Alguns aspectos atuais e polémicos do cheque

AutorAlexandre Letízio Vieiria
Páginas250-256

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O direito comercial caracteriza-se por ser influenciável diretamen-te pelos fatos da vida, razão pela qual se transforma, se renova e se adapta às injun-ções económicas e sociais muito mais rapidamente do que o direito civil o faz em face das instituições que regula.

Em virtude deste dinamismo inerente ao direito comercial (e em certa medida também ao direito financeiro), que privilegia as práticas consuetudinárias, que se inserem no mundo jurídico inicialmente como fato e só depois são regulamentadas pela norma, sendo certo que, muitas vezes, mesmo quando há norma regulamentando um determinado instituto ele sofre autêntica metamorfose pelo contexto envolvente e só a posteriori as alterações são incorporadas à lei, assistimos à consagração de diversas modalidades de cheque (cheque visado, cheque bancário, cheque cruzado, cheque postal, travellers checks, cheque pós-datado), que, umas mais outras menos, refogem à definição legal original do cheque, mas guardam relação com a sua destinação económica básica, ou seja, a de ordem de pagamento que dispensa a utilização do meio circulante (papel moeda).

Destarte, objetivando atender os anseios do comércio varejista, de um lado, e dos consumidores necessitados de financiamento para a aquisição de bens, de outro, impôs-se, como realidade cotidiana, o che-que pós-datado, indiscriminadamente utilizado tanto pelas pequenas quanto pelas grandes empresas, com a função, precípua e não prevista no modelo original do instituto, de instrumento de crédito. Como consequência desta inovação, aumentaram as vendas a prazo, lastreadas na informalidade e na confiança recíproca entre o consumidor e o comerciante.

Como bem assevera Athos Gusmão Carneiro,1 "não haverá como duvidar que a habitualidade no uso da pós-data pelo comércio varejista brasileiro, baseado no elemento fidúcia, confiantes os emitentes dos cheques na boa-fé dos beneficiários, veio a prover uma necessidade premente dos comerciantes e da maioria de seus fregueses menos abonados, utilizando-se o cheque como promessa de pagamento e como singelo e eficaz instrumento de garantia".

Entendemos superada, na atual quadra, a questão sobre ser ou não ser o cheque um título de crédito, pois entendemos que a indagação perdeu relevância prática, uma vez que o caráter, no mínimo, cambiariforme do cheque é reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência claramente majoritárias em nosso direito.

Sim, pois, já predicava José Maria Whitaker2 o título de crédito é o documen-

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to "capaz de realizar imediatamente o valor que representa. A circulação do respectivo valor é, efetivamente, a função essencial e característica dos títulos de crédito. O valor futuro declarado no título transforma-se facilmente em valor presente por meio de desconto, possibilidade que substitui e mesmo excede as vantagens de um reduzido termo de vencimento: para o credor, porque oferece uma aplicação imediata e de fácil realização às suas economias - e por isso ele alonga o prazo do. pagamento e atenua a taxa de juros; para o devedor, porque converte prontamente o seu crédito em dinheiro - e por isso ele se submete a uma forma particularmente rigorosa de obrigação".

E o cheque, conceitualmente, é, na li-ção de Fran Martins3 "ordem de pagamento, à vista, dada a.um banco ou instituição assemelhada, por alguém que tem fundos disponíveis no mesmo, em favor próprio ou de terceiro".

Conforme esclarece Athos Gusmão Carneiro,4 quanto à aparente controvérsia sobre ser o cheque "meio de pagamento" ou "título de crédito", vale anotar que a radicalização não procede. Com efeito, Giorgio de Sêmo - após afirmar que "há uma diversidade de função económica da cambial edo cheque, porque este não é instrumento de crédito, mas, essencialmente, meio de pagamento".- assinala que "o cheque bancário é portanto, um título de crédito", deixando claro que o fato de não ser ele "instrumento de crédito" não lhe tira a qualidade de "título de crédito".

João Eunápio Borges e enfático ao afirmar ser o cheque um título de crédito, visto que nele se acham presentes dois dos elementos caracterizadores de uma operação de crédito; que, na verdade, constitui a função económica precípua do título de crédito, ou seja, a confiança e o prazo que medeia entre a promessa de pagamento feita pelo devedor e a sua efetiváção diferida no futuro. "Para muitos, de simples meio de pagamento, o cheque pode transformar-se em título de crédito quando posto a circular por meio de endosso. Mesmo, porém, nas mãos do tomador que, por confiar no emitente, o recebeu em lugar de dinheiro, o cheque não deixa de ser um título de crédito. De vida brevíssima,. em geral, mas, título de crédito, com a feição característica de documento necessário ao exercício literal e autónomo que nele se contém, de acordo com a clássica definição de Vivante".5

Podemos afirmar, portanto, que o cheque é um título de crédito e, mais do que isso, que é um título de crédito ao qual o ordenamento jurídico confere status de título executivo extrajudicial, conforme se lê no art. 585, inc. I, do Código de Processo Civil, que o equipara, entre outros, à letra de câmbio e à nota promissória, dois títulos de crédito por excelência.

Frise-se, por oportuno, que a jurisprudência vem reconhecendo a executividade do cheque, mesmo quando se trata de cheque pós-datado, conforme se vê na ementa do REsp 16.855, STJ, 4êT., Reí. Min., Sálvio de Figueiredo, j. em 11:5.1993 a seguir reproduzida: "O cheque pós-datado emitido em garantia de dívida não se desnatura como título cambiariforme, tampouco como título executivo extrajudicial".

Para Werter Faria6 "são exequíveis os títulos de crédito com função de garantia, ou seja, criados para assegurar o cumprimento de obrigação de que o tomador seja credor e, ainda, para servir de base à execução. O cheque dado em garantia não deixa de sei o que é: título pagável à vista. Se eni vez de servir de meio de pagamento à vista, que é a sua função principal, for emitido para garantir a obrigação do tomador, considerar-se-á extracartular a exceção oponível ao...

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