Das teorias modernas de Estado à crítica da legitimação político-ideológica na organização social capitalista

AutorGisele Masson
CargoUniversidade Estadual de Ponta Grossa
Páginas69-95

Gisele Masson1

    From modern theories of state to the critical of the political-ideological legitimation in the capitalist social organization

Page 69

Este artigo focaliza o surgimento e desenvolvimento das teorizações sobre o Estado moderno a partir da seleção de autores clássicos da filosofia política moderna. Evidentemente, não será possível expor todas as teorias filosóficas sobre o Estado moderno, por isso, serão destacadas apenas as que tiveram uma influência proeminente no pensamento político.

Com base nos estudos de Gruppi (1986), o Estado moderno inicia na segunda metade do século XV, na França, na Inglaterra e na Espanha. Contudo, o primeiro a estabelecer uma reflexão sobre este Estado foi Maquiavel, na obra O Príncipe. No início dessa obra, escrita em 1513, ele afirma: "Todos os Estados, todos os domínios que têm havido e que há sobre os homens, foram e são repúblicas ou principados" (MAQUIAVEL, 1999; p. 27).

Page 70

Maquiavel contribuiu para o abandono, nos estudos políticos, dos fundamentos teológicos presentes na Idade Média.

A idéia de Estado está ligada à dominação sobre os homens, logo, a primeira característica do Estado moderno é a sua soberania, pois a sua autoridade não depende de nenhuma outra. A segunda característica se configura no século XVII, na Inglaterra, a partir da ascensão da burguesia e caracteriza-se pela distinção entre Estado e sociedade civil. A terceira característica que distingue o Estado moderno do Estado medieval é a de que ele deixa de ser patrimonial; o que ocorre é uma identificação do monarca com o Estado, representando o poder absoluto que ele detinha, emanado diretamente de Deus (GRUPPI, 1986).

A reflexão de Maquiavel não representa uma teoria do Estado moderno, mas sim uma teoria de como ele se forma, contribuindo para fundar a ciência política moderna. Sua obra foi considerada como uma espécie de manual do absolutismo.

As teorias que advogam a idéia de uma sociedade natural, ou seja, de que existe uma necessidade natural do homem de se associar com os outros são substituídas pelo advento da concepção contratualista que sustenta que a sociedade é o produto do acordo de vontades, de um contrato hipotético celebrado entre os homens. Apesar da substituição dos direitos divinos, a teoria clássica do Estado continua atribuindo a origem dos direitos a uma autoridade superior, pois advoga que a razão humana é concedida por Deus.

A formulação mais completa da teoria moderna do Estado, a partir dos pressupostos do contratualismo, foi dada pelo filósofo Thomas Hobbes na obra Leviatã2, de 1651. Segundo ele, a natureza humana é causadora perene de desarmonia e de guerra; é o princípio do bellum omnium contra omnes, da guerra de todos contra todos, por isso, destaca que a primeira lei natural do homem é a da autopreservação. Ao explicar porque ocorre a guerra, desenvolve uma tese radicalmente antiaristotélica. Sua concepção de liberdade é negativa, pois é entendida como a ausência da restrição e da violência dos outros. Aristóteles parte da concepção de que o homem é um animal essencialmente político, tem liberdade positiva de participar do governo.

Entende que a vida em sociedade vai contra a essência de nossa natureza, assim, ao contrário da natureza sociável do homem "[...] os homens não tiram prazer algum da companhia dos outros - e, sim, até, um enorme desprazer -, quando não existe um poder capaz de manter a todos em respeito [...]" (HOBBES, 2002; p. 97). Desse modo, reafirma: "Torna-se manifesto que,

Page 71

durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra. Uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens" (HOBBES, 2002; p. 98).

Assevera, portanto, a necessidade da constituição de um poder comum capaz de impedir essa condição natural do homem:

Todos devem submeter suas vontades à vontade do representante e suas decisões à sua decisão. Isso é mais do que consentimento ou concórdia, pois resume-se numa verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem com todos os homens, de modo que é como se cada homem dissesse a cada homem: "Cedo e transfiro meu direito de governar a mim mesmo a este homem, ou a esta assembléia de homens, com a condição de que transfiras a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações". Feito isso, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado, em latim civitas. Esta é a geração daquele enorme Leviatã, ou antes - com toda reverência - daquele deus mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, nossa paz e defesa (HOBBES, 2002; pp. 130-31, grifo do autor).

Neste excerto, Hobbes declara ser partidário do absolutismo político, sem recorrer à noção de direito divino, pois o poder se explica não como dádiva divina, mas como construção para preservar a vida dos cidadãos. Assim,

Em vez do direito divino e da origem direta em Deus do poder estatal, Hobbes apela ao interesse em viver a salvo do medo da morte violenta, e à fundação do poder no contrato. Em vez de um condomínio entre a espada e o báculo, nosso autor subordina o clero ao soberano, que porta mais traços leigos do que religiosos: ele anexa a religião e o clero, mas sob a primazia de um Estado que se irá laicizando ao longo dos tempos (RIBEIRO, 2006; p. 27).

De acordo com Hobbes, o soberano só deve prestar contas a Deus, portanto, seu poder é absoluto, não tendo nenhuma obrigação em relação aos seus súditos, mas deve seguir somente as leis da natureza, ou seja, é obrigado a conservar a si mesmo, pois é o responsável pela garantia da proteção de todos.

Page 72

Além disso, o soberano deveria ter o poder de nomear seus sucessores, mas a burguesia inglesa jamais aceitou tal modelo de Estado por perpetuar o poder nas mãos de um único indivíduo ou grupo.

Sua filosofia a respeito da origem contratual do Estado exercerá enorme influência em outros pensadores e contribuiu para, no plano ideológico, fundamentar o desenvolvimento da Revolução Francesa. Hobbes é considerado o maior expoente do contratualismo.

Em Spinoza, a idéia de fundar a cidade apenas pelo uso da razão e do poder de uma única pessoa é uma falácia. Para ele, não existe razão sem paixão e não existe um que não seja múltiplo, por isso, o indivíduo e a massa não são opostos, contrariando o individualismo liberal. A política é apenas a continuação da guerra por outros meios e não a sua interrupção como acreditavam os contratualistas.

Em sua obra Tratado político3, escrita entre 1675-1677, afirma que o homem é sujeito às paixões. "Ora, estando os homens sujeitos, na maioria de seus atos, por sua natureza, às paixões, conclui-se, naturalmente, que os homens são inimigos" (SPINOZA, s.d.; p. 39). O estado de natureza é a guerra de todos contra todos, pois cada um procura a sua autoconservação, assim, o direito natural "não proíbe nada que eles não desejem ou não possam fazê-lo" (SPINOZA, s.d.; p. 38). Porém, sob a conduta da razão os homens procuram manter a paz e a liberdade e "tudo o que lhe é ordenado pela vontade geral é obrigado a obedecer [...]" (SPINOZA, s.d.; p. 40).

Destaca a importância da qualidade das instituições públicas para a garantia da paz, já que nem sempre é possível contar com as virtudes morais dos governantes. Para ele, a gênese da vida política não está na vontade de Deus, nem na razão ou virtude dos homens, mas no próprio direito natural. A distinção de seu pensamento em relação à Hobbes reside na conservação do direito natural no direito civil, demonstrando que a vida política é uma outra dimensão da vida natural. "[...] o direito do Estado ou dos poderes soberanos outra coisa não é que o próprio direito natural, enquanto é determinado, não pelo poder de cada indivíduo, isoladamente, mas pelo da multidão, agindo como uma só alma" (SPINOZA, s.d.; p. 43).

Considera que não há obrigação pela conservação do contrato social, da mesma maneira que o homem no estado natural; quando o objetivo é a conservação comum os "contratos ou as leis pelas quais a multidão transfere o seu próprio direito às mãos de uma assembléia ou de um homem, sem dúvida que se deva violá-las, quando se trata da salvação comum" (SPINOZA, s.d.; p. 53).

Page 73

No Tratado político, o autor revela que o homem é a expressão da organização da sociedade, da sua ambiência social, pois "os homens não nascem próprios ou impróprios à condição social, senão que tais se tornam" (SPINOZA, s.d.; p. 55). Demonstra uma clara defesa à democracia, apesar de não ter desenvolvido completamente suas idéias. Nos capítulos que aborda sobre a monarquia e a aristocracia defende claramente as massas. Na forma monárquica, considera como necessidade de sua conservação a propriedade nacional do solo e dos produtos do comércio, propondo um plano coletivista ao afirmar "que os campos e todo o solo, e, se possível, as próprias casas, pertençam ao Estado, isto é, àquele que é depositário do direito do Estado, a fim de que as alugue, mediante um pagamento anual, aos habitantes das cidades e aos agricultores" (SPINOZA, s.d.; p. 62).

Na forma aristocrática, defende a proteção da propriedade privada dos bens, já que a sua manutenção é mais duradoura. "O governo confiado a uma assembléia suficientemente numerosa é um governo absoluto, ou ao menos naquele que o aproxima mais de um governo absoluto. Porque se há governo absoluto é aquele que reside nas mãos da multidão toda inteira" (SPINOZA, s.d.; p. 89).

A política, de acordo com ele, não elimina os conflitos e a paz nunca será definitiva, ela apenas possibilita operar com eles de um modo diferente do estado natural. Desse modo, os regimes políticos devem desenvolver a melhor forma de satisfazer os desejos dos homens. Protesta contra a paz da tirania ao afirmar que:

Num Estado onde os súditos não se levantam em armas pelo só motivo de que os paralisa o temor, tudo o que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT