A Agroindústria no Sistema de Biotecnologia e de Inovação Tecnológica

AutorJosé Maria Ferreira Jardim da Silveira
Páginas125-137

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1 Introdução

O Brasil vem se destacando ao longo dos últimos trinta anos como um Centro de Pesquisa Agrícola Mundial, junto com outros poucos países em desenvolvimento, como China, África do Sul e Índia, junto com países como Austrália, EUA, França, Países Baixos e Canadá, que lideram a pesquisa agrícola mundial. Silveira e Borges (2007) e Fonseca et alli (2007) apontam na articulação entre agroindústrias, centros de pesquisa agrícola (universidades, EMBRAPA e organizações locais de pesquisa, incluindo centros privados de investigação), organizações agrícolas e grandes corporações do setor privado como sendo os fatores determinantes para a criação de uma dinâmica de incorporação continuada de resultados de pesquisa que resulta na elevação da produtividade total dos fatores.

Como mostram Rivera e Rivera et al, 2007, os resultados positivos obtidos pelo Brasil contrastam com os da literatura mundial sobre o assunto, que apontam para a tendência à estagnação da produtividade total dos fatores na agricultura (PTF) de vários países de importância agrícola, fato que em parte explicaria o aumento recente dos preços das principais commodities, ou seja, de grãos (Coelli e Rao, 2003). Além disto, logra ampliar efetivamente as funções da agricultura. A persistência na produção de etanol a partir da cana-de-açúcar permite ao Brasil enfrentar a crise energética atual

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com níveis de utilização percentual de recursos renováveis em sua matriz energética três vezes superiores à média verificada nos países desenvolvidos (algo em torno de 45% para o Brasil em relação a um valor médio inferior a 15% para os países desenvolvidos).

O objetivo deste capítulo é inserir a questão da biotecnologia agrícola no contexto do desenvolvimento atual do agronegócio sob dois prismas: do futuro do agronegócio e do debate acerca da difusão dos transgênicos. A seção 2, mais conceitual, localiza a biotecnologia agrícola no agronegócio e principalmente nas perspectivas de sua transformação futura. O debate intenso sobre as consequências de seu processo de difusão consta da seção 3, em que pontos favoráveis e desfavoráveis são resumidos segundo os principais atores da biotecnologia no debate atual, segundo quatro dimensões definidas pelo presente trabalho. A seção 4 apresenta um balanço final das seções anteriores.

2 A biotecnologia agrícola no sistema de inovação da agroindústria

A Biotecnologia agrícola é um dos campos de aplicação da biotecnologia que apresenta um grande leque de possibilidades, gerando oportunidades tecnológicas. Com apontam Silveira e Borges (2007), não se limita aos transgênicos, envolvendo um conjunto amplo de tecnologias, de algumas de caráter intermediário (como os marcadores moleculares) e também geradora de novos produtos (novas matrizes, novas sementes, informações para a bioinfomática). Explicando melhor, a partir de um conjunto articulado de conhecimentos a biotecnologia agrícola interfere, via melhoramento animal e vegetal, tecnologia de informação e indústria de sementes e de matrizes (embriões, clones) no padrão tecnológico da agricultura e da agroindústria. Permite assim a continuidade das trajetórias tecnológicas pré-existentes (Fonseca et alli, 2007), como aquelas relacionadas ao controle de pragas, mas expande o paradigma tecnológico ao criar possibilidades e alternativas tecnológicas novas, como o controle de viroses ou a biofortificação de alimentos que serão tratados na seção 3.

A ideia de inserir a biotecnologia e a revolução do Dna-recombinante na agricultura - também chamada grosseiramente de biotecnologia "de ponta" - no contexto do sistema de inovação da agricultura e inversamente, localizar a agroindústria no sistema da biotecnologia e da inovação biotecnológica demanda uma breve apresentação do desenvolvimento da agricultura no Século XX e seus desdobramentos para uma agricultura científica e inserida em um complexo ambiente regulatório.

Pode-se identificar os elementos decorrentes das transformações ocorridas na economia na segunda metade do Século XX e que se incorporaram à rotina do que hoje se denomina agronegócio:

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  1. revolução agrícola, na forma da reorganização produtiva em torno de cultivos especializados, buscando economias de escala e escopo em alguns casos e economias de variedade em outros. Este processo está articulado à atribuição de direitos de propriedade e em alguns países, ao desenvolvimento dos contratos como forma de acesso a meios essenciais de produção, principalmente a terra;

  2. o prolongamento da segunda revolução industrial - insumos químicos na forma de fertilizantes, pesticidas e produtos veterinários combinados à mecanização agrícola, na forma de conjuntos mecanizados e kits de irrigação;

  3. a revolução nos transportes (inclusive a flexibilidade dada pelo transporte rodoviário, a despeito de seu elevado custo em comparação a outras alternativas) e das fontes de energia - inclusive com participação da biomassa;

  4. a chamada revolução nas telecomunicações, com a globalização da informação e a possibilidade de alterar radicalmente as rotinas de previsão de safras, de formação de preços nos mercados, de previsão de eventos climáticos, com efeitos sobre o risco produtivo, de mercado e na organização dos mercados financeiros;

  5. finalmente, cabe mencionar o centro articulador do processo, a revolução da base biológica, do melhoramento genético até a moderna biotecnologia, passando pela multiplicação de dispositivos biológicos, de inoculantes a organismos produtores de especialidades e voltados para certas funções nutricionais específicas.

    A combinação desses cinco elementos impulsionou precocemente a globalização da agricultura, criando polos de produção e de certa forma acentuando a assimetria entre países produtores e consumidores de alimentos (FAOSTAT, 2000). Configuraram um "cluster de inovação schumpeteriano", com seus atributos de criação de oportunidades, trajetórias e principalmente de seleção, que no caso da agricultura é regional.1

    Todavia, a literatura moderna tem apontado para a queda da produtividade total dos fatores da agricultura (PTF), principalmente na agricultura de grãos, indicando que essas trajetórias tecnológicas passaram a apresentar sinais de esgotamento a partir do final da década de noventa (Fonseca el alli, 2007).

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    O notável desenvolvimento urbano, da indústria de alimentos e da agroindústria nos últimos vinte anos contribuiria, junto com a emergência de novas tecnologias e conhecimentos aplicados ao agronegócio, para a criação de um cenário novo, em que também pesa a questão ambiental e mais recentemente, a preocupação com aquecimento global. Novas diretrizes geram novos desafios. Assim, pode-se apontar que a inserção da agroindústria na biotecnologia e no sistema de inovações passa por uma progressiva reconfiguração da própria cadeia agroindustrial. A Figura 1 abaixo permite visualizar as cadeias produtivas da agricultura e evidenciar que o alcance da biotecnologia agrícola não se limita aos impactos do que ocorre dentro da porteira, mas envolve todas as "etapas" das cadeias. É importante apontar que estes impactos têm natureza multidimensional, no que resulta em maior complexidade do sistema da agroindústria. Por exemplo, uma simples mudança na qualidade de grãos de soja - que passem por processos de secagem lentos e que melhorem seu teor protéico para o fabrico de ração animal - demanda sistemas de verificação de qualidade que não dependem apenas do produtor, mas do interesse de outros componentes da cadeia do complexo-carnes.

    ORGANIZAÇÃO DA...

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