A Agroindústria no Sistema Empresarial e na Teoria do Agronegócio

AutorGustavo Elias Kallás Rezek
Páginas149-168

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1 Introdução

A globalização e o desenvolvimento econômico das últimas décadas incrementaram cada vez mais a competitividade dos mercados agropecuários e exigiram do produtor rural novos métodos de condução de sua propriedade e de sua atividade, sob pena de decadência e até do fracasso de seu empreendimento. Neste cenário, surge a necessi-dade premente do conhecimento e da aplicação de técnicas de gerenciamento, advindas dos profissionais e dos teóricos da Administração e da Economia, capazes de atender às demandas do novo mercado, tornando o processo produtivo eficiente e competitivo. Dentre as modernas técnicas podem ser citadas a crescente mecanização da atividade agrária, que gera agilidade e reduz gastos, e o processamento dos produtos primários na própria empresa produtora, agregando significativamente o valor final desses produtos no mercado consumidor1.

Tem-se, pois, um processo de industrialização do setor primário da economia que caminha junto com a adoção de uma visão empresarial e mercadológica da atividade agrária. O primeiro, leva à análise da caracterização da Agroindústria no Direito Agrário atual. A segunda, à consideração do Agronegócio no sistema empresarial. No intuito de compreender tais realidades, é vital a análise dos conceitos de atividade e de empresa agrária, para, na sequência, estudarmos, em si mesmo, o fenômeno da agroindústria e do agronegócio.

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Este artigo não tem a pretensão, pelo seu modesto tamanho, de esgotar o tema em apreço. Quer, sim, lançar algumas questões sobre as quais os futuros estudiosos poderão se dedicar na constante tarefa do fortalecimento e da evolução do Direito Agrário nacional.

2 A agroindústria no sistema empresarial
2. 1 A Atividade Agrária

Como já esclarecido, a caracterização da agroindústria passa pelo correto entendimento do conceito de atividade agrária. Esta deve ser compreendida, em sentido estrito, como a atividade humana de cultivo de vegetais2 e de criação de animais, caracterizada pela presença de um processo orgânico de desenvolvimento desses vegetais e animais, sujeito às leis naturais - e, portanto, não totalmente controlado pelo homem -, cujos produtos, sendo coisas, são destinados ao consumo social em sentido amplo - ou seja, não somente ao consumo alimentar3. Tal noção se baseia na Teoria da Agrariedade, que identifica como denominador comum em todos os atos agrários, sejam os de cultivo ou os de criação, a presença do ciclo agrobiológico de crescimento4, exposto a um risco natural correlato, não total-mente controlável pelo produtor.5

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Parte o Direito Agrário, obviamente, de uma noção metajurídica para definir a atividade agrária, que é uma atividade social, econômica e biológica. Todos os institutos peculiares desse Direito se relacionam, direta ou indiretamente, com a noção dessa ativi-dade. A agrariedade é a nota qualificativa que definirá certa atividade como agrária ou não. Ao agrarista, não importa a presença, isoladamente, da terra fértil, dos vegetais ou dos animais. Esses bens serão levados em consideração na medida que se relacionam à atividade agrária, ou seja, na medida que a terra é destinada, efetiva ou potencialmente, à consecução dessa atividade, e na proporção que os animais e os vegetais se desenvolvem dentro da mesma atividade.

Enquanto ação humana, a atividade agrária implica uma sequência de atos coordenados objetivando um fim principal, que é o da obtenção de produtos animais e vegetais voltados ao consumo da sociedade, nas suas mais variadas formas de manifestação. Assim, exemplificando, será agrária a atividade da cria de ovelhas para a produção de lã, objetivando o fornecimento de matéria-prima para a indústria de vestuário. Será agrária, em nosso entender, a criação de cavalos de corrida para o entretenimento humano nos jóqueis-clubes e a criação de ratos cobaias para venda às faculdades e instituições de pesquisa6; não somente, portanto, aquela atividade clássica voltada ao consumo alimentar, mas a qualquer consumo humano em sentido amplo, imediato ou mediato, devendo ser lícito, pois o Direito não se coaduna com a ilicitude do ato, e recair sobre bens corpóreos economicamente valoráveis.

O ciclo agrobiológico pressupõe a existência de organismos vivos - a planta, o animal -, ao menos durante o seu desenvolvimento. Como a atividade agrária é atividade humana, deve ser provocada pelo próprio homem, aquele que acompanha o processo orgânico, não tendo sobre ele, pelo risco natural correlato, o controle absoluto. Dessa forma, o extrativismo animal e vegetal - a caça, a pesca, a coleta de frutas - não pode ser considerado, em sentido estrito, ato agrário. Muito mais flagrante é a exclusão da atividade de mineração, na qual inexiste sequer o ciclo agrobiológico. Também não se enquadra como atividade agrária aquela exclusivamente conservativa da natureza, com objetivo preservacionista, regulada precisamente pelo Direito Ambiental. Os parques públicos e as reservas particulares do meio ambiente estão excluídos da órbita agrária.

A legislação brasileira não possui um conceito minucioso para a atividade agrária, confundindo-a, por vezes, com a sua subespécie agrícola ou ampliando em demasia sua

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órbita de ocorrência. O parágrafo único do artigo da Lei 8.171/91 (Lei de Política Agrícola) prescreve que "para os efeitos desta lei, entende-se por atividade agrícola a produção, o processamento e a comercialização dos produtos, subprodutos e derivados, serviços e insumos agrícolas, pecuários, pesqueiros e florestais". Para o inciso I do artigo 4º do Estatuto da Terra (Lei 4.504/64), atualizado pelo inciso I do artigo 4º da Lei 8.629/93, que regulamentou previsões agrárias constantes da Constituição Federal de 1988, atividade agrária é a "atividade de exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial".7O texto legal excluiu, pois, a atividade extrativa mineral8e manteve a atividade extrativa vegetal no âmbito da atividade agrária. Há autores que incluem também como agrárias certas práticas de extrativismo animal9. Quanto à atividade extrativa vegetal, o legislador visou sua proteção sob a particular regulamentação do Direito Agrário, considerando os fatores sociais presentes em certas regiões mais afastadas e carentes, como a nordeste, a centro-oeste e a amazônica. Para nós, sendo legalmente agrária, essa atividade não deve ser considerada como tal doutrinariamente, uma vez que o homem não provoca nem participa do processo de desenvolvimento dos vegetais. O extrativismo, portanto, em qualquer de suas formas, não é atividade agrária, mas alguns tipos de extrativismo de subsistência submetem-se à proteção social das normas agrárias, porque as realidades do pequeno agricultor e do extrator familiar são muito próximas.

As mencionadas atividades agrícola e pecuária referidas pela lei são essencialmente agrárias, conforme a noção aqui difundida. Quanto à atividade florestal, devem ser feitas algumas distinções. Será agrária a silvicultura, entendida como a plantação e o acompanhamento do desenvolvimento de florestas para a obtenção de certos produtos de origem vegetal, integrando a noção geral de agricultura. Assim, será agrária a plan-tação de uma floresta de eucaliptos para extração da madeira - matéria-prima destinada à produção industrial de papel. Também a plantação florestal de seringueiras para a extração do látex, utilizado em inúmeros produtos, desde sandálias até a borracha empregada nos pneus de nossos veículos. Não serão agrários, por outro lado: a) o extrativismo florestal, a simples coleta de frutos, sementes, folhas, madeira ou cascas de árvores; b) a mera conservação florestal, reitere-se, como a que existe nos parques e nas reservas.

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Outra questão reside no fato de não ser a terra, o fundo rústico fértil, indispensável para a existência da atividade agrária.10A regra é a sua presença, como ocorre na quase absoluta soma das hipóteses, mas essa regra comporta exceções. Realmente, pela noção acima explanada, é possível o desenvolvimento de uma atividade agrária dispensandose o fundo rústico. Tal necessidade ou não da presença do fundo rústico para a prática agrária deu margem a grande polêmica na doutrina. Alberto BALLARÍN MARCIAL exclui do conceito jurídico de atividade agrária toda a produção vegetal ou animal que não se funde em uma certa extensão de terreno, advertindo, porém, que nem toda ativi-dade agrária deve realizar-se sempre em um meio profundamente ruralizado11. Giovanni GALLONI ensina que, salvo quanto à agricultura tradicional, não se pode dizer que o fundo rústico representa a base essencial e única capaz de caracterizar, também sob o aspecto jurídico, a produção agrária. Para GALLONI, a doutrina moderna distingue o setor agrário dos demais setores (de produção comercial e industrial) não mais pela dependência do fundo rústico, mas pela presença do ciclo agrobiológico de desenvolvimento12. Ao que completa Luigi COSTATO, para quem o Direito Agrário se refere principalmente aos problemas de produção e de alienação dos produtos agropecuários e, apenas instrumentalmente, ao problema da propriedade da terra como principal meio de produção que o caracteriza.13Fernando Pereira SODERO identifica três momentos sequenciais no processo agrário: a produção provocada pelo homem no processo agrobiológico; a transformação; e a comercialização dos produtos e frutos destinados ao consumo humano14. Essa afirmação conduz à conclusão de que, paralelamente à atividade agrária em sentido estrito, típica, de desenvolvimento e de produção dos vegetais e dos animais, existem as atividades acessórias. As atividades acessórias podem ser: a)...

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