Alienação parental

AutorJuliana Rodrigues de Souza
Páginas103-143

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"De que valeria a obstinação de saber se ela assegurasse apenas a aquisição dos conhecimentos e não, de certa maneira, e tanto quanto possível, o descaminho daquele que conhece? Existem momentos na vida onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a refletir". Michel Foucault

A Alienação Parental vem despertando muita atenção da sociedade nos últimos anos, porém, infelizmente, é um tema pouco conhecido na sua profundidade pelas pessoas e por grande parte dos profissionais que atuam na área da infância e juventude. Trata-se de grave situação que ocorre normalmente dentro das relações familiares, após o término da vida conjugal, quando a mãe, o pai ou o responsável manipulam a criança e/ou o adolescente, a fim de romper os laços afetivos com um dos genitores, de modo a prejudicar a convivência familiar. Nesse sentido, pretende-se identificar, por meio de artigos e outras publicações nacionais, argumentos e construções teóricas acerca do conceito de Alienação Parental, à luz da Lei nº 12.318/2010 e da posição

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dos Tribunais brasileiros. Posteriormente, aborda-se o comportamento do genitor alienador e as diversas consequências psicológicas e comportamentais para a criança e adolescente decorrentes da SAP ou alienação parental.

3.1. O conceito de alienação parental à luz da lei nº 12 318/2010

A expressão Síndrome da Alienação Parental, também conhecida em inglês como Parental Alienation Syndrome - PAS foi definida em meados dos anos oitenta pelo psiquiatra norte-americano Richard Alan Gardner1, considerado um dos maiores especialistas do mundo no assunto separação e divórcio. Gardner observou que, na disputa judicial, os genitores procuravam, de forma incessante, afastar os filhos do ex-cônjuge, fazendo uma verdadeira lavagem cerebral na mente das crianças2. Nesse sentido, Gardner ensina que:

"A Síndrome de Alienação Parental (SAP) é um distúrbio da infância que aparece quase exclusivamente no contexto de disputas de custódia de crianças. Sua manifestação preliminar é a campanha denegritória contra um dos genitores, uma campanha feita pela própria criança e que não tenha nenhuma justificação. Resulta da combinação das instruções de um genitor

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(o que faz a "lavagem cerebral, programação, doutrinação") e contribuições da própria criança para caluniar o genitor-alvo. Quando o abuso e/ou a negligência parentais verdadeiros estão presentes, a animosidade da criança pode ser justificada, e assim a explicação de Síndrome de Alienação Parental para a hostilidade da criança não é aplicável"3.

Esse processo pode ser considerado um distúrbio que ocorre, especialmente, com menores de idade expostos às disputas judiciais entre seus pais. Trata-se da situação em que a mãe, o pai ou o responsável, disputam a guarda dos filhos e a manipulam, condicionando-o ao rompimento dos laços afetivos com um dos genitores.

Àquele que busca afastar e dificultar a presença do outro da esfera de relacionamento com os filhos, outorga-se o nome de "genitor alienante" e, ao outro genitor dá-se o nome de "genitor alienado"4.

A Alienação Parental, na visão de Jorge Trindade, "manifesta-se principalmente no ambiente da mãe, devido à tradição de que a mulher é mais indicada para exercer a guarda dos filhos, notadamente quando ainda pequenos.

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Entretanto, ela pode incidir em qualquer um dos genitores, pai ou mãe"5. Nessa mesma visão, Giselle Câmara Groeninga aponta que o genitor alienante geralmente seria a mãe, visto que ela costuma deter a guarda dos filhos6.

Os costumes familiares sofreram profundas transformações ao longo dos anos. A mulher passou a trabalhar fora do lar, e, em contrapartida, o homem está mais participativo nas tarefas domésticas, assumindo um cuidado maior com a prole. Logo, quando ocorre a separação do casal, o pai passou a reivindicar a guarda dos filhos, o estabelecimento da guarda compartilhada, a flexibilização de horários e a intensificação das visitas, como forma de garantir à prole o direito à convivência familiar7.

Então, nessa perspectiva, pode-se afirmar que, atualmente, as estruturas de convivência familiar estão se intensificando. Além disso, quando ocorre a ruptura dos vínculos conjugais, os pais estão disputando a guarda da prole, algo que antes era impensável. Antigamente, era comum a mãe ficar com a guarda dos filhos e ao pai cabia apenas as visitas.

A Alienação Parental é uma prática que sempre existiu, contudo, só agora passou a receber a devida

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atenção8. Para que se possa compreender melhor seu significado, Rosana Barbosa Cipriano Simão argumenta que se trata de uma prática que ocorre na reestruturação familiar, após a separação conjugal mal resolvida onde há filho(s) do casal. O filho é manipulado por um de seus genitores para que sinta raiva ou ódio do outro genitor. A criança é "programada" pelo ente familiar, que normalmente detém sua guarda, para que se distancie do outro genitor, podendo tal fato ocorrer de maneira consciente ou inconsciente9. Sob o mesmo ponto de vista, Jorge Trindade esclarece:

"A Síndrome da Alienação Parental é um transtorno psicológico que se caracteriza por um conjunto de sintomas pelos quais um genitor, denominado cônjuge alienador, transforma a consciência de seus filhos, mediante diferentes formas e estratégias de atuação, com o objetivo de impedir, obstaculizar ou destruir seus vínculos com o outro genitor, denominado cônjuge alienado, sem que existam motivos reais que justifiquem essa condição"10.

"Geralmente, não há motivos reais que justifiquem essa condição. É uma programação sistemática promo-vida pelo alienador para que a criança odeie, despreze ou tema o genitor alienado, sem justificativa real"11.

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Na seara jurídica, a alienação parental é considerada uma forma de violência praticada pelo guardião (aquele que detém a guarda, podendo ser do sexo masculino ou do sexo feminino), parente ou não, de uma pessoa menor de 18 anos. Essa violência consiste no ato ou omissão de impedir, de maneira injustificada, a convivência da criança ou do adolescente com o genitor que não detém a guarda12.

Danielle Goldrajch aponta que: "a definição de alienação parental surge para enunciar o processo que consiste em manter uma criança ou adolescente afastado do convívio de um ou de ambos os genitores"13.

Dessa maneira, os sentimentos desencadeados com o rompimento do casamento e as características individuais (atributos de personalidade), constituem os principais elementos do interesse em alijar o ex-consorte da vida dos filhos. Ou seja, a separação do casal é um dos momentos em que mais despontam as patologias individuais e da dinâmica familiar. Como explana Jorge Trindade:

"Logo após a separação dos pais, quando ainda o nível de conflitualidade é intenso, é comum surgir problemas e preocupações com as primeiras visitas ao outro

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progenitor, pois fantasias, medos e angústias de retaliação ocupam o imaginário dos pais e dos próprios filhos, ainda não acostumados com as diferenças impostas pela nova organização da família"14.

"Essas preocupações podem não corresponder à reali-dade ou exagerar pequenas diferenças entre os pais, visto que, em alguns casos, não há evidências dos motivos apresentados pelos genitores alienadores"15.

É inegável que todas as pessoas sonham com a perenidade dos vínculos afetivos até que a morte os separe. Em consequência disso, é difícil aceitar que o amor possa ter um fim. E, quando isso ocorre, geralmente, aquele que foi surpreendido com a separação fica com um sentimento de abandono e de rejeição. Sente-se traído pelo ex-cônjuge e com desejo muito grande de vingança16. Convém, também, salientar que:

"Não obstante o objetivo da Alienação Parental seja sempre afastar e excluir o pai do convívio com o filho, as suas causas são diversas, indo da possessividade até a inveja, passando pelo ciúme e a vingança em relação ao ex-parceiro e também pelo incentivo de familiares,

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sendo o filho uma espécie de "moeda de troca e chantagem"17.

Portanto, em muitos casos "os filhos tornam-se instrumentos de vingança, sendo impedidos de conviver com quem se afastou do lar"18. E, acrescenta-se que "o alienador "educa" os filhos no ódio contra o outro genitor, seu pai ou sua mãe, até conseguir que eles, de modo próprio, levem a cabo esse rechaço"19.

Nesse jogo de manipulações, para conseguir êxito nos seus objetivos, o guardião dificulta as visitas e cria empecilhos para que elas não ocorram. Além disso, o filho é convencido da existência de acontecimentos que não existem. Contudo, a criança nem sempre consegue discernir que está sendo manipulada e acredita aquilo que lhe é dito de maneira insistente e repetida, quer dizer, a criança acaba aceitando como verdadeiro tudo que é lhe informado20.

Sem dúvida, a Alienação Parental praticada por um dos ex-cônjuges contra o outro, tendo o filho como arma e

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múnus operandi, merece a reprimenda estatal, visto que é uma forma de abuso no exercício do poder parental21. Sob esse aspecto, cabe destacar os ensinamentos proferidos por Marco Antônio Garcia de Pinho:

"[...] além de afrontar questões éticas, morais e humanitárias, e mesmo bloquear ou distorcer valores e o instinto de proteção e preservação dos filhos, o processo de alienação também agride frontalmente dispositivo constitucional, uma vez que o artigo 227 da Carta Maior versa sobre o dever da família em assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito constitucional a uma convivência familiar harmônica e...

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