Advogados e a educação jurídica na américa latina: algumas tendências, conjecturas e questões

AutorRogelio Pérez Perdomo
Páginas39-58
ADVOGADOS E A EDuCAÇÃO JuRíDICA NA ARICA lATINA:
AlGuMAS TENDêNCIAS, CONJECTuRAS E quESTõES1
roGelio Pérez Perdomo2 3
Os últimos vinte e cinco anos consistiram em um período de intensas mudanças
sociais e econômicas na América Latina e de mudanças nos sistemas legais de
diferentes países latino-americanos. O número de advogados ou estudantes
de direito aumentou em grande escala, assim como a economia e a população.
O continente experimentou também um processo de democratização, mas as
instituições ou o Estado de direito são fracos. Há alguma relação entre esses
fenômenos distintos?
Enquanto escrevo este artigo, O New York Times informa que o cresci-
mento econômico do México é duas vezes o dos Estados Unidos e que o uxo
migratório entre eles foi invertido. O México está recebendo também imigran-
tes da Espanha e de outros países europeus. (NY Times, 22 de setembro de
1 Tradução de Tatiana Mesquita e revisão técnica de Izabel Saenger Nuñez.
2 Esse artigo deve muito a um projeto de pesquisa sobre bancas de advocacia venezuelanas
que Manuel A. Gómez e eu estamos desenvolvendo com o apoio da Escola de Direito de
Stanford. Meus colegas Pedro Grandez e Iñigo de la Maza forneceram-me informações
sobre o Peru e o Chile. Sergio Stone, Sonia Moss e a biblioteca da Escola de Direito de
Stanford ofereceram-me a assistência bibliográca necessária. Sonne Lemke corrigiu meu
inglês e ajudou-me a esclarecer o texto. Manuel Gómez revisou e corrigiu uma primeira
versão. Sou extremamente grato pela ajuda que eles ofereceram. Mas, naturalmente, sou o
único responsável pelos erros e outras limitações deste artigo.
3 Professor da Universidade Metropolitana de Caracas, professor jubilado da Universidade
Central da Venezuela e Professor Visitante Permanente da Escola de Direito da Universi-
dade de Stanford desde 1998. Possui Mestrado em Direito pela Universidade de Harvard e
Doutorado em Direito pela Universidade Central da Venezuela. Foi professor-investigador
no Instituto de Estudos Superiores em Administração (IESA, Caracas) entre 1989 e 1998.
Foi pesquisador ou professor visitante no Instituto de Estudos de Desenvolvimento da Uni-
versidade de Sussex (Inglaterra), Instituto Max Planck para História do Direito Europeu
(Alemanha), Universidade do País Basco (Espanha), no Centro de Investigação e Docência
Econômica (México) e do Instituto de Investigações Jurídicas da UNAM (México) e Univer-
sidade Diego Portales (Chile). Foi Diretor da Faculdade de Estudos Jurídicos e Políticos da
Universidade Metropolitana (Caracas), Diretor Acadêmico do Stanford Program for Inter-
national Legal Studies (Califórnia) e Diretor Cientíco do Instituto Internacional de Sociolo-
gia do Direito (Oñati, España). Foi presidente do Research Committee on Sociology of Law,
International Sociological Association e membro do Board of Trustees da Law and Society
Association. Foi ou é membro do conselho editorial de uma vintena de revistas acadêmicas
que se publicam em distintos países. É acadêmico na Academia Nacional de História (Cara-
cas) e na Academia de Direito do Peru (Lima).
40 CADERNOS FGV DIREITO RIO
2013). Brasil, Chile, Peru e Colômbia também estão atraindo uxos migratórios.
Este é um exemplo de seu sucesso econômico.
A democratização tem sido tendência na esfera política. Nas décadas de
oitenta e noventa, a maioria dos ditadores latino-americanos foram destituídos
e governos democráticos foram estabelecidos em vários países como Brasil,
México, Argentina, Chile, Guatemala, El Salvador, Uruguai e Paraguai. O Méxi-
co tornou-se uma democracia pluralista após derrotar a regra hegemônica de
partido único que caracterizou o século XX. O Peru retrocedeu para um regime
autoritário, sob o governo de Fujimori (1990-2000), mas a democracia foi res-
tabelecida mais tarde. A Venezuela, um modelo democrático na maior parte
do nal do século XX, passou para um regime autoritário no governo Chavez
(1999-2012). É interessante perceber, entretanto, que Fujimori e Chavez con-
sideravam necessário mascarar seus regimes com elementos democráticos.
Atualmente, Argentina, Bolívia, Equador, Nicarágua e Venezuela não são exa-
tamente democracias, mesmo que sob regimes ditos democráticos, a proteção
dos direitos do cidadão é fraca. O Estado de direito é amplamente elogiado,
mas em muitos países há sérias diculdades para sua implementação.
A massicação da educação é outra tendência que começou anteriormen-
te, mas que continuou durante o período de vinte e cinco anos que estamos
analisando. Vários milhões de latino-americanos matricularam-se na educação
secundária e superior. As universidades cresceram. Algumas carreiras e estu-
dos mostraram-se atrativos para os estudantes, enquanto outros, bem menos.
O estudo do direito é uma das carreiras mais atrativas, algo que gerou um
impacto na quantidade atual de advogados. Essa relação pode ser analisada a
partir de dois pontos de vista: o primeiro de que, por ser a carreira de advoga-
do atrativa, o número de estudantes de direito aumentou, ou de que o aumento
no número de advogados é uma consequência do fato de que mais pessoas
entraram em universidades.
Outro interessante fenômeno, visível na maioria destes países, é um au-
mento na consciência dos direitos e a possibilidade de reivindica-los através
de meios institucionais, ou até mesmo através de manifestações públicas com
a tomada das ruas, visíveis na maioria dos países. Junqueira (2003) observou
essa tendência para o Brasil, Bergoglio (2003) para a Argentina, López-Ayllón
e Fix-Fierro (2003) para o México e Pérez Perdomo (2009) para a Venezuela.
No Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica e México, uma tendência de
judicialização das relações políticas ou sociais foi também observada (Sieder et
al., 2005; Vianna, 1999). O mesmo foi válido para a Venezuela até 2002 (Pérez
Perdomo, 2005). Entretanto, a opinião pública em relação aos corpos legislati-
vos, tribunais e outros órgãos de aplicação da lei é geralmente negativa.

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