A ADIN 1802/DF, imunidade tributária e lei complementar

AutorOctavio Campos Fischer
CargoProfessor de Direito Tributário da Unibrasil/NUPECONST (Mestrado, Graduação e Especialização). Doutor e Mestre em Direito Tributário pela UFPR. Advogado e Parecerista em Curitiba/PR. Ex-Conselheiro Titular da 7ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda. Site: www.octaviofischer.com.br
Páginas1-16

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1. Imunidades Tributárias e sua Importância

As imunidades tributárias põem-se como instrumentos de limitação da atividade de tributação. Sua importância é realçada no cenário jurídico brasileiro em razão do destaque que lhe conferiu a Constituição de 1988 e da interpretação extensiva que, em algumas situações, a jurisprudência lhe tem conferido. Mesmo assim, o Poder Público - aquele que deveria ser o primeiro a cumprir, respeitar e realizar os ditames jurídicos - busca minar o seu conteúdo, dificultar a sua fruição, respaldando-se cada vez mais em uma ilegítima interdisciplinariedade, pela qual os jogados por "água abaixo" os argumentos jurídicos em prol de argumentos econômicos. Fala-se em déficit fiscal, em perda na arrecadação, em responsabilidade fiscal. Vivemos - há muito tempo - um Estado que mais se orgulha de bater níveis recordes de arrecadação1 do que de prestar serviços com a qualidade e a necessidade proporcionais ao que se paga. Page 2

É verdade - e não se tem como negar isto - que muitos contribuintes acabam tomando os direitos e as garantias fundamentais como proteção para a realização de atividades ilícitas. O que não se pode admitir, entretanto, é que, em função destas situações, o Poder Público desenvolva uma forma restrita de aplicação e interpretação dos direitos e garantias fundamentais.

Bem por isto, critica fortemente Ives Gandra da Silva Martins que:

Em outras palavras, têm sido os direitos dos cidadãos, inclusive os tributários, atropelados pela aguda necessidade do governo federal e, em maior escala, dos governos estaduais e municipais, de gerar receita a qualquer custo para cobrir as despesas da administração e dos juros de investimentos feitos, parte deles apenas destinada à mão-de-obra oficial. A 'Constituição Cidadão', portanto, passou, neste aspecto, a ser uma 'Constituição não cidadã', mas fortemente voltada para beneficiar os detentores do poder, com o que o desenvolvimento nacional e a competitividade do país, nos mercados interno e externo, ficaram seriamente atingidos. (...)

Ora, os denominados direitos dos contribuintes, que são, nos termos do artigo 150 da Constituição Federal, também imodificáveis, em face da necessidade do Estado em gerar receitas crescentes para atender o inchaço da Federação e respectivas estruturas administrativas, foram os mais atingidos, havendo um processo de demolição de suas bases, desde o momento em que os denominados 'superávits primários' no orçamento passaram a ser obtidos com aumento da arrecadação e não com o corte de despesas.2

O tema que escolhemos para o presente estudo - Imunidades das Instituições de Educação - reflete esta situação. Refere-se a um direito constitucional do cidadão, imodificável porquanto parte do núcleo duro da Constituição, mas que tem sofrido constantes ataques por parte do Poder Público.

Um dos mais recentes é o da LC 116/2003, que insistiu em autorizar os Municípios a realizarem tributação sobre serviços de educação, ainda que o art. 150, VI, "c" da CF/88, claramente, estipule que tais serviços podem estar fora do campo da tributação.

Especificamente, nosso trabalho tecerá breves considerações sobre a decisão tomada na ADIN 1802, na qual o Supremo Tribunal Federal, em sede de Medida Cautelar, analisou a Page 3 validade das alterações promovidas pelo art. 12 da Lei n.º 9.532/97, no sistema das imunidades das instituições de educação e de assistência social.

2. Disposições Normativas

Com o intuito de facilitar a leitura do presente estudo, entendemos ser interessante a citação do conteúdo dos dispositivos normativos em questão.

No art. 150, VI, "c" da CF/88, está prevista a Imunidade das Instituições de Educação:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

VI - instituir impostos sobre:

(...)

  1. patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

    (...)

    § 4.º As vedações expressas no inciso VI, alíneas b e c, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.

    No art. 14 do CTN, tem-se os requisitos para a fruição dessa imunidade:

    Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:

    I não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; (NR)

    II - aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;

    III - manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

    § 1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do artigo 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício.

    § 2º Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do artigo 9º são exclusivamente, os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata este artigo, previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos. Page 4

    Por sua vez, o art. 12 da Lei n. 9.532/97, também, tratou do assunto:

    Art. 12. Para efeito do disposto no art. 150, inciso VI, alínea "c", da Constituição, considera-se imune a instituição de educação ou de assistência social que preste os serviços para os quais houver sido instituída e os coloque à disposição da população em geral, em caráter complementar às atividades do Estado, sem fins lucrativos.

    § 1º Não estão abrangidos pela imunidade os rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável.

    § 2º Para o gozo da imunidade, as instituições a que se refere este artigo, estão obrigadas a atender aos seguintes requisitos:

  2. não remunerar, por qualquer forma, seus dirigentes pelos serviços prestados;

  3. aplicar integralmente seus recursos na manutenção e desenvolvimento dos seus objetivos sociais;

  4. manter escrituração completa de suas receitas e despesas em livros revestidos das formalidades que assegurem a respectiva exatidão;

  5. conservar em boa ordem, pelo prazo de cinco anos, contado da data da emissão, os documentos que comprovem a origem de suas receitas e a efetivação de suas despesas, bem assim a realização de quaisquer outros atos ou operações que venham a modificar sua situação patrimonial;

  6. apresentar, anualmente, Declaração de Rendimentos, em conformidade com o disposto em ato da Secretaria da Receita Federal;

  7. recolher os tributos retidos sobre os rendimentos por elas pagos ou creditados e a contribuição para a seguridade social relativa aos empregados, bem assim cumprir as obrigações acessórias daí decorrentes;

  8. assegurar a destinação de seu patrimônio a outra instituição que atenda às condições para gozo da imunidade, no caso de incorporação, fusão, cisão ou de encerramento de suas atividades, ou a órgão público;

  9. outros requisitos, estabelecidos em lei específica, relacionados com o funcionamento das entidades a que se refere este artigo.

    §3º Considera-se entidade sem fins lucrativos a que não apresente superávit em suas contas ou, caso o apresente em determinado exercício, destine referido resultado, integralmente, à manutenção e ao desenvolvimento dos seus objetivos sociais.

    Tais dispositivos merecem uma análise cuidadosa, especialmente este último (art. 12 da Lei nº 9.532/97). É que a Imunidade repousa na Constituição, nossa Lei Fundamental, de forma que toda atividade do Legislador infra-constitucional tendente à regulamentá-la está sujeita a provocar algum tipo de agressão a seus postulados.

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3. Imunidade e Sociedade

Porém, antes de trabalharmos com a problemática indicada, uma importante questão de fundo deve ser revelada para que bem possamos compreender o real propósito da existência das Imunidades em nosso ordenamento jurídico.

De um lado, o Sistema Tributário da Constituição de 1988 instaurou uma série de garantias e direitos ao contribuinte. Há, portanto, uma visão de que o direito tributário funciona como um Estatuto do Contribuinte, com o fim de evitar que a transposição de recursos dos contribuintes para o Fisco seja arbitrária e ilimitada. Assim, se é necessário contribuir para as despesas públicas, nem por isto o Estado pode "tomar" como bem quiser o patrimônio e a liberdade dos contribuintes. Neste sentido, nossa atual Lei Fundamental, na esteira da tradição constitucional brasileira, muito bem desenhou um sistema de proteção ao cidadão e de limites ao poder de tributar, especialmente através da estipulação de vários princípios e imunidades3.

Por outro lado, entendemos que o direito tributário brasileiro, inserido que está em um Estado Democrático de Direito, não pode ser considerado apenas como um sistema de defesa do contribuinte. Sem pretendermos ingressar na discussão a respeito da dupla dimensão dos direitos fundamentais4, cremos que, em muitas situações, as garantias constitucionais tributárias têm um alcance muito mais amplo, servindo aos interesses da sociedade como um todo e não somente ao indivíduo.

É o caso das imunidades. Se bem pararmos para refletir a respeito do assunto, facilmente podemos concluir que tais garantias não são privilégios a seus destinatários imediatos. Isto porque, em um Estado Democrático de Direito, não se admite a arbitrária estipulação de benefícios a certos segmentos da sociedade, já que, regra geral, todos que possuem capacidade contributiva, devem, na medida desta5, contribuir para a realização das tarefas...

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