Algumas observações sobre a irrelevante pergunta: 'quantas são as espécies tributárias?

AutorTaísa Silva Reque
CargoGraduada na PUC/SP. Especialista pelo IBET. Mestranda na PUC/SP. Advogada
Páginas244-261

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1. Introdução

Não temos a intenção de esgotar o tema objeto de nosso estudo, muito menos a pretensão de conseguir fazê-lo, sendo o intuito deste trabalho uma cuidadosa pesquisa sobre conceitos e elementos fundamentais para a compreensão das diversas propostas de classificações tributárias existentes.

A relevância do estudo deste tema existe apenas em países organizados sob a forma de Estado Federal, ou seja, aquele em que a União e Estados-membros são autônomos e possuem capacidade legislativa.

Nos Estados Unitários, onde existe um governo central que concentra todas as funções, jamais haveria qualquer importância o estudo das classificações tributárias. O professor Roque Antonio Carrazza, explica:

"Como já ressaltamos, fosse o Brasil um Estado Unitário e o trabalho de dividir os tributos em espécies e subespécies seria, provavelmente, inócuo, já que a função de criá-los pertenceria a um único Órgão Central que, obedecido alguns poucos postulados, quase tudo poderia, em matéria tributária de tributação".1Desse modo, como no Brasil a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são autônomos e a Constituição Federal ao repartir as competências os outorgou aptidão para legislar sobre todas as matérias, inclusive a tributária, o conhecimento das espécies e subespécies de tributos permitirão aos sujeitos passivos o conhecimento sobre

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a constitucionalidade da cobrança, ou seja, se o ente político que exige o tributo é competente para tal.

Logo, para iniciar o estudo sobre as classificações tributárias, teceremos algumas considerações sobre competência, demons-trando como o trabalho do constituinte foi meticuloso ao discriminá-las, garantindo a autonomia de cada pessoa política de direito público interno.

Em seguida, discorreremos sobre a teoria das classes, assunto fundamental para o perfeito entendimento do processo lógico ao qual pertence a atividade de classificar. Será neste momento que fixaremos as premissas necessárias para o desenvolvimento do tema.

No terceiro capítulo iremos detalhar as características de cada uma das espécies tributárias descritas pela Constituição Federal, mas ainda sem qualquer pretensão classificatória. Esta análise será relevante, pois sem se conhecer o objeto de estudo não é possível realizar qualquer classificação.

E, por fim, no último capítulo, será realizada uma detalhada análise sobre as propostas de classificação dos tributos presentes na doutrina e jurisprudência brasileira, para posteriormente tecermos nossas conclusões.

Ao terminar este estudo, esperamos conseguir demonstrar que as diversas propostas de classificação existentes são fruto de uma opção do cientista ou operador do direito. E que as divergências existentes entre elas não são motivo suficiente para caracterizar uma classificação como melhor ou pior do que outras, uma vez que se forem elaboradas em conformidade com as regras lógicas serão todas corretas, sob este ponto de vista.

Neste ponto, podemos destacar ainda que não somos adeptos da corrente que defende a inexistência de classificações certas ou erradas, mas apenas aquelas que são úteis ou inúteis. Entendemos que, do ponto de vista lógico, é possível que existam classificações que não correspondam às regras mínimas previstas por essa ciência, e estejam, portanto, erradas.

Obviamente, não temos a pretensão de oferecer uma resposta definitiva para o tema, mas tão somente apresentar uma interpretação possível para a discussão em questão, procurando contribuir para o desenvolvimento do estudo do tema classificações.

2. A competência tributária

O ordenamento jurídico brasileiro é composto por normas jurídicas que organizadas sistematicamente orientam todo o seu funcionamento. Entendemos ordenamento como sinônimo de sistema, consistindo, pois, em um conjunto de regras e princípios organizados de acordo com um conceito fundamental.

O professor José Artur Lima Gonçalves faz interessante análise sobre este tema: "O sistema jurídico compõe-se, pois, de elementos aglutinados em torno de um conceito fundamental. Trata-se da reunião harmônica, ordenada e unitária de princípios e regras em torno de um conceito fundamental, formando o sistema jurídico. Dentro desse sistema jurídico gravitam subsistemas erigidos a partir de seus próprios conceitos aglutinantes. No presente instante, interessa-nos, mais de perto, o (sub)sistema constitucional tributário brasileiro".2As normas jurídicas que compõem esse sistema, segundo a nomenclatura adotada pelo professor Paulo de Barros Carvalho,3 dividem-se em normas de conduta, que são aquelas que regulam as relações intersubjetivas, e normas de estrutura, que regulam o modo de produção de outras normas.

Interessa-nos, neste momento, a aná-lise das normas de estrutura, nas quais se destacam as normas de competência. A delimitação destas competências, realizada

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pela Constituição Federal, decorre do grande princípio que norteia nosso sistema: o federativo.

Em um de seus livros,4o professor Geraldo Ataliba tece interessantíssimos comentários sobre a república e a federação, considerando-os os princípios mais importantes do ordenamento, capazes de orientar a interpretação dos demais. Sobre o princípio federativo, destaca: "Tal como fixado o regime republicano, entre nós, a federação é uma forma necessária de sua realização: a autonomia dos Estados surge, já em 1891, como forma de expressão das exigências republicanas, entre nós. Como postulado pela mais lúcida doutrina, tudo o que puder ser feito pelos escalões intermediários haverá de ser de sua competência; tudo o que o povo puder fazer por si mesmo, a ele próprio incumbe. Aí está a demonstração da íntima relação entre república e federação".5É este princípio que garante a autonomia dos entes políticos e pode ser observado com a simples leitura da Carta Magna, que elencou e distribuiu minuciosamente as competências de cada ente, garantindo-lhes independência e isonomia.

Dentre as competências atribuídas aos entes políticos, destaca-se a tributária, que permitirá a arrecadação de recursos para o desempenho das funções constitucionalmente outorgadas. Isto porque, sem autonomia financeira, a independência e isonomia entre os entes políticos desaparecem.

Assim, podemos conceituar competência tributária impositiva como a aptidão das pessoas políticas de direito público interno (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) para criar tributos, descrevendo, legislativamente, as suas regras-matrizes de incidência.

Ocorre que, esta competência legislativa outorgada aos entes políticos não é ilimitada. Por afrontar diretamente o direito à propriedade e à liberdade dos contribuintes, deve ser exercido com cautela, observando as limitações impostas pela própria Constituição Federal.

Leciona o professor Roque Antonio Carrazza que: "(...) o tributo, de algum modo, esgarça o direito de propriedade. Ora, na medida em que o direito de propriedade é constitucionalmente protegido, o tributo só será válido se, também ele, deitar raízes na Constituição".6Os limites impostos pela Constituição ao exercício da competência tributária são: as normas e princípios constitucionais, com destaque à norma que impede o uso do tributo com efeito de confisco. Assim, verifica-se a submissão do Estado ao direito (Estado de Direito).

A nossa Carta Magna é exaustiva ao tratar de matéria tributária, despendendo ao tema inúmeros artigos, na contramão do que ocorre com Constituições estrangeiras, que se limitam a descrever princípios gerais, em um ou dois artigos, dando ao legislador ordinário ampla liberdade.

Como se observa, no Brasil, então, a Constituição deixou pouco espaço para o legislador infraconstitucional no que diz respeito à matéria tributária, podendo ser classificada como rígida. Sobre o assunto, ensina o mestre Geraldo Ataliba: "O que ao nosso estudo interessa, das considerações formuladas, é estabelecer a validade científica da classificação dos diversos sistemas constitucionais tributários, em função da liberdade por eles concedidas ao legislador ordinário; é anotar que sua feição geral será - sob a perspectiva de sua intensidade e amplitude - rígida ou flexível, conforme se restrinja ao ditame de princípios genéricos, admitindo à lei participar da tarefa de moldar o sistema tributário, ou se estenda, direta e imediatamente, à modelagem do

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sistema, conferindo à lei simples função regulamentar".7Dessa forma, ao criar, in concreto, os tributos os entes políticos devem total obediência aos ditames constitucionais, sob pena de flagrante inconstitucionalidade.

Assim, o critério utilizado pela Constituição para discriminar as competências tributárias impositivas foi, principalmente, o da materialidade. Outorgou à União, aos Estados, Distrito Federal e Municípios competências privativas (os impostos extraordinários são exceção que só confirmam a regra), indelegáveis, incaducáveis, inalteráveis (inclusive, por emenda constitucional), irrenunciáveis e facultativas (com exceção do ICMS, que por força do art. 155, § 2º, XII, da CF, deve ser instituído).

Com base nessa repartição de competências, podemos adentrar no tema das classificações dividindo os tributos pelo critério do sujeito competente para instituí-los. Como já dissemos, a Constituição trouxe uma rígida repartição de competências tributárias, outorgando às pessoas políticas de direito constitucional interno a...

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