Alimentos compensatórios decorrentes da dissolução do vínculo matrimonial e da família convivencial

AutorCarlos José Cordeiro/Josiane Araújo Gomes
Páginas231-249

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Ver Nota1

1 Alimentos: considerações iniciais

A elaboração de um conceito relativo aos alimentos não é considerada tarefa controvertida. A expressão, em suas diversas acepções, tem essencialmente um só significado e, nesse sentido, as interpretações integram-se umas às outras.

Como bem ressaltado por Caio Mário da Silva Pereira2, o conceito jurídico tem uma significação mais ampla em relação a acepção meramente fisiológica.

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Correspondem aos recursos necessários e suficientes para que o alimentando possa viver de modo compatível com a sua condição social.

Sob a ótica Constitucional, os alimentos legais ou de Direito de Família encontram alicerce no princípio da dignidade da pessoa humana. Jones Figueiredo Alves3ensina que são devidos com base no inciso III, art. 1º, e no caput dos arts. 227 e 229, todos da Lei Maior, com vistas à disponibilização de medidas assecuratórias de direitos fundamentais.

Nessa trilha, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald4, ao explanarem acerca dos alimentos, evocam o princípio da solidariedade, disposto no art. 3º da Constituição Federal, que prescreve como objetivo fundamental da República a promoção do bem de todos, explicitação da dignidade da pessoa humana. Ao fazerem tal explicação, citam Gustavo Tepedino que afirma: que “a noção conceitual de família se amolda ao cumprimento de sua função social, pois a família é o ponto central do indivíduo dentro da sociedade, razão pela qual a fixação dos alimentos se faz em função de uma perspectiva solidária, cooperativa, isonômica e pela justiça social”. Esta seria a razão, segundo aqueles autores, de a obrigação alimentar ser revestida de solidariedade social e familiar, ambas constitucionalmente afirmadas.

2 Das espécies de obrigação alimentar em razão de sua causa jurídica

As obrigações alimentares geralmente estão associadas ao Direito de Família, não estando, todavia, a ele adstritas. Para sua fixação devem ser observados pressupostos objetivos (vínculo de parentesco, necessidade de quem pleiteia, possibilidade do demandado e a proporcionalidade), bem como os de cunho subjetivo, referentes a quem pode prestá-los e reclamá-los.

A obrigação de se prestar alimentos legais não pode ser confundida com al-guns deveres familiares decorrentes de lei e que obrigam o sustento5. Referimo-

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-nos, por exemplo, ao dever de mútua assistência, trazido pelos incisos III, art.
1.566 e II, art. 1.724, ambos do Código Civil, que recai, respectivamente, nos cônjuges e nos companheiros. A mútua assistência subsiste até o surgimento de crise entre os cônjuges e os companheiros, momento este em que será substituída pela obrigação alimentícia com base nos arts. 1.694 e ss. de nosso Código Civil. Referidos deveres devem ser cumpridos de forma incondicional e, ao contrário das obrigações alimentares, não necessitam da verificação dos pressupostos de necessidade, possibilidade e proporcionalidade para serem exigidos.

Também exemplificam os deveres familiares o dos pais em relação aos filhos menores, o do suposto pai em relação ao nascituro6, e aqueles assegurados às pessoas idosas pela Lei 10.741/2003, atrelados à dignidade da pessoa humana e que recaem na família, na comunidade e no próprio Poder Público, inclusive.

Além das obrigações alimentícias fundadas na legislação familiarista, verifica-se as que têm caráter contratual ou testamentário (decorrentes de manifestação de vontades), as de cunho indenizatório ou ressarcitório e, ainda, as com nature-za compensatória.

Os alimentos contratuais pertencem ao direito obrigacional e são resultado de uma manifestação de vontade inter vivos assumida contratualmente por pessoa que não tem obrigação legal de pagá-los. Assemelham-se às doações em forma de subvenção periódica, prevista pelo art. 545 do Código Civil.

Os alimentos testamentários são previstos em testamento e consistem nos chamados legados de alimentos, cuja previsão legal é feita pelo art. 1.920 do Código Civil.

Os alimentos indenizatórios ou ressarcitórios consistem naqueles provenientes de ato ilícito e representam uma forma de indenização do dano ex delicto. Têm por escopo a reconstituição do patrimônio do alimentando que veio a sofrer alguma espécie de lesão decorrente da omissão ou comissão do alimentante, insculpido no direito das obrigações.

Por fim, a abordagem dos alimentos compensatórios, objeto de estudo deste texto, será feita com mais especificidade a seguir.

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3 Os alimentos compensatórios - contextualização

Rolf Madaleno recorre a Jorge O. Azpiri para definir os alimentos compensatórios: uma prestação periódica em dinheiro, efetuada por um cônjuge em favor do outro na ocasião da separação ou do divórcio vincular , onde se produziu um desequilíbrio econômico em comparação com o estilo de vida experimentado durante a convivência matrimonial, compensando deste modo, a disparidade social e econômica com a qual se depara o alimentando em função da separação, comprometendo suas obrigações materiais, seu estilo de vida e sua subsistência pessoal.7O Código Civil, ao contrário do espanhol e do francês8, não disciplinou de forma expressa a possibilidade de se igualar consortes que, ante a ruptura de sua família, inafortunadamente, se veem em situação de inferioridade econômica – inferioridade esta decorrente de circunstâncias fáticas necessárias à manutenção salutar da entidade familiar enquanto ainda existente. Esta é justamente a finalidade dos alimentos compensatórios: ao contrário da obrigação de alimentos regulada pelo art. 1.694 do Código Civil, não objetivam o custeio das despesas decorrentes do sustento de quem os recebe, mas sim buscam evitar a consolidação de desequilíbrio econômico entre cônjuges e companheiros. Assim, a prestação compensatória corresponde à compensação financeira devida por uma das partes integrantes da sociedade conjugal ou da família convivencial que tende a evitar que a outra mude bruscamente as suas condições sociais, de forma negativa9.

Nesse sentido, os alimentos compensatórios tendem a ser uma reabilitação do status quo em face da dissolução da sociedade conjugal. Possuem relação com o dever conjugal de mútua assistência, uma vez que a fixação daqueles decorre da cessação deste. Sua fixação não é automática e pode possuir funções distintas, tais como:

a) Recompensar eventuais prejuízos provenientes da ruptura da socie-dade conjugal, independentemente de culpa. A entrada em vigor da

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Emenda Constitucional 66/2010, a nosso ver, põe fim a qualquer discussão quanto a culpa de um dos consortes pela dissolução matrimonial. A utilização da pensão compensatória deve ocorrer de forma objetiva, levando em consideração a existência de eventuais disparidades econômicas entre aqueles que têm sua família dissolvida e não eventual inobservância de qualquer um dos deveres conjugais ou convivenciais.
b) Reembolsar o ex-cônjuge ou ex-companheiro(a) pela contribuição proporcionada ao patrimônio do casal. É o caso do consorte que, em prol dos anseios da família, abre mão de atividades e planos profissionais ou de formação acadêmica. Também exemplifica a hipótese o cônjuge que, em razão de circunstâncias específicas, como algum problema de saúde prolongado ou permanente da prole comum, passa a se dedicar com mais afinco ao ente enfermo. Saliente-se que em nada se confunde com indenização por serviços prestados, uma vez que o que se quer reparar é o desequilíbrio econômico decorrente de ação ou omissão tomada para a família.

c) Prover o ex-cônjuge ou ex-companheiro(a) com uma soma em dinheiro, suficiente para manter o previsto no caput do art. 1.694 do Código Civil. O casamento cria comunhão plena de vida. Com ele surgem os deveres conjugais e, por via de consequência, a solidariedade familiar. Após a ruptura da vida a dois, cessa o dever de mútua assistência o que, em tese, gera uma situação de desigualdade.

d) Indenizar um dos consortes quando os bens do casal que produzem ou poderiam vir a produzir rendimentos permanecem na administração do outro10. Pode ocorrer quando, em razão do regime matrimonial de bens, em algumas hipóteses por expressa previsão legal (art. 1.641 do Código Civil), inexiste comunhão e o patrimônio, após a dissolução da família, permanece somente com um dos consortes, bem como quando da separação de fato, antes da efetivação da partilha patrimonial, somente um administra e/ou usufrui. Tal hipótese encontra suporte no parágrafo único do artigo da Lei nº 5.478/1968 (Lei dos Alimentos), o qual dispõe que parte da renda líquida do patrimônio em comum dos

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cônjuges, quando administrado exclusivamente por um destes, ao outro será entregue.

O pagamento das verbas compensatórias pode se dar mensalmente ou em uma única vez e possibilitará que àquele que os recebe tenha relativa segurança para atingir ou manter padrão de vida igual ou similar ao que tinha antes da ruptura da vida a dois. Apesar da definição de Jorge O. Azpiri, trazida logo no início deste tópico do trabalho, dada a sua finalidade, não resta dúvida quanto à possibilidade de poderem ser pagos também por meio de transferência de bens ou de forma mista que envolve conjuntamente dinheiro e bens.

4 Fundamentos para exigência de alimentos compensatórios

Os alimentos compensatórios ainda têm sido abordados de maneira tímida, tanto pela doutrina, quanto por nossa jurisprudência. No âmbito doutrinário, Rolf Madaleno e Gelson Amaro de Souza são dois dos juristas que se notabilizam por abordar o tema, sempre de forma crítica e...

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