Alguns Apontamentos sobre a Greve que, Aliás, não Custa Caro

AutorVirgínia Leite Henrique
Ocupação do AutorProcuradora do Trabalho do Ministério Público do Trabalho
Páginas369-374

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Recentemente foi veiculada nos meios de comunicação uma campanha promovida por associações empresariais do Estado de Mato Grosso com o mote GREVE CUSTA CARO. Nela se falava que, apesar de ser a greve um direito,

A sociedade, porém, deve analisar com muito critério, porque greve custa caro. Qualquer aumento além dos índices de capacidade dos governos significa elevação da carga tributária. Então além de sofrer com o transtorno da falta de serviços, é a população que paga a diferença. Pense nisso. Afinal, para garantir o direito de uns, não é preciso prejudicar o bolso dos outros”1.

Ora, greve não custa caro. Aliás, custa um preço quase sempre justo. Custa o preço do exercício de um direito que uma sociedade, que se diz democrática, deve pagar. E com prazer.

Ela representa, ao fim e ao cabo, um direito instrumental no sentido de servir para a tentativa de conquista de novos direitos pela classe trabalhadora, ou mesmo para a manutenção do que, a duras pensas, fora conquistado.

Segundo a teoria clássica, a greve é um direito de titularidade individual e de exercício coletivo.

Há, porém, doutrinadores, como, por exemplo, o espanhol Palomeque López, que defendem a titularidade da greve com conteúdos coletivo e individual. Coletivo porque pertencente às instâncias e prerrogativas coletivas (convocação da greve, eleição da modalidade de greve, desenvolvimento da greve e desconvocação da greve), tendo como titulares os representantes dos trabalhadores ou diretamente os próprios trabalhadores (através de uma assembléia de trabalhadores etc.). Tem também conteúdo individual já que encerra prerrogativas individuais, como, por exemplo, de adesão à greve, participação em ações desenvolvidas na greve, cessação da participação na greve. O titular do conteúdo individual é o trabalhador. Os comitês de empresa e delegados de pessoal, instâncias representativas dos trabalhadores no âmbito da empresa, conforme o sistema espanhol, podem exercer seu conteúdo individual2.

Entre nós, Márcio Túlio Viana inverte os termos, entendendo a greve como um direito coletivo, que cada indivíduo pode e deve exercer, integrando-se ao grupo.

O autor mineiro nos brinda com diversos significados da greve, lembrando as etimologias da palavra em diversas línguas e resumindo que a greve “é tudo isso ao mesmo tempo”. É ataque, golpe, choque, folga, fôlego e liberdade. É também, como lembra Viana, meio de conversa e denúncia, entre os trabalhadores e o patrão, eles e a sociedade e, ainda, entre os próprios trabalhadores.

Em sendo tudo isso, esse “potro bravio”, essa “ação sem jurisdição”3, indaga o autor, seria possível domá-la?

Podemos dizer que sim e que não, também ao mesmo tempo.

Pensamos que sim, enquanto consagração de direito fundamental.

Com efeito, os direitos sociais, dentre os quais ganha destaque o direito de greve, são consagrados como Direitos Fundamentais expressos na Constituição da República de 1988.

Depois de uma longa fase de proibição, passou-se à consagração da “greve-direito”, não vista apenas em sua faceta negativa mas também positiva, tendo a greve status de direito constitucional fundamental. Representa, pois, peça chave das democracias contemporâneas.

Neste sentido, deve o Estado assumi-la como valor promocional, garantindo que as condições para a greve sejam efetivas.

Entretanto, anacronicamente, o Estado não poucas vezes tem se colocado contra a greve. É, pois, o Estado tentando, em vão e arbitrariamente, domar esse fato social, limitando seu alcance e sua potencialidade.

Com efeito, a greve tem se mostrado como um direito, digamos, atípico, gerador de posições con-

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trárias, sendo interessante observar, por exemplo, que a maioria da produção jurídica sobre greve trata de limitações deste direito e não de formas de exercê-lo ampla e ilimitadamente. Nas palavras de Souto Maior, “boa parte da inteligência humana (...) durante muito tempo foi voltada para limitar o exercício da greve”. E o autor adverte: “o instituto do direito de greve, se mal compreendido, pode conduzir a esse resultado de servir unicamente ao propósito de limitar a greve”4.

Trata-se de um direito com enorme “anomalia” de tipo regulativo. Constitucionalmente é consagrado de forma ampla e libertária. Entretanto, a regulação infraconstitucional lhe impõe amarras e contradições.

É o que ocorre no caso brasileiro, em que há um choque entre a amplitude do art. 9º, da Constituição da República de 1988, que assegura o direito de greve competindo UNICAMENTE aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender, e, por outro lado, a sua regulação. É que a Lei n. 7.783, de 28 de junho de 1989, ou seja, poucos meses depois da promulgação da Constituição Republicana de 1988, impõe diversas limitações e regulações ao exercício de tal direito (como, por exemplo, exigindo pré-avisos, formalidades, definindo diversas atividades como essenciais etc.). Como pontua José Afonso da Silva, “a melhor regulamentação do direito de greve é a que não existe”5.

Igual situação dá-se, por exemplo, na Espanha.

O art. 28 da Constituição Espanhola também consagra amplamente o direito de greve, indicando a reserva legal apenas para regular as atividades essen-ciais. Assim dispõe o item 2, do referido artigo: “2. Se reconoce el derecho a la huelga de los trabajadores para la defensa de sus intereses. La ley que regule el ejercicio de este derecho establecerá las garantías precisas para asegurar el mantenimiento de los servicios esenciales de la comunidad.”

Entretanto, o RDLRT, de 1977 (Decreto Lei de Relações de Trabalho), vai muito além da...

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