A Agência Nacional do Petróleo e os Acordos de Unitização Internacional

AutorDiogo Pignatario de Oliveira
Ocupação do AutorAdvogado
Páginas362-400
DIREITO INTERNACIONAL DO PETRÓLEO: O COMPARTILHAMENTO
DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL ENTRE ESTADOS
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Dentro da ideia consolidada de que os acordos internacionais
vinculam todos os poderes e órgãos do Estado, de maneira a
que a execução, aplicação e observância dos compromissos
estatais seja uma missão delegada para o Executivo e sua
administração direta e indireta, o Legislativo e o Judiciário,
tem–se que para a iel complacência com o que fora conven-
cionado quanto ao estabelecimento de normas para a explo-
ração e produção de petróleo e gás compartilhados, o Estado
brasileiro deverá, através de seu órgão constitucionalmente
competente para editar normas e regular o setor petrolífero
e gasífero, capitanear as suas obrigações assumidas.
O órgão estatal competente para assumir relevante missão
constitucional é a ANP, autarquia de regime especial, integrante
da administração pública indireta, e que necessariamente, por
força de mandamento fundamental, conduzirá o processo de
execução, aplicação e observância dos acordos internacionais
de unitização na área de petróleo e gás no Brasil.
11.1. AS AGÊNCIAS REGULADORAS E O
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Indissociável da ideia de análise do modelo regulatório
brasileiro está a questão da reforma pela qual passou o
Estado brasileiro nos últimos anos, remontando–se tal
discussão, ainda, às mudanças que os Estados nacionais
sofreram com relação especiicamente às suas atuações no
campo econômico.
Fazendo uma divagação não tão profunda historica-
mente, nem mesmo factualmente, até mesmo porque esse
não é objeto do que ora se propõe, mas apenas se intenta
criar um campo de partida para o entendimento do foco
central em debate, veriica–se que a atuação do Estado1
1 A acepção “Estado” encontra–se ora empregada não como referência ao
Estado brasileiro ou a qualquer outro em especíico, mas, sim, de uma
Capítulo 11 • A Agência Nacional do Petróleo e os Acordos de Unitização ...
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na economia passou por diversas transformações em sua
essência ao longo do século XX.
Inicialmente, o Estado na passagem do século XIX para
o século XX conigurava–se como um Estado fundado na
doutrina liberal, consubstanciada no modelo liberal clássico
de Adam Smith.2 Esse tipo de Estado detinha uma atuação
fundada principalmente na questão da polícia administra-
tiva, haja vista possuir suas funções, como um todo, redu-
zidas e restringidas à segurança, à justiça e a alguns serviços
essenciais. O im precípuo do Estado nesse momento
histórico não era outro senão o de garantir a proteção dos
direitos individuais junto ao Poder Público, seja por meio da
proteção irrestrita e de caráter extremamente relevante da
propriedade privada, seja por meio da consubstanciação dos
direitos de ter livre iniciativa e a liberdade de contratação.3
maneira geral, englobando a compreensão do fenômeno Estado.
2
De acordo com esse modelo liberal clássica de Adam Smith, o Estado tinha
três papéis a cumprir:
a) o dever de proteger a sociedade da violência da invasão por outros
Estados;
b) o dever de estabelecer uma adequada administração da justiça; e
c) o dever de realizar obras públicas e prestas certos serviços públicos que
são economicamente desinteressantes para os particulares. (MOREIRA
NETO, Diogo de Figueiredo. Direito Regulatório. Rio de Janeiro: Renovar,
2003, p. 17). Para uma maior profundidade acerca do assunto, ver SMITH,
Adam. Inquérito sobre a natureza e as causas da riqueza das nações. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1999.
3 A liberdade de contratar e a livre iniciativa nada mais são do que direitos
advindos do corolário principal do sistema capitalista, que é o direito de
propriedade. “Tem–se airmado, sistematicamente, que os dois valores
fundamentais juridicamente protegidos nas economias do tipo capitalista
são, simetricamente, o da propriedade dos bens de produção – leia–se
propriedade provada dos bens de produção – e o da liberdade de contratar
(ainda que se entenda que tais valores são preservados não em regime
absoluto, mas relativo). A verdade, no entanto, é que tais valores não estão
dispostos em situação simétrica, sendo mais correto observar que a liber-
dade de contratar não é senão um corolário da propriedade privada dos
bens de produção. Isso porque a liberdade de contratar tem o sentido
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Todavia, ao longo do decorrer da subsistência do regime
de atuação do Estado baseado na concepção da doutrina
liberal veriicou–se a necessidade de sua reformulação, a
im de que se tivesse um Estado que assumisse diretamente
certos papéis no espaço econômico, agindo tanto direta-
mente como efetivador do desenvolvimento, quanto de
maneira indireta, procurando distribuir e corrigir as falhas
e distorções do mercado existentes. Alguns são os funda-
mentos sociológicos para que houvesse o transpasse de um
Estado liberal para um social, tais como: a falência do modelo
liberal–racionalista, o progresso da indústria e a estratii-
cação social, o movimento socialista e o advento da Consti-
tuição de Weimar e a indispensabilidade do intervencionismo
estatal a partir da crise 1929 e do advento do New Deal.
O que ocorreu a partir da segunda década do século XX
foi um alargamento completo nas estruturas, instituições,
funções e responsabilidades, prioritariamente econômicas,
do Estado. A consolidação dos direitos sociais e a preocu-
pação com o Estado visto como condutor e formulador do
interesse público irrestritamente são a tônica desse modelo
de Estado interventor na economia, assumindo, assim, a
feição de Estado providência e de Estado do bem–estar. As
crises econômicas que sucederam o término da Primeira
Guerra Mundial, as crises bélicas, a irrupção dos princípios
democráticos e o aumento demográico da população e sua
concentração nos centros urbanos izeram com que fosse
imperioso pensar em um novo modelo de atuação do Estado
na economia de modo a dar respostas mais efetivas à socie-
dade e ao próprio mercado.
precípuo de viabilizar a realização dos efeitos e virtualidades da proprie-
dade individual dos bens de produção. Em outros termos: o princípio da
liberdade de contratar é instrumental do princípio da propriedade privada
dos bens de produção.” (GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Cons-
tituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 94).

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