teoria generale del diritto”. Novissimo Digesto Italiano.
vol. 19. Torino: Utet, pp. 5-7, 1977; GUASTINI, Riccardo. Diritto, filosofia e teoria
generale del diritto. Disponível em http://www.treccani.it/enciclopedia/filosofia-e-teoria-
generale-del-diritto_(Enciclopedia-delle-scienze-sociali)/. Acessado em 03.10.2016;
GUASTINI, Riccardo. “Teoria generale del diritto”. Digesto, 4ª ed. vol. 18: Civile.
Torino: Utet, pp. 315-321; JORI, Mario. “Teoria generale del diritto”. In: JORI,
Mario; PINTORE, Anna. Manuale di teoria generale del diritto. ed. Torino: Giappichelli,

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