Perspectiva sistêmica dos métodos alternativos de resolução de conflitos na América Latina: aprimorando a sombra da lei através da participação do cidadão

AutorMariana Hernandez Crespo
Ocupação do AutorProfessora assistente de direito e diretora executiva da Rede de Pesquisas em ADR Internacional da Faculdade de Direito da Universidade de St. Thomas
Páginas38-85
O texto da professora Mariana Hernandez Crespo nos brinda com a interessante
argumentação sobre a participação cidadã nos processos legislativos e judiciais
visando melhorar a sombra da lei na América Latina. Defende que a participação
dos cidadãos poderá ajudar a tornar a reforma judiciária mais efetiva e sustentável,
aumentando não só o nível de estabilidade da América Latina, mas de todo o he-
misfério, inclusive nos Estados Unidos da América. Entende que o aprimoramento
da sombra da lei por meio da participação dos cidadãos é imprescindível para
otimizar os sistemas de resolução de conflitos na América Latina. No seu enten-
dimento, o Tribunal Multiportas pode proporcionar uma experiência participativa
e inclusiva alterando os paradigmas de exclusão e de possíveis anomalias ainda
existentes na sociedade latino-americana.
Capítulo 2
Perspectiva sistêmica dos métodos
alternativos de resolução de conflitos na
América Latina: aprimorando a sombra da lei
através da participação do cidadão
Mariana Hernandez Crespo*
Nos Estados Unidos, os métodos alternativos de resolução de conitos
constituem, de modo geral, uma alternativa para o Judiciário1 dentro da
1 Kritzer observa que cerca de 10% dos processos civis são julgados nos tribunais, enquanto apenas
5% são resolvidos mediante o uso de alguma forma de método alternativo. Herbert Kritzer,
Adjudication to Settlement: Shading in the Gray 70 Judicature 161 (1986). Ver também Stephen B.
Goldberg et al., Dispute Resolution: Negotiation, Mediation, and Other Processes (5th ed. 2007)
[doravante Goldberg, Dispute Resolution].
* Professora assistente de direito e diretora executiva da Rede de Pesquisas sobre ADR Internacional
da University of St. omas School of Law. JD/LLM, Harvard Law School. Formada em direito
pela Universidad Catolica Andres Bello, Caracas, Venezuela. Extratos do presente texto foram
apresentados à American Bar Association Section of Dispute Resolution 2008 Spring Conference, no
painel “Around the World in 90 Minutes: International ADR Developments and Trends”. Meus
agradecimentos aos professores Frank E. A. Sander e Lawrence Susskind pelos seus importantes
comentários e por sua valiosa orientação como conselheiros da Rede de Pesquisas sobre ADR
Internacional da UST. Gostaria também de agradecer aos participantes do projeto brasileiro por
terem dedicado seu tempo e seus talentos. Considero-me também em débito com todos os meus
colegas pelos seus generosos comentários sobre este texto.
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Tribunal Multiportas
própria estrutura do sistema legal, operando sob o que tem sido descrito
como “a sombra da lei”.2 O conceito já se tornou um pressuposto geral
na área da ADR nos Estados Unidos.3 Esse entendimento, entretanto,
não vigora na maioria dos países da América Latina,4 onde existe uma
2 Tem-se debatido muito a respeito da sombra da lei e do papel dos métodos alternativos de resolução
de conitos nos Estados Unidos, e a América Latina poderia beneciar-se consideravelmente com
a adoção e a transformação dos conhecimentos e da experiência americana nessa matéria. Em
1979, o Yale Law Journal dedicou um volume inteiro à então nascente resolução alternativa de
conitos em uma época em que as pessoas e as instituições, do presidente da Corte Suprema à
Fundação Ford, e até a mídia faziam pressão no sentido da criação de opções mais amplas e menos
tradicionais aos tribunais. Nota, Dispute Resolution, 88 Yale L.J. 905, 907 (1979) [doravante Note,
Yale L.J.]. Ver também Robert Mnookin & Lewis Kornhauser, Bargaining in the Shadow of the
Law: e Case of Divorce, 88 Yale L. J. 950 (1979) (doravante Mnookin, Bargaining).
3 A expressão “sombra da lei” rmou-se denitivamente na área jurídica americana desde que
Mnookin e Kornhauser a descreveram pela primeira vez. Para exemplos de diferentes aplicações do
termo em diversos campos, ver William Stuntz, Plea Bargaining and Criminal Law’s Disappearing
Shadow, 117 Harv. L. Rev. 2548 (junho de 2004); Valerie Sanchez, A New Look at ADR in New
Deal Labor Law Enforcement: e Emergence of a Dispute Processing Continuum Under the Wagner
Act, 20 Ohio St. J. on Disp. Resol. 621 (2005); Edward L. Rubin, e Nonjudicial Life of Contract:
Beyond the Shadow of the Law, 90 Nw. U. L. Rev. 107 (outono de 1995).
4 Não existe, na América Latina, uma expressão equivalente para esse conceito. O que é mais comum,
entretanto, é enfatizar o descompasso existente entre a lei e a realidade. Ver Jorge Esquirol, e Failed Law
of Latin America, 56 Am. J. Comp. L. 75, 76-77 (2008) [doravante Esquirol, Failed]. Tratei dessa questão
pela primeira vez na minha tese de mestrado em direito, Mariana Hernandez Crespo, Making Rights
Reality: Venezuelan Child Welfare Policy, A Cornerstone for Development (maio de 1999 (tese de mestrado não
publicada, Harvard Law School) (arquivada na Harvard Library, Harvard University) [doravante Crespo,
Rights]. Aquele documento explorava as limitações ou a incapacidade da lei de efetuar mudanças na
realidade venezuelana. Sugeria a necessidade de um método mais participativo na criação de uma legislação
verdadeiramente mais ecaz e dinâmica. O documento, nalmente, concluía que o processo participativo
não é suciente para assegurar resultados justos, se as normas culturais que promovem a exclusão não forem
enfrentadas. Ver também Mariana Hernandez Crespo, Civic Networks Leading Democratic Innovation:
Social Capital for Value Creation (2003) (Trabalho de terceiro ano não publicado, Harvard Law School
(arquivado na Harvard Library, Harvard University) [doravante Civic Networks] (propondo um novo modo
de pensar, de inclusão e de interdependência que valorize a diversidade). Essa nova forma de pensar e de
agir requer a criação de novos vínculos sociais baseados nas diferenças, e não nas similaridades, com o
objetivo de constituir parcerias estratégicas e criar valor. Esse processo de colaboração conduz os cidadãos a
não apenas tolerar a diversidade, mas a utilizá-la para o bem comum. Id. Ver também Mariana Hernandez
Crespo, Building the Latin America We Want: ADR and Public Participation, 6 St. omas L. Rev. (outono
de 2008) [doravante Crespo, Building], para uma descrição do projeto de pesquisa desenvolvido no Brasil,
objetivando aumentar a conscientização cívica através da educação, e estabelecer um sistema participativo
para lidar com o descompasso existente entre a lei e a realidade.

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