Aferição da proporcionalidade da pena cominada à infração penal

AutorEmerson Garcia
CargoPós-doutorando, Doutor e Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa
Páginas224-239
Revista da Faculdade de Direito da FMP – 2013, n. 8, p. 224-239
AFERIÇÃO DA PROPORCIONALIDADE DA PENA
COMINADA À INFRAÇÃO PENAL:
uma interpretação constitucionalmente (in)correta
Gauging the proportionality of penalty imposed for a criminal offense:
a constitutionally (in)correct interpretation
Emerson Garcia*
Resumo: O presente estudo busca demonstrar a inconsistência metódica da tese de que o julga-
dor, ao aferir a proporcionalidade da pena cominada à infração penal imputada ao réu, deve com-
pará-la às penas cominadas a outras infrações penais. Ato contínuo, constatando que a pena comi-
nada a outra conduta, que afronta bem jurídico similar, foi def‌i nida em patamares inferiores, deveria
aplicá-la ao réu. A invocação dos referenciais de igualdade e de proporcionalidade mostra-se abso-
lutamente incompatível com a função desempenhada pelo intérprete, que não pode estruturar a
norma incriminadora, bipartida que é em preceitos primário e secundário, utilizando, como base de
desenvolvimento de sua atividade intelectiva, enunciados linguísticos inseridos em dispositivos di-
versos, que somente poderiam dar origem a normas diversas, isso em razão da indissolubilidade
do binômio conduta-pena.
Palavras-chave: Norma penal. Pena. Proporcionalidade. Igualdade. Interpretação.
Abstract: This study aims to demonstrate the methodical inconsistency of the argument that the
judge, to assess the proportionality of the penalty imposed for a criminal offense, must compare
it to the penalties prescribed for other criminal offenses. Immediately thereafter, noting that the
penalty imposed for other similar conduct was set at lower levels, should apply it to the defendant.
The invocation of equality and proportionality is absolutely incompatible with the function of the
interpreter, that can’t structure the criminal standard, which is divided into primary and secondary
precepts, using as a basis for developing their intellectual activity set language expressions presents
in many devices which could only lead to various standards, that because of the indissolubility of
the relations between conduct and penalty.
Keywords: Criminal standard. Penalty. Proportionality. Equality. Interpretation.
* Pós-doutorando, Doutor e Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa.
Especialista em Education Law and Policy pela European Association for Education Law
and Policy (Antuérpia – Bélgica) e em Ciências Políticas e Internacionais pela Universidade
de Lisboa. Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Consultor Jurídico da
Procuradoria Geral de Justiça e Diretor da Revista de Direito. Consultor Jurídico da Associação
Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP). Membro da American Society of
International Law e da International Association of Prosecutors (Haia – Holanda).
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Revista da Faculdade de Direito da FMP – 2013, n. 8, p. 224-239
Introdução
Não tem sido incomum, ao menos nas instâncias ordinárias do Poder Ju-
diciário, conferir-se algum prestígio à tese de que o julgador, ao aferir a propor-
cionalidade da pena cominada à infração penal imputada ao réu, deve compa-
rá-la às penas cominadas a outras infrações penais. Ato contínuo, constatando
que a pena cominada a outra conduta, que afronta bem jurídico similar, foi de-
f‌i nida em patamares inferiores, seria possível aplicá-la ao réu.
Um exemplo certamente facilitará a compreensão da essência dessa te-
mática. O preceito secundário do § 2º do art. 184 do Código Penal, com a reda-
ção dada pela Lei 10.695/2003, cominou a pena de dois a quatro anos de de-
tenção e multa para a prática de condutas que consubstanciam violação à pro-
priedade imaterial de fonogramas. Com isso, segundo alguns, teria afrontado
os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, isso porque a
Lei 9.609/1998, em seu art. 12, §§ 1º e 2º, comina pena de um a quatro anos
para condutas similares praticadas em detrimento de programas de computador.
Não haveria razão, portanto, para o tratamento diferenciado. Como desdobra-
mento, dever-se-ia aplicar essa última pena ao réu que fosse condenado pela
prática da infração penal tipif‌i cada no § 2º do art. 184 do Código Penal. Será
justamente esse exemplo que servirá de norte em nossas considerações.
Essa linha argumentativa, historicamente, não tem encontrado ressonân-
cia na doutrina majoritária e na jurisprudência dos Tribunais Superiores.1 Af‌i nal,
1 A matéria é normalmente estudada no âmbito do conf‌l ito de leis penais no tempo, prevalecen-
do o entendimento de que, na verif‌i cação da lei penal mais favorável ao réu, a lex mitior, é
inadmissível a combinação da lei anterior com a lei posterior, operação que conduziria a uma
norma inédita, estranha àquela aprovada pelo Poder Legislativo. Daí o porquê de Nélson Hun-
gria ter censurado o “hibridismo” da terceira lei (1977, p. 120). Vide, ainda, Vincenzo Manzini
(1981, p. 391), Anibal Bruno (1984, p. 270), Heleno Cláudio Fragoso (1985, p. 107) e Guilherme
de Souza Nucci (2008, p. 64-65). Na jurisprudência: STF, 1ª T., HC nº 106.780/SP, Rel. Min.
Ricardo Lewandowski, j. em 26/11/2013, DJe de 12/02/2014; STJ, 6ª T., HC nº 104.409/MS, Rel.
Min. Rogério Schietti Cruz, j. em 21/11/2013, DJe de 10/12/2013; STJ, 6ª T., HC nº 174.573/SC,
Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. em 29/08/2013, DJe de 12/09/2013; STJ, 3ª Seção, ED no
REsp. nº 1.094.499/MG, rel. Min. Felix Fischer, j. em 24/03/2010, DJe de 18/08/2010. O Supre-
mo Tribunal Federal também já decidiu pela impossibilidade de aplicar-se, ao furto qualif‌i cado
pelo concurso de agentes (CP, art. 155, § 4º, IV), a fração prevista em lei para incidir no caso
de roubo agravado por idêntica circunstância (CP, art. 157, § 2º, II), que aumentaria a pena co-
minada ao furto simples (2ª T., RE nº 634.601 AgR/SC, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j.
em 23/08/2011, DJ de 08/09/2011; 2ª T., HC nº 92.628/RS, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. em
19/08/2008, DJ de 19/12/2008; e 2ª T., RE nº 358.315/MG, Rel. Min. Ellen Gracie, j. em 12/08/
2003, DJ de 19/09/2003). O Tribunal, no julgamento do RE nº 596.152/SP, com repercussão ge-
ral reconhecida, ref‌i nou o seu entendimento e admitiu, apenas, a combinação de leis, não de
partes de normas específ‌i cas. Com isso, reconheceu a possibilidade de incidência da causa
de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº11.343/2006 sobre a pena base pre-
vista no art. 12 da Lei nº 6.368/1976 (Rel. p/acórdão Min. Ayres Britto, j. em 13/10/2011, DJe
de 10/02/2012). Lê-se no voto do redator do acórdão: “o que a nossa Constituição rechaça é
a possibilidade de mistura entre duas normas penais que se contraponham, no tempo, sobre
o mesmo instituto ou f‌i gura de direito”. Dentre aqueles que admitem a combinação de leis,

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