Criança e adolescente no mundo do futebol profissional: entre o sonho e a legalidade

AutorAntonio Carlos Flores de Moraes
CargoProfessor da PUC-Rio
Páginas43-61

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O mundo do futebol transformou-se, nos últimos tempos, num negócio milionário, levando a Crowe Howarth RCS, considerada como a 5ª maior empresa de auditoria e consultoria no Brasil, estimar que, a partir de 2010, o futebol brasileiro será um negócio anual em torno de 2,1 bilhões de reais ou cerca de 878 milhões de euros (um euro = R$ 2,393).

Apesar do valor ser elevado, o mercado brasileiro oferece oportunidade dos clubes arrecadarem muito mais, porque, em média, 70% da receita dos times vêm dos direitos de transmissão vendidos às grandes redes de TV, enquanto na Inglaterra esse número fica cerca de 25% e na Itália 39%.

A principal razão disso é que na Europa os clubes conseguem lucrar consideravelmente com ingressos, venda de material esportivo personalizado e outras atividades comerciais. Rafael Lourenço1 comenta que não pretende “com isso dizer que apenas no Brasil o futebol é um “telespetáculo”, mas sim, apontar a dependência criada entre os clubes e os canais de TV e o poder de definição que estes últimos ganham sobre os primeiros”.

Embora o futebol não seja um apenas “telespetáculo”, ele domina totalmente o ranking do número de horas de esportes na TV:2

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Futebol 14,600 66,3%
Tênis 1,56 17,1%
Automobilismo 1,12 5.1%
Voleibol 897 4.1%
Basquetebol 833 3.8%
Artes Marciais 493 2.2%
Motocicleta 416 1.9%
Surfing 326 1.5%
Futsal 235 1.1%
Atletismo 233 1.1%
Outros 1,298 5.9%

A potencialidade do aumento do faturamento do futebol no Brasil fica demonstrada quando se verifica que foi arrecadado no ano de 2010 e 105 milhões (cento e cinco milhões de euros) pelos 20 (vinte) clubes brasileiros em propaganda no uniforme, o chamado internacionalmente de shirt sponsorships.3 Comparando-se os principais campeonatos de futebol do mundo pode-se constatar o seguinte faturamento em milhões de euros:

Premier Legue (ENG) 128
Bundesliga (GER) 118
Brasileirão (BRA) 105
Série A (ITA) 62
Ligue1(FRA) 59
LaLiga (ESP) 57

Na Inglaterra, o valor do patrocínio da camisa para a temporada de 2011/2012 subiu significativamente, de acordo com a pesquisa4 conduzida pela sportingintelligence.com, saltando em torno de 20% (vinte por cento). Os Clubes da Premier League ganharão £ 117.5 m de seu patrocínio de camisa nesta temporada, em comparação com 100.45m £ na campanha 2010/2011. Os números são os seguintes:

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Club ClubClub ClubClub Sponsor SponsorSponsor SponsorSponsor V VVVValue aluealue aluealue
Manchester United Aon £20m
Liverpool Standard Chartered £20m
Manchester City Etihad £20m
Chelsea Samsung £13.8m
Tottenham Hotspur Aurasma £10m
Aston Villa Genting £8m
Arsenal Fly Emirates £5.5m
Fulham FxPro £4m
Everton Chang Beer Upto £4m
Newcastle United Northern Rock £2.5m
Queens Park Rangers AirAsia (tbc) £2.3m
Wolverhampton Wanderers Sportingbet £1.1m
West Bromwich Albion Bodog Europe £1.1m
Swansea City 32Red £1.1m
Sunderland Tômbola £1m
Stoke City Britannia £1m
Wigan Athletic 12Bet £1m
Bolton Wanderers 188Bet £750k
Norwich City Aviva £350k
Blackburn Rovers Prince’s Trust Zero

E, no País de futebóleres,5 há 29.208 (vinte e nove mil, duzentos e oito) clubes, sendo registrados 2,1 milhões de jogadores e 11,2 milhões de não registrados.6 Mas, acrescendo a esse número as chamadas escolinhas, pode-se chegar a um total de 30,4 milhões de jogadores de futebol no Brasil, número bem superior às demais práticas esportivas:

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Em milhões de pessoas:

Futebol 30,4
Voleibol 15,3
Tênis de mesa 12
Natação 11
Futsal 10,7
Capoeira 6
Skateboarding 2,7
Surfing 2,4
Judô 2,2
Atletismo 2,1

Para se ter uma ideia do tamanho do negócio, estima-se — porque a publicidade dos atos não é uma característica nacional — que será pago pela Rede Globo algo em torno de 110 milhões de reais por ano para apenas um clube (Corinthians) na participação de um único campeonato (Brasileiro), fora os outros times, que também provavelmente negociarão à parte, já que dessa forma conseguem mais dinheiro do que o oferecido pelo Clube dos 13.7

O esporte como valor social

O esporte valoriza socialmente o homem, proporciona uma melhoria de autoimagem, e a aprendizagem de uma modalidade esportiva constitui uma das mais significantes experiências que o ser humano pode viver com seu próprio corpo; a experiência vivida assume particularidades que determinam seu êxito resultante na medida em que vencidas as dificuldades, sendo essas criadas pelo próprio corpo e também pelas exigências do projeto assumido pelo indivíduo. Desta maneira, pode-se inferir que os adolescentes praticantes de futebol buscam pela sua competência desportiva, uma melhoria de sua autoimagem e melhores oportunidades de vida por meio do esporte.8O esporte é identificado como um elemento da cultura que mesmo sendo considerado tão habitual e corriqueiro pelos habitantes de grandes conglomerados humanos, por verem-no ser praticado até nas ruas, mas, ao ser analisado do ponto de vista de seus protagonistas mostra-se bastante peculiar.9

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As pesquisas e os estudos pedagógicos, sociológicos e psicológicos demonstram que as crianças e os adolescentes iniciam a prática esportiva por causa da necessidade de pertencerem a um grupo. As crianças gostam do esporte, de acordo com Weinberg e Gould,10 porque permite que estejam com seus amigos e possam fazer novas amizades.

O esporte é sem dúvida um dos melhores meios de convivência humana,11 que contribui fundamentalmente para o desenvolvimento social das crianças.12 É justamente a possibilidade de fazer parte de um grupo que irá permitir às crianças e aos adolescentes o seu desenvolvimento ético.13As normas que regulam a aceitação social são, basicamente, a amizade, a sociabilidade e a competência. Essas normas são os principais fatores para o desenvolvimento de competências fundamentais permitindo que a criança e o adolescente possam ter um bom crescimento e adaptação à vida adulta.

Justamente, tanto a criança como o adolescente, quanto mais entrosado estiver ao seu grupo, haverá uma melhora substancial em sua saúde e na sua performance na prática desportiva.14Pesquisas recentes, com o objetivo de averiguar os motivos que levaram os adolescentes à prática do esporte (competência desportiva, saúde e amizade/lazer), indicam como razões determinantes primeiramente, à saúde; em segundo lugar, amizade/lazer e, em terceiro lugar, à competência desportiva.15Em outro estudo, realizado desta vez com tenistas brasileiros infantojuvenis, verificou-se que na categoria “até 16 anos”, a dimensão sociabilidade obteve valores significativos para que estes praticassem atividade física regular.16Tais constatações devem servir de base para que todos os que tenham contato com as crianças e os adolescentes, sejam professores ou treinadores, levem em consideração que os motivos que levaram o jovem à prática esportiva foram justamente de estar com amigos, de fazer novas amizades e de participar de novos grupos sociais.

Assim, os valores do jogo não são apenas vencer a partida, mas também o exercício da disciplina; agir seguindo regras, ter respeito e ética; ser responsável.17 Daí a dificuldade

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da prática do desporto no Brasil, quando os atletas são preparados pelos clubes e não pelas escolas, visando exclusivamente resultados e, pior ainda, serem moeda de troca no futuro.

Por tal motivo, especialmente, os clubes não devem perder a perspectiva de que há de ser proporcionado às crianças e aos adolescentes um ambiente que valorize os valores afetivos e sociais, possibilitando assim auxiliar na diminuição da pressão por resultados e pela competição exacerbada.18

A educação e o desporto

A Constituição Federal de 1988 é clara ao estabelecer os princípios de que devem nortear o desporto nacional, cujo fomento é dever do Estado, como direito de cada um, observados:

  1. A autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;

  2. a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;

  3. o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não profissional;

  4. a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.19Além do mais, respeitando os princípios doutrinários e acadêmicos de ser o lazer uma forma de integração social, o § 3º do citado art. 217 estabelece:

Art. 217. ...

...

§ 3º O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.

A Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, determina no § 3º do art. 26, que:

Art. 26. ...

§ 3º A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da educação básica, sendo sua prática facultativa ao aluno: (...).

Constata-se, assim, que a educação é um direito fundamental, devendo o nível básico ser organizado20 de acordo com as seguintes regras comuns:

I — a carga horária mínima anual será de oitocentas horas, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver;

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II — a classificação em...

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