Advocacia contemporânea e perspectiva crítica

AutorPedro Rubim Borges Fortes
Páginas179-190
ADVOCACIA CONTEMPORÂNEA E PERSPECTIVA CRíTICA
Pedro ruBim BorGeS ForteS1
Nos derradeiros anos de sua prolíca carreira, Herbert Hart dedicou-se à tarefa
de organizar o caótico acervo de papéis deixados por Jeremy Bentham e se co-
locou como um intermediário entre as ideias do pensador utilitarista e o grande
público. Bentham foi pioneiro no desenvolvimento de uma perspectiva crítica
sobre o direito na Inglaterra, distinguindo claramente o papel de ser um expo-
sitor do direito positivo e de ser um censor de suas inconsistências. Criticava o
uso exagerado de jargões, a misticação usada de forma a esconder as incon-
sistências das leis e a maneira como o direito poderia ser utilizado como instru-
mento de opressão. Em contraste com a tradição jusnaturalista predominante
na Inglaterra durante séculos, Bentham vislumbrava o direito como um artefato
humano, que deveria ser continuamente aperfeiçoado para maximizar a eci-
ência da humanidade. Rejeitava que provérbios jurídicos recebessem uma pá-
tina espúria de santidade e que juristas tivessem uma adoração canônica pelos
‘ossos de homens mortos’2. É irônico que seu esqueleto embalsamado esteja
exposto permanentemente no interior da University College of London, local
em que Gandhi recebeu sua formação jurídica.
O jurista indiano é um exemplo pródigo de um advogado que também dis-
tinguia claramente a perspectiva descritiva do direito positivo e a perspectiva
crítica do direito. Após concluir seus estudos em Londres, Gandhi exerceu a
advocacia na África do Sul, defendendo interesses da comunidade local indiana
em um regime legal extremamente injusto. Ao mesmo tempo em que cumpria
cotidianamente as leis impostas pelo regime do Apartheid, era crítico severo da
segregação étnico-racial e da discriminação sofrida pelos indianos no país. Ao
1 Pedro Rubim Borges Fortes é professor da FGV DIREITO RIO. É graduado em direito pela
UFRJ, em administração pela PUC-Rio, LL.M. pela Harvard Law School, J.S.M. pela Stanford
Law School e doutorando em direito por Oxford. Foi professor visitante na WB NUJS em
Calcutá, na Índia, na Universidade Goethe, em Frankfurt, e pesquisador visitante no Instituto
Max Planck de Hamburgo, Alemanha. Dentre suas honras acadêmicas, foi professor home-
nageado em 2004, 2005 e 2011 e foi selecionado para o IV International Junior Faculty Fo-
rum em 2011. É ex-procurador do Banco Central e promotor de justiça no MPRJ desde 2000.
2 H.L.A. Hart, Essays on Bentham: jurisprudence and political theory. Oxford: Oxford Univer-
sity Press (1982), p. 1-9.

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