O advogato

AutorLuciana do Rocio Mallon
CargoEscritora
Páginas242-242
ALÉM DO DIREITO
242 REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 657 I ABR/MAIO 2019
Luciana do Rocio Mallon ESCRITORA
O ADVOGATO
O ADVOGADO JOSÉ encon-
trou um filhote de gato em
frente a seu escritório. Então,
levou o bicho para casa, onde
recebeu carinho. Um dia, ele
viu que seu bebê, na sala ao
lado do gato dorminhoco, es-
tava bagunçando o novelo da
vovó e derrubou os fios no
chão. Assim, ele entrou no lo-
cal e perguntou:
– Quem fez isto?
O felino pulou em cima dos
fios, miou e olhou como se es-
tivesse assumindo a culpa.
Um ano depois, num sába-
do à noite, Zé saiu com sua
família para uma festa. Mas
precisou voltar a sua residên-
cia porque se esqueceu dos
documentos e óculos. Porém,
quando chegou, viu o gato em
cima da cabeça de um rapaz
que estava todo arranhado e
cansado. Assim, ligou para a
polícia, que prendeu o bandi-
do.
Então, Zé disse:
Gato, a partir de hoje
você me fará companhia no
meu serviço.
Deste jeito, o animal pas-
sou a morar dentro do gabi-
nete do advogado e recebeu o
nome de: advoGATO. Surgiu
até a lenda de que o bicho
era felino de dia, mas virava
homem de terno e gravata à
noite. n
Marcus Gomes JORNALISTA E ACADÊMICO DE DIREITO
ALA GERIÁTRICA, PRESENTE!
RETORNO àS AULAS e os
iguais se encontram. No can-
to mais brega da sala, eles en-
treolham-se, vestidos em cal-
ças e camisas sociais, sapatos
chulé 41, gravatas a engasgar-
-lhes os comentários, tosses
roucas e indefectíveis cabelos
brancos, quando cabelos há.
Não importa, riem-se, brin-
cam carnavalescos: ‘é dos ca-
recas que elas gostam mais’.
O primeiro boceja, o segun-
do boceja, o terceiro boceja.
Seguem-lhes as alegações fi-
nais. Noite mal dormida.
O Martins trouxe o pesado
vade mecum a exasperar-lhe
a artrite. Entre um pigarro e
outro, consulta o volume dez
do CID. Artigo J41, inciso I.
Vive às turras com a bronqui-
te crônica. É micropurulenta,
coitado.
A ala maternal da classe,
no canto oposto, a sudoeste.
O menino, piá de 30, oferece
balinha de hortelã.
O Silva resmunga, o Naldo
negaceia, preferindo pasti-
lhas Valda, o Batista ignora-
-o. Procura febre. O menino
insiste: há um saquinho cheio
delas. Rende-se o Martins. Es-
tica os dedinhos hesitantes,
prestes a um acesso:
Balinha de hortelã, inda
morro disso, quem sabe ama-
nhã.
Chega o Bacana, balan-
çando as chaves. É doutor de
não-sei-o-quê, jurisconsulto a
um passo do exame da ordem.
Talvez dois. Talvez três. Tira
os cadernos, os livros, a cane-
ta Montblanc, o computador,
a barra de cereal, a garrafi-
nha d’água e o comprimido
das oito da noite. Ainda falta
hora e meia. No sobrebolso da
pasta, o código civil grita-lhe:
socorro.
De olho no celular, o Sousa
pergunta-lhe da saúde, aque-
la ingrata que o abandonou.
Ele resolve contar.
Faz um mês que o Eronil-
des se desentendeu com o
grupo em uma questiúncula
de fé. Sentou-se à frente, lon-
ge de pediátricos e geriátri-
cos. Mire agora: tossinha seca,
a intervalos de trinta segun-
dos. Febre, hemoptise, suores
noturnos. Fuma? Não. Bebe?
Filosoficamente. Pneumotó-
rax, é grave.
O Martins reclama, tiritan-
te. Amaldiçoa o verão, os ven-
tiladores, os abanos, os eunu-
cos, os 26 graus. Puxa da bolsa
o casaquinho e o cachecol.
Rev-Bonijuris_657.indb 242 22/03/2019 13:39:53

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT