Agências multilaterais de desenvolvimento e comunidades epistêmicas

AutorAnete B. L. Ivo
CargoDoutora em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco. Fellow do Comparative Resarch Program on Poverty do International Social Science Council (2014-2018). Professora do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais e Cidadania da Universidade Católica do Salvador e professora colaboradora no Programa de Pós-Graduação em Ciências ...
Páginas129-152
Agências multilaterais de desenvolvimento e...
Cadernos do CEAS, Salvador, n. 235, p. 129-152, 2015 129
AGÊNCIAS MULTILATERAIS DE DESENVOLVIMENTO E
COMUNIDADES EPISTÊMICAS
1
Multilateral Development Agencies and Epistemic Communities
Resumo
Este Texto discute as temáticas das agências multilaterais para o
desenvolvimento relatórios anuais do Banco Mundial (BM) e
do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD) no período de 1990 a 2014 e levanta um conjunto de
hipóteses dessa agenda, que representa um regime de ação para
os Governos dos países, além de influenciar e ser influenciada,
pela agenda das Ciências Sociais. A análise toma, como foco,
dois pressupostos: o primeiro considera as normativas das
agências, como constrangimentos para a ação de Governos e
reprodução da ordem, determinadas por conflitos, contradições
e ambiguidades entre instâncias nacionais e internacionais e
entre agentes econômicos, políticos e sociais; a segunda ideia-
força envolve a dimensão cognitiva da noção de
desenvolvimento dessas agências, que integra a Política e atua
na produção de consensos pela formação de uma comunidade
epistêmica de operadores institucionais, e, em contrapartida, na
produção da crítica social, num movimento dialético entre a
intelligentsia e o contexto político e econômico, que qualifica o
debate público, na área das Ciências Sociais.
Palavras-chave: Agências multilaterais. Desenvolvimento.
PNUD. Banco Mundial. Comunidade epistêmica.
As mudanças do Estado desenvolvimentista, na década de 90 e 2000, integram um
novo regime de acumulação global, sob a hegemonia do mercado, e impõem processos de
reforma dos Estados (nacionais) na área social e de ajuste fiscal, considerados como
inovações institucionais na medida em que produzem inflexões nos pilares do Welfare e no
pacto social e político entre trabalhadores assalariados, empresários e Estados do Pós-Guerra,
isto é, da Segunda.
1 Este Texto resulta de pesquisa realizada com recursos do CNPq (Relatório final da Bolsa de Produtividade do
CNPq A reinvenção do desenvolvimento: agências multilater ais do desenvolvimento e produção sociológica ,
maio de 2015. p. 42-72) e é parte também do Projeto Universal do CNPq.
Anete B. L. Ivo
Doutora em Sociologia pela
Universidade Federal de
Pernambuco. Fellow do
Comparative Resarch Program on
Poverty do International Social
Science Council (2014-2018).
Professora do Programa de Pós-
Graduação em Políticas Sociais e
Cidadania da Universidade
Católica do Salvador e professora
colaboradora no Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da
Universidade Federal da Bahia.
Pesquisadora do CNPq. E-mail:
anetivo@hotmail.com
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Cadernos do CEAS, Salvador, n. 235, p. 129-152, 2015 130
Essa transição reorienta as formas de mediação do conflito redistributivo entre ativos
e trabalho e implica uma “virada” epistemológica que reforça paradigmas solidaristase
institucionais de integração das massas populares ao mercado, formas cooperativas entre
setores públicos e privados, ou cooperação entre países, ou seja, promove arranjos de
governança pactuados entre agências multilaterais, Estados nacionais, mercado e sociedade
civil, em diversas escalas. No plano cognitivo, essas transformações redefinem problemáticas
sociais, ou impõem reflexões críticas da agenda de pesquisa, especialmente orientada para
observar os seus efeitos no âmbito da política, da estrutura social e do encaminhamento das
questões sociais.
Este Texto visa a apresentar, ainda de forma preliminar, as normativas difundidas
pelas agências internacionais de desenvolvimento, particularmente o Banco Mundial e o
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, com base em seus Relatórios Anuais.
O entendimento é de que a ação dessas agências se articula ao contexto político e econômico
da reforma neoliberal, seja na produção de consensos relativos
1 aos regimes de ação
favoráveis à integração das camadas sociais empobrecidas ao mercado, num regime de
crescimento, ou, inversamente, na sua contraposição, pela formulação crítica a essa nova
ordem social, em grande parte produzida por análises das ciências sociais.
Portanto, os novos sentidos da noção do desenvolvimento na agenda internacional,
nos anos 90 e 2000, além de imperativos econômicos, políticos, sociais e ideológicos,
implicam também uma dimensão cognitiva. Em que campos temáticos as agências
multilaterais reorientam o sentido e as ações para o desenvolvimento no período de 1990 a
2014? Que problemas são tratados, que mediações são postas do ponto de vista das inovações
institucionais na agenda dos países e qual a sua função na produção do conhecimento? Este
Texto busca oferecer elementos contextuais que possibilitem entender a dinâmica de um
regime de ação para o desenvolvimento, no âmbito global, com base nas normativas do Banco
Mundial e do Programa das Nações Unidas, no período. Ao final levanta algumas hipóteses
sobre as relações ambíguas entre esses regimes de ação, a produção da política em diferentes
escalas e o campo das ciências sociais, ou seja, busca desvelar novas relações dialéticas e
conflitivas entre saber e poder.
1 Desenvolvo as primeiras hipóteses sobre a noção de “consensos relativos” na análise de sistemas de
governança local, em Ivo (1997).

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