A Agroindústria no Sistema do Biodiesel

AutorMarco Aurélio Gumieri Valério
Páginas261-274

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Introdução

No dia 1º de janeiro de 2008, entrou em vigor a Lei 11.097, de 13 de janeiro de 20051que determina a adição de 2% de biodiesel, ao diesel de petróleo, também chamado de diesel comum, usado pela frota de veículos nacionais movidos a partir desse combustível. Ainda segundo essa norma, os postos e distribuidoras terão que aumentar a adição de biodiesel para 5% até 2013, porém, o governo estuda a possibilidade de antecipar o início da obrigatoriedade dessa mistura já para 20102.

O biodiesel, combustível derivado de fontes renováveis de energia, substitui total ou parcialmente o óleo diesel em motores automotivos - caminhões, tratores, camionetas, automóveis etc. - ou estacionários - geradores de eletricidade, de calor etc. - podendo ser usado puro ou misturado ao diesel comum em diversas proporções. A combinação prevista em lei de 2% de biodiesel ao diesel comum é denominada B2, a de 5%, B5, até chegar ao chamado B100, com 100% de pureza.

A área plantada necessária para atender ao percentual de mistura de 2% de biodiesel ao diesel de petróleo é estimada em 1.500.000 (um milhão e quinhentos mil) hectares, equivalente a 1% dos 150.000.000 (cento e cinquenta milhões) de hectares plantados e

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disponíveis para a agricultura no Brasil. Este número não inclui as regiões ocupadas por pastagens e florestas. As regras permitem a produção a partir de diferentes oleaginosas3, possibilitando a participação tanto do agronegócio quanto da agricultura familiar.

O cultivo de matérias-primas e a produção industrial de biodiesel têm grande capacidade de geração de empregos, promovendo a inclusão social, especialmente quando se considera o amplo potencial produtivo da agricultura familiar. No Semi-Árido do Nordeste, por exemplo, a renda anual líquida de uma família a partir do cultivo de cinco hectares com mamona e uma produção média entre 700 e 1.200 por hectare, pode variar de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) a R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais). Além disso, a área pode ser consorciada com outras culturas, como o feijão e o milho4.

No intuito de aproveitar todas essas vantagens com ganho de escala e com a sinergia existente entre os vários programas sociais em operação, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS e o Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA, no âmbito do Programa Nacional do Biodiesel - PNB, uniram forças visando à estruturação socioeconômica dos agricultores familiares.

Os programas complementares são ações regulares, ofertadas pelas quatro esferas de governo - União, Estados, Distrito Federal e Municípios. São voltados ao desenvolvimento das capacidades das famílias listadas no Cadastro Único - CadÚnico, principalmente, as beneficiárias do Programa Bolsa Família - PBF5, contribuindo para a superação da situação de pobreza e de vulnerabilidade social em que se encontram6.

Esses agricultores familiares recebem assistência técnica, crédito e capacitação para viabilizar sua inserção nos arranjos produtivos da cadeia do biodiesel a fim de abastecer

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as usinas processadoras. A integração contribui para aumentar a renda familiar e fortalecer os polos de produção de oleaginosas7.

Esse capítulo abordará as conquistas e os desafios que ainda estão por vir dessas ações conjuntas do governo que já são referência internacional no combate à miséria.

1. Programa nacional de fortalecimento da agricultura familiar - pronaf

O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - Pronaf, criado pelo Decreto n. 1.946, de 28 de Junho de 19968e reestruturado pelo Decreto n. 3.991, de 30 de outubro de 20019, tem por finalidade promover o desenvolvimento sustentável do meio rural, por intermédio de ações destinadas a implementar o aumento da capacidade produtiva, a geração de empregos e a elevação da renda melhorando a qualidade de vida da população.

O Pronaf foi criado no governo de Fernando Henrique Cardoso como adaptação, revista e ampliada, do Programa de Valorização da Pequena Produção Rural - Provap instituído no período Itamar Franco. O Conselho Monetário Nacional - CMN, por meio da Resolução n. 2.101, de 24 de agosto de 199410, aprovou o programa com condições especiais para o financiamento do custeio da safra 1994-1995.

Os anos 1990 do século passado foram anos de grande agitação no meio rural, que culminou com o grito da terra, uma série de marchas sobre Brasília organizadas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura - Contag, Central Única dos Trabalhadores - CUT e Movimento dos Sem Terra - MST.

Ambos programas foram uma reação do governo a agricultores familiares que engrossavam as manifestações e reclamavam contra as regras então vigentes que os consideravam miniprodutores, submetidos às mesmas exigências que os grandes para acesso ao crédito rural, ou seja, tinham pouca ou nenhuma chance de consegui-los.

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Os recursos do Provap e do Pronaf vinham inicialmente do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES e do Fundo Constitucional de Desenvolvimento do Centro-Oeste - FCO. Mas já havia a intenção de dar tratamento desigual aos desiguais. E isso constituiu um avanço que até os críticos do período Fernando Henrique Cardoso reconhecem. Em favor dos pequenos, por exemplo, o governo acusado de neoliberal adotou a equalização de juros, eufemismo para o subsídio autorizado pelo Conselho Monetário Nacional - CMN, enquadrado pelo Banco Central - Bacen e assumido pelo Tesouro11.

Na prática, houve progressos na concessão do financiamento, mas este se concentrou no Sul do país, com pífio desempenho nas outras regiões. Em 2002, na entrega do governo, o Pronaf registrava um acumulado de 953 mil contratos, com R$ 2.400.000.000,00 (dois bilhões e quatrocentos milhões de reais) de financiamento. Embora se tratasse de uma soma respeitável, na verdade o governo estava atrasado em cinco anos no cumprimento da meta em dinheiro prometida para 1997. Em 2003, os que gritavam na direção do Planalto entraram nele para assumi-lo. CUT e Contag somaram-se às fileiras da administração do recém empossado governo Lula.

O MST, cujo foco de atuação permanece voltado para a distribuição de terras, optou por permanecer de fora. Talvez, por isso mesmo, políticos e mídia continuem mais atentos em relação ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra, parte mais conflituosa do Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA, setor que se ocupa de mais ou menos seiscentas mil famílias de agricultores sem terra.

Atrai pouca atenção, entretanto, o que acontece com um número muito mais expressivo de famílias com pouca terra. Foi com elas que se ocupou a porção Secretaria da Agricultura Familiar - SAF, do Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA, cuja tranquilidade para trabalhar é apenas perturbada pelas lutas internas do Partido dos Trabalhadores - PT e alguma divergência com o Ministério da Agricultura sobre o modelo de exploração do potencial agrícola brasileiro.

O Pronaf adota como estratégia a parceria entre órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além da participação do setor privado, dos agricultores familiares e de suas organizações sociais.

Sua finalidade é apoiar as atividades agrícolas e não-agrícolas desenvolvidas no estabelecimento ou aglomerado rural urbano próximo. E, para isso, poderá: (a) negociar e articular políticas e programas junto aos órgãos setoriais dos governos Federal, Esta-dual, Distrital e Municipal, que promovam a melhoria da qualidade de vida dos agricultores e de suas famílias; (b) promover a capacitação dos agricultores familiares com vistas à gestão de seus empreendimentos; (c) disponibilizar linhas de crédito adequadas

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às necessidades dos agricultores familiares; (d) contribuir para a instalação e melhoria da infra-estrutura pública e comunitária de apoio às atividades desenvolvidas pelos agricultores familiares; (e) apoiar ações de assistência técnica e extensão rural e geração de tecnologias compatíveis com as características e as demandas da agricultura familiar e com os princípios da sustentabilidade; (f) estimular a agregação de valor aos produtos e aos serviços das unidades de base familiar, contribuindo para a sua inserção no mercado e a ampliação da renda; (g) apoiar a criação de fóruns municipais e estaduais representativos dos agricultores familiares para a gestão integrada de políticas públicas.

São princípios do Pronaf: (a) gestão social, por meio de conselhos estaduais e municipais; (b) descentralização mediante a valorização do papel propositor dos agricultores familiares e suas organizações, em relação às ações e aos recursos do Programa; (c) acesso simplificado dos agricultores familiares aos agentes, instrumentos e benefícios do Programa; (d) parceria no planejamento, na execução e na monitoria de ações entre os agentes executores e os beneficiários do Programa; (e) respeito às especificidades locais e regionais na definição de ações e na alocação de recursos; (f) ações afirmativas que facilitem o acesso de mulheres, jovens e minorias étnicas aos benefícios do Programa; (g) defesa do meio ambiente e preservação da natureza baseado na sustentabilidade.

O Programa se compromete a beneficiar todos aqueles que explorem e dirijam estabelecimentos rurais na condição de proprietários, posseiros, arrendatários, parceiros, comodatários ou parceleiros, que desenvolvam atividades agrícolas ou não-agrícolas e que atendam, simultaneamente, aos seguintes requisitos: (a) não possuam, a qualquer título, área superior a quatro módulos fiscais, quantificados na legislação em vigor; (b) utilizem predominantemente mão-de-obra familiar nas atividades do estabelecimento...

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