Algumas perguntas e poucas respostas

AutorMônica Sette Lopes
Páginas163-188
Algumas Perguntas e
Poucas Respostas
O fechamento deste trabalho poderia resumir-se em uma
resposta a duas perguntas fundamentais que não encontram solu-
ção exata, mesmo sob o peso dos séculos, mas cuja assimilação ecoa
como uma percepção talvez natural, talvez inerente no próprio ser
humano em suas buscas.
O que é o direito?
O que é a música?
Um conceito singelo de música aplicável, preponderante-
mente, ao mundo ocidental poderia ser o seguinte de acordo com
Martin:
“uma determinada espécie de padrão de sons organizados,
criados deliberadamente para produzir certos efeitos” 415.
Tal conceito esbarra em algumas incongruências, admiti-
das pelo autor416, a começar pela impossibilidade de pressuposição
de sua universalidade. Há comunidades na África que não possuem
uma ideia abstrata do que seja música ainda que percebam e prati-
quem cotidianamente várias de suas vertentes concretas417.
É possível também indagar quais seriam os critérios para
uma efetiva organização dos sons.
A pesquisa poderia seguir indenidamente com a apro-
priação de aspectos variados, desvendados ou dados a conhecer a
partir de opções sistematizadoras peculiares a cada um de seus ân-
gulos de focagem. Mas esta prospectiva correria o risco de nunca se
completar e de não se associar a uma descoberta que revelasse os
contornos efetivamente relevantes sob o prisma dos desdobramen-
tos práticos do fenômeno.
415 MARTIN, 1999, p. 14.
416 MARTIN, 1999, p. 14.
417 MARTIN, 1999, p. 14-17
A mesma diculdade existe quando se procura estabelecer
um conceito universal ou univocamente aceito do que seja direito418.
Não haveria uma incongruência aguda em que se partisse das mes-
mas noções-chave enunciadas por Martin e não se correriam riscos
exasperantes na armativa de que o Direito constitui
determinada espécie de padrões normativos de conduta or-
ganizados, criados deliberadamente para produzir certos
efeitos.
O ponto angustioso é que o conceito não abrange elemen-
tos que constituem fontes e depósitos da atuação dinâmica da músi-
ca e do direito, quer se considerem os aportes de cultura que levam
a um e a outro, quer se considerem os vários desdobramentos de sua
interpretação e/ou os processos de sua criação. É necessário enfren-
tar a irruptiva maleabilidade da vida e da maneira como tudo salta
do mundo da abstração e se envolve em tramas que não tendem à
unicidade.
Os conitos podem ser percebidos com um fato do mundo
da vida e a cultura humana faz com que eles ressoem por todos os
lados e se exponham nas várias linhas de produção e de reprodução
das experiências. Não há homogeneidade e a teia de conexões al-
cança a cultura e os interesses humanos pelos bens da vida em sua
acepção mais abrangente419.
O certo e o errado em termos de direito e de música não
constituem um absoluto, sob o prisma histórico, mas o fruto da evo-
lução e da variação no modo como a realidade é apreendida. Algo
que aos ouvidos do homem ocidental do séc. XXI soa como injusto
poderia não o ser no passado. Pense-se, por exemplo, na proteção do
meio ambiente ou no trabalho escravo.
Isto leva à harmonia, como um critério de certa ductilida-
de, que se sedimenta não na igualdade, mas na ideia de proporção, o
418 Para se ter uma ideia desta diculdade conceituadora, cf. os seguintes autores
e obras, que constituem apenas uma singela amostragem, HART, 1961, HART,
2000, KANTOROWICZ, 1962, LEVY-ULLMANN, 1925, SANTIAGO NINO,
1973, VALLET DE GOYTISOLO, 1998, JACQUES, 1964, KALINOWSKI, 1982,
KRAWIETZ, 1994.
419 MARTIN, 1999, p. 9-10.

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