Alguns dos efeitos econômicos, arrecadatórios e sociais da Reforma Trabalhista

AutorRaimundo Simão de Melo/Cláudio Jannotti da Rocha
Páginas136-143

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1. Introdução

A relação de emprego tem vital importância para a manutenção do sistema capitalista, haja vista que ela representa, ainda hoje, a principal chave de conectividade aos direitos sociais fundamentais, em especial aos direitos trabalhistas e previdenciários. Sua importância é tão grande no modelo capitalista de produção que a sua consolidação propiciou o surgimento e desenvolvimento de um ramo jurídico especializado, o Direito do Trabalho.

Além disso, pode-se afirmar que a relação de emprego garantiu ambiente fecundo para a propagação e a universalização de uma rede de proteção social assegurada pelo Estado por meio do Direito Previdenciário.

Ao mesmo tempo em que é instrumento de afirmação do indivíduo em sociedade enquanto ser humano digno permite à empresa o desenvolvimento sadio de suas atividades, tornando-a apta a concorrer livremente no mercado econômico de produção de bens e serviços.

O homem que faz parte de uma relação de emprego se reconhece, não se estranha, ainda que o trabalho o aliene. É por meio da relação de emprego que a grande maioria das pessoas se conecta ao mundo e é reconhecida por sua família, por ela própria e pela comunidade em que vive. O que se pretende demonstrar é que o emprego é dotado de supremacia na socie-dade capitalista, na medida em que o trabalho humano ocupa lugar de centralidade no mundo. O emprego é imprescindível instrumento de inserção social e por meio dele o trabalhador é chamado a participar do processo produtivo capitalista. O homem trabalhador, contudo, não pode ser considerado como mera engrenagem ou simples peça desse sistema, mas sim como mola mestra em razão de sua dignidade humana.

Em um contexto mais amplo, o Direito do Trabalho cuida da própria relação entre o capital e o trabalho. Já dizia Istvan Mészaros que o Direito do Trabalho harmoniza o sistema capitalista e que este, sem aquele, se implodiria3.

Dessa forma, o emprego serve ao próprio sistema capitalista, enquanto seu pressuposto, na medida em que o surgimento, a permanência e o futuro do capitalismo dependem diretamente da existência da relação de emprego, ou seja, do trabalho livre mas juridicamente subordinado. Serve também ao Estado, como principal forma de arrecadação previdenciária e convém à própria sociedade, como meio de emancipação e desenvolvimento social.

O grande desafio atualmente talvez seja o de adequar os termos da Reforma Trabalhista consubstanciada pela Lei n. 13.467 de 2017 aos princípios constitucionais do trabalho, à finalidade teleológica e aos seus princípios basilares do Direito do Trabalho. É premente que o arcabouço normativo, especialmente o principiológico, do microssistema – Consituição - leis trabalhistas- sirva de verdadeira trincheira hermenêutica das normas reformistas.

Ao se analisar a Reforma Trabalhista, já aprovada, e a Reforma Previdenciária em vias de aprovação, essa afirmação fica ainda mais explícita e torna-se premente o diálogo entre o Estado, a sociedade civil, o mercado econômico e a esfera trabalhista. É essencial que todos estes absorvam a complexidade e diversidade do mundo hodierno, sem se olvidar, no entanto, de suas funções teleológicas de proteção e promoção da dignidade e inserção social do homem.

Para tanto, faz-se indispensável uma análise acurada da situ-ação do mundo do trabalho atual, com o intuito de demonstrar que, embora encontremos novas roupagens e construções, a relação de emprego ainda prevalece como o principal instrumento de realização dos direitos fundamentais sociais, de arrecadação estatal, além de permitir que o homem despossuído de riquezas possa participar da sociedade de consumo, retirando-o da situação de miserabilidade, e garantindo o acesso aos direitos e garantias previdenciários, em situações de doença, velhice, vulnerabilidade, não apenas do próprio trabalhador, mas também das gerações anteriores e das que ainda estão por vir.

2. A escalada da precarização do trabalho na Reforma Trabalhista

Desde 2013, iniciou-se um processo rápido e veloz de ascensão da matriz ultraliberal de direita, com a retomada do

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receituário de mitigação e desconstrução dos direitos sociais, em especial, dos direitos trabalhistas.

A crise econômica que assolou o país, com crescentes índices de desemprego e empobrecimento da população, bem como a crise política ocasionada pelos frequentes escândalos e denúncias de corrupção em todas as esferas dos Poderes Executivo e Legislativo, fomentou o cenário ideal para o afloramento dos discursos ultraliberais que, ao se tornarem (praticamente) hegemônicos, em especial a partir de 2015, propiciaram o terreno fértil para a aprovação apressada e atropelada da Reforma Trabalhista em julho de 2017.

Não obstante, cabe salientar que a Reforma Trabalhista operou uma modificação apenas formal na norma infraconstitucional que trata especificamente do Direito do Trabalho. Assim, é de se ver que os princípios constitucionais permanecem inalterados, bem como os princípios específicos do Direito do Trabalho e que, consoante anteriormente aduzido, devem ser observados e cumpridos, sob pena de se considerar inválida norma contrária a eles, conforme veremos a seguir.

A Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, que instituiu a chamada “Reforma Trabalhista” no Brasil, foi aprovada em tempo recorde. Pouco mais de seis meses se passaram entre a apresentação da proposta na Câmara dos Deputados – que ocorreu em 23 de dezembro de 2016, a revisão pelo Senado e a sanção presidencial. Isso para um projeto de lei ambicioso, que implementa mudanças profundas em institutos centrais do ramo justrabalhista, altera inúmeros dispositivos da CLT, insere outros tantos e revoga alguns, pode ser considerado um feito extraordinário (no sentido de algo realmente fora do comum e não necessariamente com conotação positiva).

Não bastasse a flagrante inconstitucionalidade decorrente do déficit democrático, na medida em que a sociedade e os próprios parlamentares foram privados de amplo debate que permitisse a compreensão adequada das implicações da reforma, a referida lei também viola diversos princípios constitucionais, além de afrontar claramente os pilares estruturantes do Direito do Trabalho.

Cumpre lembrar que os princípios têm função diretiva e interpretativa, além de serem normas jurídicas dotadas de coercibilidade e obrigatoriedade.

No tocante à função diretiva, entende-se por função de direção aquela que os princípios exercem sobre a atividade estatal e a privada. Ou seja, os princípios orientam as atitudes e ações tanto do poder estatal quanto dos indivíduos. Esta função torna-se evidente ao se analisar a influência dos princípios sobre a atividade normativa do legislador. Ao elaborar a norma, ele é obrigado a guiar-se pelos princípios constitucionais que informam e sustentam o ordenamento jurídico vigente, de tal sorte que a lei contrária a esses poderá ser declarada inválida.

A função interpretativa aflora, principalmente, no instante de revelação da norma. É ela que norteia o intérprete a eleger o sentido normativo que mais se coadune com o texto constitucional.

Sendo assim, qualquer modificação trazida pela Reforma Trabalhista que seja contrária aos princípios constitucionais do trabalho e aos específicos do ramo especializado não poderão prosperar. Nessa esteira, as inovações trazidas pela Lei n. 13.467 de 13 de julho de 2017 que importem supressão e redução de direitos sociais, com redução da proteção social legal deferida aos trabalhadores, são nulas e devem ser firmemente combatidas por toda a comunidade jurídica.

É o caso, por exemplo, do art. 442-B da CLT que afasta o manto protetivo da relação de emprego quando houver a formalização de contrato de trabalho autônomo, independentemente de haver exclusividade e continuidade na relação travada entre as partes. A nova proposição legislativa visa a facilitar o afastamento do regime constitucional de emprego previsto no art. 7º, inciso I, da Constituição, matriz de todos os direitos sociais fundamentais dos trabalhadores.

A relação de emprego socialmente protegida, prevista no dispositivo constitucional mencionado acima, consiste em direito fundamental assentado no princípio da justiça social, segundo o qual a realização material das pessoas não pode ficar sujeita apenas à sua aptidão pessoal para se posicionar no mercado. Ao contrário, deve ser impulsionada por normas estatais capazes de assegurar ao trabalhador um mínimo existencial civilizatório4.

O conceito formal de relação de emprego, difundido em diferentes ordenamentos jurídicos internacionais, tem como finalidade histórica conferir proteção jurídica e social ao trabalhador subordinado e economicamente hipossuficiente, e não pode ser excluído em face de simples declaração de vontade das partes, como é próprio da órbita contratual civilista.

Cita-se ainda a figura do trabalho intermitente prevista no art. 452-A, introduzido na CLT pela Lei n. 13.467 de 13 de julho de 2017. O contrato de trabalho intermitente é extremamente lesivo ao trabalhador, pois permite que o empregado seja convocado para trabalhar apenas quando for necessário à empresa, recebendo de forma proporcional ao tempo efetivo de serviço prestado, sem que o tempo à disposição do empregador seja reconhecido para fins trabalhistas e sem que lhe seja assegurado tempo ou remuneração capaz de lhe garantir o mínimo para sua sobrevivência.

Não há dúvidas de que o contrato de trabalho intermitente viola a dignidade do trabalhador, ofende o princípio da valoração social do trabalho, afrontando o fundamento basilar de que este não é uma mercadoria. Essa modalidade nova de contratação trata a mão de...

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