Acordos de leniência no processo administrativo brasileiro: modalidades, regime jurídico e problemas emergentes

AutorThiago Marrara
Páginas305-330
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aCORDOS De lenIênCIa nO
PROCeSSO aDMInIStRatIvO
bRaSIleIRO: MODalIDaDeS, ReGIMe
jURíDICO e PRObleMaS eMeRGenteS
THIAGO MARRARA
SUMÁRIO: Introdução: a consensualização no processo
sancionador. 1. Acordo de leniência: definição, conteúdo e
características essenciais. 2. Comparativo das modalidades de
leniência existentes no Brasil. 3. Leniência para infrações contra
a ordem econômica. 4. Leniência para infrações de corrupção. 5.
Leniência para infrações licitatórias. Conclusão. Referências
bibliográficas.
INTRODUÇÃO: A CONSENSUALIZAÇÃO NO PROCESSO
SANCIONADOR
Com elevada frequência, confunde-se consensualização com
consenso ou com consensualidade. Misturam-se meios com fins,
processos com resultados. A consensualização propriamente dita
representa um fenômeno de construção teórico-normativa de canais
jurídico-operacionais aptos a viabilizarem consenso no planejamento e
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na execução das funções administrativas. Esses canais assumem caráter
orgânico (como a previsão de direito de voz e voto para alunos em
colegiados de universidades públicas ou de representantes do povo em
conselhos nacionais de políticas públicas), procedimental (como
audiências realizadas no licenciamento ambiental) ou contratual (como
os compromissos de cessação de prática infrativa e a própria leniência).
Todos eles constituem meios para a busca do consenso nas relações entre
Estado e Administração, nas relações entre entes públicos ou em relações
entre órgãos de um mesmo ente. Como meios, sua existência por si só
não garante consenso. É perfeitamente possível que eles estimulem até
dissensos em certos casos. Por isso, consensualização, consenso e
consensualidade jamais poderiam ser tomados como sinônimos. Consenso
significa consentimento recíproco; consensualidade indica o grau, maior
ou menor, de consenso na construção ou execução das políticas públicas.
Os dois termos apontam para resultados. Consensualização, por sua vez,
é movimento de transformação da Administração Pública e de seus
processos administrativos em favor da edificação de consensos.1
Essa diferenciação se mostra relevante para compreender o tema
em debate. A leniência nada mais é que um exemplar dos vários
instrumentos da administração consensual na modalidade contratual. Mas
não é só isso. Sua maior peculiaridade – e talvez fragilidade – reside em
sua relação essencial com os processos repressivos de polícia administrativa.
Juntamente com os acordos de cessação de prática infrativa, os acordos
de leniência representam o ponto mais delicado do movimento de
consensualização e de horizontalização da Administração Pública, na
medida em que se inserem em uma atividade tradicionalmente
verticalizada, em que o Estado costuma agir de modo unilateral,
monológico e pouco cooperativo diante do cidadão.
Há certas décadas seria impensável imaginar que uma autoridade
pública dialogaria com um infrator confesso, responsável por desvios
bilionários de recursos financeiros ou infrações econômicas com altíssimo
1 Em mais detalhes sobre o movimento de consensualização e também de processualização
e contratualização, Cf. MARRARA, Thiago (coord.). Direito administrativo:
transformações e tendências. São Paulo: Almedina, 2014, em geral.

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