Ajuste fiscal e as universidades públicas brasileiras: a nova investida do Banco Mundial

AutorGraça Druck - Luiz Filgueiras - Uallace Moreira
CargoProfessora Titular da Faculdade de Filosofia e C. Humanas/UFBa, druckg@gmail.com - Professor titular da Faculdade de Economia da UFBa, luizmfil@gmail.com - Professor Adjunto da Faculdade de Economia UFBa, uallacemoreira@gmail.com
Páginas68-100
https://cadernosdoceas.ucsal.br/
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, n. 242, p. 602-634, set./dez., 2017 | ISSN 2447-861X
AJUSTE FISCAL E AS UNIVERSIDADES PÚBLICAS
BRASILEIRAS: A NOVA INVESTIDA DO BANCO MUNDIAL1
Tax adjustment and the Brazilian public universities: the new investement of
the World Bank
Introdução
Em 1995, no início do primeiro Governo FHC, difundiu-se no Brasil um alentado
“estudo” (a denominação é para dar aparência de ser “científico”) produzido pelo Banco
Mundial (BIRD), à época apresentado na Associação Nacional de Dirigentes das Instituições
Federais de Ensino Superior (ANDIFES), intitulado “O Ensino Superior: as lições derivadas da
experiência”2.
Dirigido aos países “em desenvolvimento”, o objetivo último do documento era
o de orientar as ações do BIRD (apoio, financiamentos, empréstimos etc.) com relação a
esses países, tendo por condição (chantagem) a adoção, por eles, de uma série de medidas
de política educacional para o ensino superior e que, se assumidas em sua totalidade,
determinariam a implantação de uma estrutura de ensino superior tida como “ideal” por essa
Instituição. Portanto, um documento específico sobre o tema (as Universidades), mas que
não trata, particularmente, do ensino superior no Brasil; este, assim como o ensino de muitos
1 Esse texto foi encaminhado ao Caderno do CEAS para publicação em seu próximo número - cuja Editoria,
gentilmente, permitiu a sua divulgação prévia pela UFBA.
2 Uma análise crítica desse documento, de autoria de Druck e Filgueiras, foi publicada em artigo no Caderno
do CEAS, Salvador, 1996, vol. 32, p 28-42.
Graça Druck
Professora Titular da Faculdade de Filosofia e C.
Humanas/UFBa, druckg@gmail.com
Luiz Filgueiras
Professor titular da Faculdade de Economia da UFBa,
luizmfil@gmail.com
Uallace Moreira
Professor Adjunto da Faculdade de Economia UFBa,
uallacemoreira@gmail.com
Informações do artigo
Recebido em 03/12/2017
Aceito em 08/12/2017
Resumo
Este texto faz uma análise crítica do mais recente
“estudo” do Banco Mundial sobre os gastos do
Estado brasileiro, em especial aqueles referentes
às Universidades Públicas Federais, que defende o
ajuste fiscal em curso no Brasil. Evidencia que o centro
de sua argumentação é de caráter essencialmente
produtivista, financeiro e privatizante - uma análise
economicista, de custo-benefício, que é própria da
tradição neoclássica na Ciência Econômica. E, mais
do que isso, parte de uma posição, a priori, que é
típica dessa Instituição, e que se alinha à mesma
ótica do FMI e dos governos dos EUA, qual seja: a
de que os países da periferia do capitalismo gastam
mais do que podem, tendo, por consequência, o
aparecimento de déficits públicos.
Palavras-chave: Universidades Públicas Federais.
Banco Mundial. Ajuste Fiscal.
Ajuste fiscal e as Universi dades públicas brasileiras | Graça Druck, Luiz Filgueir as e Uallace Moreira
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outros países da periferia, é apenas citado como exemplo - para corroborar as afirmações,
posições e proposições defendidas no documento.
Hoje, mais de vinte anos depois, divulga-se outro “estudo” do Banco Mundial, desta
feita dedicado exclusivamente ao Brasil, com 160 páginas, mas cujos comentários sobre
o ensino superior brasileiro se restringem a apenas sete páginas. O suficiente para o BIRD
apresentar alguns indicadores que, supostamente, comprovariam o desperdício dos gastos
públicos com as Universidades Públicas, especialmente as Instituições Federais - tendo
em vista a sua “ineficiência e o seu baixo desempenho”, bem como o seu suposto “caráter
regressivo socialmente”. Esse “estudo” foi “encomendado” pelo então Ministro da Fazenda
(Joaquim Levy) do segundo Governo Dilma; portanto, previamente destinado a justificar e
legitimar o “ajuste fiscal” em curso.
Mais uma vez, essa Instituição, formalmente de caráter multilateral, mas que não
dá palpite sobre o ensino superior dos países centrais do capitalismo (Estados Unidos,
Alemanha, França, Japão etc), divulga um documento em uma conjuntura de avanço no
mundo, mas, principalmente, no Brasil, de reformas e políticas de cunho neoliberal na sua
vertente mais dogmática e fundamentalista - com o agravante de estarem sendo executadas
por um governo completamente ilegítimo: porque é produto de um golpe político, que vem
executando um programa não referendado em nenhuma eleição, e porque, também em suas
ações e desempenho, é repudiado por quase a totalidade da população brasileira, no pouco
tempo de sua existência.
Fazendo coro com a onda reacionária e privatizante do Governo Temer- que já
protagonizou, entre outras coisas, o congelamento das despesas públicas em termos reais
por 20 anos, a liberação da terceirização para qualquer setor da atividade das empresas,
uma reforma trabalhista que retrocede os direitos e as relações trabalhistas para antes da
Revolução de 1930, o desmonte da cadeia produtiva do petróleo, o esvaziamento do BNDES
como banco de desenvolvimento etc., - este último documento do Banco Mundial (p. 137-
138) propõe, na mesma linha do “estudo de 1995”, as seguintes orientações e medidas: 1-
redução dos recursos destinados às Universidades Federais, o que as obrigaria “redefinir a
sua estrutura de custo e/ou buscar recursos em outras fontes”; 2- introdução de “tarifas”
escolares (ensino pago); 3- financiamento para os estudantes que não puderem pagar as
mensalidades instituídas pelas Universidades Federais, tal como já ocorre com o FIES que,
“felizmente”, segundo o documento, já oferece empréstimos estudantis para viabilizar o
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acesso a universidades privadas; e 4- para completar, bolsas de estudos gratuitas para os
estudantes mais pobres, através do PROUNI.
Mas, se o documento tem apenas sete páginas de análise e propostas a respeito do
ensino público superior brasileiro, do que tratam as 153 páginas restantes? A resposta a essa
questão é essencial para entendermos o objetivo geral do documento e como a questão das
Universidades se encaixa nele.
O título do documento, “Um Ajuste Justo: Análise da Eficiência e Equidade do Gasto
Público no Brasil”, não deixa margem a dúvidas; é, de novo, “o samba de uma nota só” do
ajuste fiscal. Em resumo: a preocupação é com a folha salarial dos funcionários públicos e os
gastos com educação, saúde, previdência e assistência social, ou seja, os gastos correntes,
em especial os gastos sociais do Estado. Como seria de se esperar, o caráter regressivo do
sistema tributário brasileiro e os gastos com a dívida pública, que absorve mais de 40% do
orçamento público, são mencionados muito ligeiramente (uma pequena concessão), mas
apenas para justificar o porquê de o “estudo” não os tratar e se concentrar somente nas
despesas sociais do Estado.
No entanto, mesmo tratando do tema apenas em um parágrafo, o “estudo”, sem
querer, corrobora as análises e críticas dos economistas heterodoxos à natureza do ajuste
fiscal que está sendo executado no Brasil, ao afirmar que a alternativa à redução dos gastos,
para restaurar o equilíbrio fiscal, poderia ser “o aumento das receitas tributárias e a redução
dos altos pagamentos de juros sobre a dívida pública”:
... Certamente, há escopo para aumentar a tributação dos grupos de alta renda (por
exemplo, por meio de impostos sobre a renda, patrimônio ou ganhos de capital) e
reduzir a dependência dos tributos indiretos, que sobrecarregam os mais pobres.
Ganhos adicionais no equilíbrio scal poderiam ser obtidos por meio da redução
das operações quase-scais realizadas por bancos públicos e da identicação
de uma solução para os altos custos da gestão da dívida pública e das reservas
internacionais... No entanto, essas medidas adicionais não substituem o combate
às causas fundamentais do aumento dos gastos públicos e a revisão das excessivas
responsabilidades/obrigações associadas ao Estado brasileiro. (p. 8)
Nota-se, portanto, que o próprio documento desmente o seu título: como pode haver,
mesmo assumindo a ótica enviesada do BIRD, “Um Ajuste Justo”, considerando-se que o
caráter regressivo do sistema tributário e as obrigações com a dívida pública não são objetos
desse ajuste? Na verdade, o objetivo dessa Instituição e o foco de seu estudo centram-se na
proposição de que é preciso “rever as excessivas responsabilidades/obrigações” (sociais) do
Estado brasileiro.

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