A Agroindústria na Região Norte

AutorAlfredo Kingo Oyama Homma - Antônio Cordeiro de Santana
Páginas19-43

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Ver nota 1

O Contexto histórico

Analisar a agroindústria na Amazônia exige observar o seu desenvolvimento sob diversos ângulos: do contexto primitivo representado pela produção de farinha até as modernas indústrias de refinação de óleo de dendê; da sua evolução ao longo do tempo, do seu desaparecimento e do surgimento de novas agroindústrias; da perspectiva política como solução para a região, das suas limitações e possibilidades (HOMMA, 2001).

Dessa forma, pode-se afirmar que as primitivas agroindústrias nasceram com os paleoíndios na Amazônia, cuja presença foi detectada em 1995, pela paleontóloga Anna Curtennius Roosevelt, na Caverna da Pedra Pintada, no município de Monte Alegre, Estado do Pará, há cerca de 11.200 anos. O cultivo da mandioca foi iniciado há cerca de 3.500 anos, constituiu-se em um grande avanço na agricultura, tornando-se a base da alimentação indígena e logo transferida para a África e a Ásia pelos colonizadores portugueses após o descobrimento do Brasil. A tecnologia de produção de farinha, com as adaptações surgidas ao longo do tempo e, em período mais recente, com a introdução de motores nas suas diversas etapas de beneficiamento ampliou sua capacidade de escala, competindo com as unidades familiares ainda dominantes (HOMMA, 2003).

Mesmo antes da fundação da cidade de Belém, em 1616, há evidências de que os ingleses e holandeses tiveram interesse no cultivo da cana-de-açúcar na foz do rio

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Amazonas, para fabricação de açúcar, então tido como produto nobre. Em 1596, algumas feitorias inglesas e holandesas foram instaladas na Amazônia. Há indicações de que foram os holandeses os introdutores do cultivo da cana-de-açúcar na Amazônia, ao lado dos antigos fortes Nassau e Orange, no rio Xingu. Em 1634 registra-se a criação do primeiro engenho para fabricação de açúcar no Estado do Pará. A construção, em 1711, da Capela do Engenho Murutucu, dedicada a Nossa Senhora da Conceição, que seria reformada em 1762 pelo arquiteto Antônio José Landi (1713-1791), testemunha a importância e a opulência da agroindústria de aguardente e açúcar no Pará colonial, descrita pelos exploradores naquela época.

A produção de aguardente de cana-de-açúcar nas várzeas dos municípios de Igarapé-Miri e Abaetetuba, localizados na foz do rio Tocantins, sobreviveram por mais de dois séculos, foi sucumbida pela competição com produtos oriundos de outras partes do país. Em 1862, no Estado do Pará, contavam-se 161 engenhos para o fabrico de açúcar e aguardente, utilizando a água represada dos igarapés pelas marés. A facilidade de transporte, inclusive de produtos substitutos como a cerveja, a baixa produtividade da canade-açúcar e a falta de políticas de apoio, terminaram levando ao declínio a produção de aguardente (ANDERSON, 1991). Uma primitiva agroindústria que perdurou até a metade do século XIX refere-se à fabricação de óleo e manteiga a partir de ovos de tartaruga, levando a quase extinção dessa espécie ao longo da calha do rio Amazonas e seus afluentes, relatada por quase todos os viajantes do passado (SPIX; MARTIUS, 1981).

O progresso tecnológico que levou a transformação da borracha em um recurso econômico, como a invenção do processo de vulcanização, em 1839, por Charles Goodyear (1800-1860) e de pneumático para bicicletas, em 1888, pelo veterinário irlandês John Boyd Dunlop (1840-1921), não se traduziu na industrialização local, mas como simples fornecedora de matéria-prima. Talvez, como exceção, em 1929, em Belém, havia quatro fábricas que produziam pneus: duas da S.A. Bittar Irmãos, uma de Francisco Chamié e outra de Filipe Farah. A firma S.A. Bittar Irmãos, fundada em 1897, foi a primeira a fabricar pneus no Brasil, mas que teve duração efêmera. A verticalização da cadeia produtiva, durante séculos, para vários produtos da Amazônia sempre tem ocorrido fora da região, que começou a ser modificada somente nos últimos anos.

O aproveitamento empírico, como a extração do óleo de andiroba, utilizado na iluminação da cidade de Belém, no período 1854 a 1864, constituem outros exemplos temporários e esporádicos, que se repetiu na II Guerra Mundial, com a escassez de derivados do petróleo. Destaca-se, também, o aproveitamento do óleo de patauá, nesse período, pelas dificuldades de importação de óleo de oliva e de navegação de cabotagem.

A modernidade simbolizada pela fundação da Fábrica Palmeiras, em 1892, que produzia mais de 40 tipos de biscoitos e 70 tipos de massas alimentícias, empregando mais de 400 operários, viria sucumbir com a abertura da rodovia Belém-Brasília, em 1960. A conexão com o mercado do Sul-Sudeste do País, provocou o desaparecimento

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de diversas agroindústrias locais, fiação e tecelagem de algodão, fábrica de botões utilizando sementes de jarina, sabonetes, sabões, curtumes, sapatos, cigarros, manilhas, pneus etc. Isso fez com que a cidade de Belém, jocosamente, por muitos anos, passou a ser denominada da cidade do "já teve" (MOURÃO, 1989).

Em 1895, outro evento importante foi a fundação da Fábrica Perseverança, na atual Doca de Souza Franco, que fabricava cabos, aniagens, barbantes, linhas para pesca e algodão hidrófilo. Essa fábrica foi a beneficiadora da primeira safra de juta produzida na Amazônia em 1937. Com aclimatação da juta por Ryota Oyama (1882-1972), em 1934, fez com que diversas indústrias de fiação e tecelagem de juta e malva se implantassem em Belém, Castanhal, Santarém e Manaus. Com o declínio da juta e malva, em decorrência do transporte a granel, sacarias de plástico e da abertura de importações, muitas dessas fábricas encerraram suas atividades ou mudaram para a fabricação de produtos sintéticos.

O surgimento em Manaus, do guaraná Andrade, em 1907, produzido pela Fábrica Andrade, a primeira do País a produzir refrigerante de guaraná e que funcionou até 1970, daria início a agroindústria do guaraná. Em 1921, a Antarctica lançaria o refrigerante guaraná e, em 1927, era lançado o Guaraná Brahma pela Companhia Cervejaria Brahma. Em Belém, em 1938, era fundada a fábrica de produtos Globo, priorizando o beneficiamento do guaraná, na forma de xarope e refrigerante, com a razão social Duarte Fonseca & Cia. Ltda. O guaraná foi o primeiro alimento amazônico que se disseminou pelo país, em uma época, no qual os recursos da mídia eram bastante limitados, no qual a polpa de açaí deve trilhar o mesmo caminho.

A agroindústria de frutas tem como marco histórico em 1910, quando teve início as atividades da Fábrica de São Vicente, em Belém, de dona Maria Rita Ferreira Santos (Dona Sinhá), pioneira na fabricação de doces, geleias e compotas de frutas nativas da Amazônia. Em 1945, o comerciante Ovídio Bastos, estabelecido na Avenida Mundurucus, em Belém, utilizou a primeira máquina de amassar açaí, que veio a substituir as "amassadeiras de açaí".

A indústria de sucos e polpas de frutas regionais para exportação teve como pioneira a Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (CAMTA), fundada no dia 30 de setembro de 1949. Em 1988 foi concluída a fábrica de sucos da Associação de Fomento Agrícola de Tomé-Açu (Asfata), fundada em 1981, que passou para administração da CAMTA em 1991. A agroindústria de sucos e concentrados de frutas regionais e a de laticínios foram as que apresentaram maior crescimento nos últimos dez anos.

Como exemplo de agroindústria mal planejada pode ser mencionado a do Projeto Agroindustrial Canavieiro Abraham Lincoln (Pacal), criado pela Instrução 12, do Incra, em 17 de abril de 1973, situado no município de Medicilândia, durante o início da colonização na rodovia Transamazônica. Foi um erro de todas as instituições públicas envolvidas. No dia 22 de maio de 1988, quando canavieiros e funcionários do Pacal e

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o povo da comunidade acamparam no km 91, bloqueando a rodovia Transamazônica, ficando esse encontro conhecido como Movimento de Protesto e de Reivindicações dos Canavieiros e Comunidades, iniciou-se a crise que já vinha acumulando desde a sua implantação equivocada. Seguiram posteriormente o sequestro de deputados em 1999 e no dia 18 de agosto de 2000, o Incra comunicava que o Pacal iria efetuar a última moagem de cana-de-açúcar referente à safra 2000/2001.

A inauguração no dia 26 de maio de 2001, da Amafibra - Fibras e Substratos da Amazônia Ltda, no Distrito Industrial de Ananindeua, atesta o crescimento de novas agroindústrias no Estado do Pará. Esta agroindústria pertencente ao Grupo Sococo, visa aproveitar os resíduos de 250 mil unidades de coco que recebe diariamente dos plantios em Moju, com previsão de produzir 50.000m³ de substrato por ano.

A criação do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO), por meio da Lei 7.827, de 29 de setembro de 1989 e a implantação do Programa de Incubação de Empresas de Base Tecnológica (PIEBT) na Universidade Federal do Pará, em 1995, foram importantes para o desenvolvimento da agroindústria no Estado do Pará. A Sudam, em que pese às críticas, teve influência na implantação de grandes agroindústrias no Estado do Pará (dendê, frigoríficos, laranja, madeiras, coco, curtumes etc.).

Com o Governo Lula, os recursos para a agricultura familiar subiram de R$ 2,2 bilhões em 2002 para mais de R$ 12 bilhões em 2006, no qual a malversação de fundos públicos tem sido flagrante com a péssima administração de muitas agroindústrias voltadas para beneficiamento de frutas gerenciadas por egressos de movimentos sindicais, muitas financiadas com recursos externos, levando a falência.

Além dos aspectos produtivos o desenvolvimento da agroindústria na Amazônia está diante de três grandes desafios: a questão ambiental, o descontrole dos movimentos sociais e a legislação trabalhista. A questão ambiental, com a adoção de práticas mais sustentáveis tem avançado nos últimos anos, muitas vezes com sustentabilidade exógena em vez de endógena, como exigência de mercado. Quanto às questões...

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