Advocacia na maternidade

AutorErnani Buchmann
CargoAdvogado
Páginas247-247
ALÉM DO DIREITO
247
REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 661 I DEZ19/JAN20
A ADVOGADA DANIELA Bal-
lão Ernlund sempre foi previ-
dente. Grávida do primeiro
f‌ilho, ela viu com satisfação
o ginecologista anunciar que
o bebê deveria nascer no f‌im
do ano. Isso lhe daria tempo
para cuidar de todos os pro-
cessos, fechar o escritório e
aguardar que a criança viesse
ao mundo no recesso — uma
comodidade que nem todas
as advogadas conseguem ter.
No tempo em que os celu-
lares eram legítimas caixas-
-pretas com uma antena exi-
bicionista, a futura mamãe
conf‌iou seu aparelho ao ma-
rido, o médico ortopedista Lu-
cio Ernlund, que iria acompa-
nhá-la no parto.
Tudo correu conforme o es-
perado. Felipe nasceu com saú-
de, o parto não teve maiores
complicações e o novo papai
tratou de comunicar à família.
Dra. Daniela foi encaminhada
para a sala de recuperação,
ainda tomada pelas emoções
do parto, tentando voltar à
plena consciên cia, mas feste-
jada por toda a equipe.
Nisso, toca o telefone. Dr.
Lúcio sacou o tijolão do bolso
do avental e atendeu. Do ou-
tro lado estava uma autorida-
de consular, cliente do escri-
tório da sua esposa, a querer
falar com Dr. Daniela a qual-
quer custo.
— É importante?
Sim, muito importante,
respondeu uma voz com in-
confundível sotaque.
Dr. Lúcio imaginou que a
autoridade fosse cumprimen-
tá-la, quem sabe a novidade já
houvesse corrido. Nessas oca-
siões, os parentes se encar-
regam de espalhar a notícia
como rastilho.
Que nada!
O diplomata desandou a
perguntar sobre um processo
de que era parte seu consula-
do, juntou explicações sobre
a viagem que faria ao país de
origem e voltou a insistir no
andamento do processo. Ele
queria se assegurar que esta-
va tudo certo e, por isso, falou
mais de cinco minutos a um
fôlego só, sem dar tempo de
a advogada retrucar. Quan-
do ela, enf‌im, pode dizer que
viajasse despreocupado, o ho-
mem agradeceu e despediu-se.
Dra. Daniela passou o te-
lefone ao marido (também
sem fôlego). Era dia 28 de de-
zembro, seu f‌ilho acabava de
nascer e o cliente não se pre-
ocupou em lhe dar votos de
Feliz Natal ou Ano Novo nem
lhe cumprimentou pelo nas-
cimento do f‌ilho.
Mas ela cumpriu seu papel
de advogada, mesmo recém-
-saída da sala de parto. n
Ernani Buchmann ADVogADo
ADVOCACIA NA MATERNIDADE
João Baptista Herkenho JuIZ DE DIREIto APoSEntADo
ENCARCERADA POSTA EM
LIBERDADE PORQUE IA SER MÃE
COMPARECEU A MINHA
presença, no Fórum de Vila
Velha (ES), Edna S., grávida de
oito meses, que estava presa
na Cadeia da Praia do Canto,
em Vitória, enquadrada no ar-
tigo 12 da Lei de Tóxicos (trá-
f‌ico) porque foi f‌lagrada com
gramas de maconha.
Diante do quadro dramáti-
co — uma pobre mulher grá-
vida e encarcerada —, proferi,
em audiência, despacho que a
libertou (transcrito a seguir):
“A acusada é multiplicada-
mente marginalizada: por ser
mulher, numa sociedade ma-
chista; por ser pobre, cujo la-
tifúndio são os sete palmos de
terra dos versos imortais do
poeta; por ser prostituta, des-
considerada pelos homens,
mas amada por um Nazareno
que certa vez passou por este
mundo; por não ter saúde;
por estar grávida, santif‌icada
pelo feto que tem dentro de
si, mulher diante da qual este
Juiz deveria se ajoelhar, numa
Rev-Bonijuris_661.indb 247 14/11/2019 17:45:46

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT