Algum dia, talvez, se for o caso...' - frequência e motivos para a não designação da audiência do artigo 334 do cpc em comarcas da justiça estadual paulista

AutorPaulo Eduardo Alves da Silva - Tatyana Chiari Paravela
CargoDoutor e Livre Docente em Direito pela Universidade de São Paulo - Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP (FDRP/USP). Advogada. Ribeirão Preto/SP
Páginas500-533
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 14. Volume 21. Número 3. Setembro a Dezembro de 2020
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 500-533
www.redp.uerj.br
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"ALGUM DIA, TALVEZ, SE FOR O CASO…" - FREQUÊNCIA E MOTIVOS
PARA A NÃO DESIGNAÇÃO DA AUDIÊNCIA DO ARTIGO 334 DO CPC EM
COMARCAS DA JUSTIÇA ESTADUAL PAULISTA
1
-
2
"SOMEDAY, PERHAPS, IF SO..." - FREQUENCY AND REASONS FOR NOT
SCHEDULING PRELIMINARY HEARINGS AT SAO PAULO STATE LOWER
COURTS
Paulo Eduardo Alves da Silva
Doutor e Livre Docente em Direito pela Universidade de São
Paulo. Professor Associado da Faculdade de Direito de
Ribeirão Preto da USP (FDRP/USP). Ribeirão Preto/SP. E-
mail: pauloeduardoalves@usp.br
Tatyana Chiari Paravela
Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão
Preto da USP (FDRP/USP). Advogada. Ribeirão Preto/SP. E-
mail: tatyanacparavela@gmail.com
RESUMO: O CPC/2015 apostou no recrudescimento do incentivo à justiça consensual
com regras claras para a audiência de conciliação: antecipou-a para logo no início do
procedimento e tornou obrigatória a sua designação, salvo exceções previstas (art. 334). A
eficácia das regras, contudo, depende de como são aplicadas na prática. Este artigo traz
dados sobre a frequência e os motivos usados nas decisões de designação (ou não) da
audiência de conciliação em comarcas da Justiça estadual paulista. Os resultados indicam
que a audiência é raramente designada e que as justificativas utilizadas pelos magistrados
para aplicar o art. 334 do CPC variam substancialmente.
1
Artigo recebido em 03/04/2020 e aprovado em 04/08/2020.
2
Artigo vinculado ao pr ojeto de pesquisa "Resolução de Conflitos nas Sociedades Con temporâneas e Acesso
à justiça", coordenado pelo primeiro autor.
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Rio de Janeiro. Ano 14. Volume 21. Número 3. Setembro a Dezembro de 2020
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
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PALAVRAS-CHAVE: Acesso à justiça; justiça consensual; audiência de conciliação;
designação; pesquisa empírica em direito.
ABSTRACT: Brazilian 2015 Code of Civil Procedure bet on incentives to judicial
settlements by setting clear rules for the preliminary hearing - which was placed right at
the beginning of the proceedings and whose appointment is mandatory to the judge (art.
334). Nevertheless, its outcomes depend on how the rule will be practiced inside the
judicial system. This paper provides data on frequencies and reasons invoked by decisions
about preliminary hearings appointments in Lower Courts of the São Paulo State. Despite
the clear rule, the hearing was barely scheduled, grounded on reasons that vary
substantially.
KEY WORDS: Access to justice - dispute resolution - judicial settlements - mandatory
preliminary hearings to schedule the date of trial - empirical research on judicial
decisions.
Introdução
Dentre as novidades do Código de Processo Civil de 2015, as regras sobre
designação da audiência de conciliação e mediação são um excelente exemplo de política
judiciária refletida em uma regra processual e, ao mesmo tempo, de um comando
normativo cuja eficácia é posta à prova pelo próprio funcionamento do sistema de justiça.
A introdução de uma audiência destinada à tentativa de conciliação entre as partes
não é novidade no sistema processual civil brasileiro. Desde 1994, a nova redação dada ao
artigo 331 do CPC de 1973 incorporou uma audiência de conciliação ao procedimento
comum ordinário, a ser realizada após as respostas do réu. O que parece diferenciar o
artigo 334 do CPC de 2015, atual correspondente do artigo 331 do código anterior, são
tanto o momento procedimental em que fora alocada (antes do oferecimento de resposta
pelo réu), quanto e principalmente o fato da nova regra integrar uma política mais ampla de
incentivo à resolução consensual de disputas - introduzida em âmbito nacional em 2010
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Rio de Janeiro. Ano 14. Volume 21. Número 3. Setembro a Dezembro de 2020
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pela Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça e ampliada e fortalecida, em 2015,
pela Lei de Mediação (Lei n. 13.140) e o próprio CPC (Lei 13.105).
O suporte institucional e normativo, conquanto muito relevante, não é determinante
da total internalização da norma nas práticas e atores do sistema de justiça. O artigo 331 do
CPC anterior sempre enfrentou dificuldades de concretização - o que se ilustra pelas
reiteradas alterações que sua redação sofreu nas reformas legislativas posteriores. O artigo
334 do CPC enfrenta dificuldades da mesma natureza e, possivelmente, decorrentes da
mesma causa original.
A principal dificuldade de efetivação da audiência de conciliação no rito ordinário
parece ser, ainda, a obrigatoriedade de sua designação e de sua realização - antes mesmo
da presumível dificuldade de as partes chegarem a um acordo, quando adequado à disputa.
Ou seja, trata-se antes de uma dificuldade relacionada às práticas do sistema de justiça, não
tanto ao aprendizado e às performances nas técnicas de negociação, conciliação e
mediação.
O artigo 334 do CPC atual apostou no recrudescimento do incentivo à justiça
consensual pela fixação de regras claras direcionadas à realização da audiência.
Basicamente, o juiz deve designá-la já no despacho inicial quando não for o caso de
extinção liminar do processo (por inépcia ou improcedência liminar). A audiência só não
acontecerá se as partes expressamente se manifestarem desinteressadas ou "quando não se
admitir a autocomposição”. O texto legal é bastante claro
3
:
CPC, Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o
caso de improcedência liminar do ped ido, o juiz designará audiência de
conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias,
devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.
§ 1º O co nciliador ou mediador, onde houver, atuará necessariamente na
audiência de conciliação ou de mediação, observando o disposto neste Código,
bem como as disposições da lei de organização judiciária.
§ 2º Poderá haver mais de uma sessão destinada à conciliação e à mediação, não
podendo exceder a 2 (dois) meses da data de realização da primeira sessão, desde
que necessárias à composição das partes.
§ 3º A intimação do autor para a audiência será feita na pessoa de seu advogado.
§ 4º A audiência não será realizada:
3
BRASIL. Código de Processo Civil, Lei n.º 13.105 de 16 de março de 2015.

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