Para além do 'mundo jurídico': um diálogo com as equipes multidisciplinares de Juizados (ou Varas) de Violência Doméstica

AutorMarilia Montenegro Pessoa de Mello, Fernanada Cruz da Fonseca Rosenblatt, Carolina Salazar l'Armée Queiroga de Medeiros
CargoDoutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Mestra em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)/Doutora em Direito pela Universidade de Oxford (Reino Unido)/Doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 12, N. 01, 2021, p.608-641.
Marilia Montenegro Pessoa de Mello, Fernanda Cruz da Fonseca Rosenblatt e Carolina Salazar
l’Armée Queiroga de Medeiros
DOI:10.1590/2179-8966/2020/57098| ISSN: 2179-8966
608
Para além do “mundo jurídico”: um diálogo com as equipes
multidisciplinares de Juizados (ou Varas) de Violência
Doméstica
Beyond the “legal world”: a dialogue with members of multidisciplinary teams
serving in Brazilian domestic violence courts.
Marilia Montenegro Pessoa de Mello¹
¹ Universidade Católica de Pernambuco e Universidade Federal de Pernambuco, Recife,
Pernambuco, Brasil . E-mail: marilia.montenegro@unicap.br; mar ilia.pmello@ufpe.br.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5540-389X.
Fernanda Cruz da Fonseca Rosenblatt²
² Universidade Católica de Pernambuco, Recife, Pernambuco, Brasil; Instituto
Internacional de Justiça Restaurativa, Pensilvânia, EUA. E-mail:
fernanda.rosenblatt@unicap.br; ffrosenblatt@iirp.edu. ORCID: http://orcid.org/0000-
0002-4136-990X.
Carolina Salazar l’Armée Queiroga de Medeiros³
³ Universidade Católica de Pernambuco, Recife, Pernambuco, Brasil. E- mail:
carolina.salazar@unicap.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2048-8739.
Artigo recebido em 14/01/2021 e aceito em 21/01/2021.
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 12, N. 01, 2021, p.608-641.
Marilia Montenegro Pessoa de Mello, Fernanda Cruz da Fonseca Rosenblatt e Carolina Salazar
l’Armée Queiroga de Medeiros
DOI:10.1590/2179-8966/2020/57098| ISSN: 2179-8966
609
Resumo
O presente artigo tem como objetivo entender o funcionamento das equipes
multidisciplinares atuantes em Juizados (ou Varas) de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher. Buscamos identificar e compreender as possíveis modificações
desenvolvidas nesses espaços espec ializados, inaugura dos há mais de uma década, na
direção de novas respostas, desafiadoras daquelas tradicionalmente oferecidas pelo
Sistema de Justiça Criminal. Para tanto, e tendo por base pesquisa empírica realizada em
sete capitais brasileiras, utilizaremos de falas e reflexões extraídas dos grupos focais
realizados com as equi pes multidisciplinares estudadas, bem como das percepções
extraídas de entrevistas com magistrados que atuam n a violência doméstica e vítimas
desse tipo de conflito. Ao final, propomos o reconhecimento da importância das equipes
multidisciplinares na busca de novas saídas à violência doméstica contra a mulher no
Brasil, bem como a necessidade de enxergar/admitir as rígidas fronteiras do nosso
“mundo jurídico”.
Palavras-chave: Violência Doméstica contra a Mulher; E quipes Multidisciplinares; Lei
Maria da Penha.
Abstract
This article aims to understand the workings o f multidisciplinary teams in Domestic
Violence Courts in Brazil. We seek to identify and understand the possible changes
developed in these specialised spaces, which now exist for over a decade, that are turned
to new responses capable of challenging the traditional way of doing things in the
country’s Criminal Justice System. For that purpose and based on empirical research
carried out in seven Brazilian capital cities, we will highlight some of the reflections
extracted from focus groups carried out with the aforementioned multidisciplinary teams,
as well as draw on the perceptions extracted from interviews with magistrates who work
with domestic violence and victims of this type of conflict. In the end, we highlight the
need for recognition of the importance of multidisciplinary teams when searching for new
ways out in the domestic violence against women arena, as well as the need to
see/admit the rigid borders of our “legal world”.
Keywords: Domestic Violence against Women; Multidisciplinary Teams; The Maria da
Penha Act (Brazil’s Domestic Violence Law)
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 12, N. 01, 2021, p.608-641.
Marilia Montenegro Pessoa de Mello, Fernanda Cruz da Fonseca Rosenblatt e Carolina Salazar
l’Armée Queiroga de Medeiros
DOI:10.1590/2179-8966/2020/57098| ISSN: 2179-8966
610
1. Introdução
Para a construção do presente artigo utilizaremos1 um recorte da pesquisa Entre Práticas
Retributivas e Restaurativas: a Lei M aria da Penha e os avanços e desafios do Poder
Judiciário2, que objetivou compreender a aplicação da Lei Maria da Penha depois de mais
de 10 (dez) anos de sua vigência. A pesquisa, financiada pelo Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), foi coordenada, conjuntamente, pelas três autoras do presente artigo e abarcou 7
(sete) capitais brasileiras, sendo 3 (três) cidades na região nordeste (João Pessoa, Maceió
e Recife) e 1 (uma) cidade em cada uma das demais regiões (Belém d o Pará, Brasília, São
Paulo e Porto Alegre). O trabalho foi realizado com a utilização de diversas técnicas de
pesquisa e contou com uma equipe de mais de 50 (cinquenta pesquisadoras/es). A equipe
de pesquisa realizou entrevistas com magistrados, entrevistas com vítimas3, grupo focal
com as equipes multidisciplinares, análise quantitativa de processos e revisão
bibliográfica de literatura estrangeira sobre a aplicação da justiça restaurativa em casos
de violência doméstica4.
Com base nessa pesquisa e nos resultados alcançados, este artigo tem como
finalidade estabelecer um diálogo com as equipes multidisciplinares das sete cidades
pesquisadas, para entender a atuação dessas equipes nos Juizados (ou Varas) de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher5 e o papel desempenhado pelas/os profissionais
1 Optamos por apresentar a pesquisa de campo e seus resultados na primeira pessoa considerando o papel
tão direto e íntimo que tem o pesquisador, tanto na coleta como na análise de dados (ROSENBLATT, 2015a).
2 O referido projeto foi contemplado na 2ª Edição da Série “Justiça Pesquisa”, do Departamento de Pesquisas
Judiciárias (DPJ ), em 2016, tendo sido financiando, portanto, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). As
autoras declaram não haver conflito de interesses que comprometa a cientificidade do trabalho apresentado.
3 Reconhecemos a maior pertinência da expressão “mulheres em situação de violência”, por acreditarmos
que ela remete à possibilidade de modificação da r ealidade sociocultural da violência doméstica e famil iar
contra a mulher (PASINATO, 2015) e, também, por entendermos que a expressão “mulher vítima” engessa a
mulher numa situação única de vulnerabilidade, o que faz com que o complexo problema da violência
doméstica e familiar contra a mulher seja interpretado a partir de uma causalidade unilateral e simplista, cuja
compreensão precisa ultrapassar “os limites de uma leitura bidimensional, fundamentada em categorias fixas
como ‘mulher-vítima’ e ‘homem -agressor’” (SOARES, 2012: 191). No entanto, para efeitos deste artigo,
utilizaremos com frequência o termo “vítimas” por ser conciso, por estar na Lei Maria da Penha e
corresponder à linguagem jurídico-penal e também porque o objetivo deste trabalho não está focado nas
discussões em torno da terminologia mais apropriada. Do mesmo modo e por razões semelhantes,
utilizaremos o termo “agressor” com frequência, apesar de entendermos que se trata de referência
estigmatizante marcadora de uma identidade e n ão de uma prática social, tal como compreendemos se
tratar a violência contra a mulher (MEDRADO; MÉLLO, 2008; SOARES, 2012).
4 O componente qualitativo da pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética da Universidade Católica de
Pernambuco, tendo sido aprovado (CAAE: 66958616.7.0000.5206).
5 O art. 14 da Lei 11.340/2006 apresenta a seguinte redação: “Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT