Acordo extrajudicial homologado judicialmente na Justiça do Trabalho

AutorLeticia Aidar/Rogério Renzetti/Guilherme de Luca
Páginas21-30

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Ver Nota1

1. Introdução

Honrado com a tarefa de realizar comentários à Lei 13.467/17, antes mesmo de iniciada sua vigência, conhecida como Reforma Trabalhista ao lado de renomados autores e professores, coube-me abordar tema que há muito instiga os que atuam na área trabalhista, inserido no eixo dos métodos alternativos de solução dos conflitos.

Inicialmente, deve-se frisar que a tradição no Direito Individual do Trabalho é a aversão à realização de atos de disposição de direitos pela parte trabalhadora em atenção ao princípio da irrenunciabilidade (ou da indisponibilidade), decorrência lógica do próprio princípio da proteção que norteia este ramo do Direito, cujo teor basicamente constitui a impossibilidade do livre exercício da manifestação da vontade no sentido da retirada ou redução de direitos trabalhistas em prejuízo ao trabalhador, sob a premissa da hipossuficiência do empregado.

Embora seja esta a noção básica clássica acerca do princípio da irrenunciabilidade, vale registrar que nem todos os direitos trabalhistas possuem a mesma carga de impossibilidade de atos de disposição, pois como preconiza o art. 444 da CLT2, existem ao menos três tipos de direitos no que concerne à sua origem: os previstos em normas de ordem pública ou decisões de autoridades, os criados por normas coletivas e os pactuados pelos próprios contratantes.

Em apertada síntese, reconhece a doutrina e a jurisprudência majoritárias que os direitos previstos em lei e decisões das autoridades (ordem pública) e os direitos criados por normas coletivas (igualmente cogentes) são absolutamente indisponíveis, não sendo possível às partes de uma relação de emprego praticar qualquer ato de disposição no particular, conforme arts. 9º3 e 6194 da CLT, sob pena de o ato ser nulo de pleno direito.

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Já os direitos livremente pactuados entre as partes, que constituem um plus aos mínimos obrigatórios, podem ser objeto de alteração pelos interessados, mas desde que por mútuo consentimento e sem prejuízo direto ou indireto para o empregado, sendo, portanto, de indisponibilidade relativa.

Tratando-se a natureza do direito de um dos requisitos para a realização de atos de disposição, tanto para a renúncia quanto para a transação, em geral reconhece a atual doutrina haver pequeno espaço para que empregado e empregador possam, de fato, modificar, suprimir ou reduzir direitos trabalhistas, pois até os direitos puramente contratuais encontram freio para alteração, conforme art. 468 da CLT5, cominando a norma a “nulidade” caso não observados os requisitos acima expostos.

Vale registrar que, propositalmente, grafou-se o termo nulidade contido no citado artigo consolidado entre aspas, pois a bem da verdade não se trata efetivamente de ato nulo aquele que contraria o modelo legal de alteração contratual, mas sim de ato anulável, que depende de provocação do interessado para que possa ser reconhecido como tal em juízo, sendo passível de prescrição total, conforme entendimento da Súmula 294 do TST, cujo texto restou incorporado pela Reforma Trabalhista ao art. 11, §2º da CLT6.

Fixadas tais premissas, cumpre indagar qual o espaço existente para que, em caso de conflito trabalhista individual ou iminência de tal conflito, possa existir solução negociada, seja por auto seja por heterocomposição, pois se são os direitos trabalhistas indisponíveis, absoluta ou relativamente, como justificar, por exemplo, a realização de conciliação judicial sobre temas previstos em normas de ordem pública, como férias ou décimo terceiro?

Embora seja antiga a questão, geralmente posiciona-se a doutrina sob o aspecto não do direito em si, mas da real dúvida quanto à pretensão e, ainda, do momento em que a negociação ocorre (antes, durante ou após a relação de emprego).

Os momentos em que o empregado se encontra sob o exercício direto do poder patronal, antes e durante a relação de emprego, o primeiro para se obter a ocupação e o segundo para mantê-la, são, regra geral, reconhecidos como de impossibilidade para a prática de qualquer ato de disposição de direitos; já após o fim da relação de emprego, costuma a doutrina se posicionar pela maior abertura para negociações, pois cessa o poder empregatício e, portanto, a potencial submissão da vontade do empregado ao seu empregador.

Por outro lado, antes e durante a relação de emprego não se pode, indubitavelmente, negociar o exercício e gozo dos direitos trabalhistas pelo seu equivalente pecuniário, pois a tutela laboral, com a finalidade primordial de melhoria das condições de vida e de trabalho, não se coaduna com a mercantilização dos direitos trabalhistas.

Após o término da relação trabalhista, quando já ocorridas supostas lesões aos direitos do empregado, entende-se que a questão passa a ter maior cunho

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patrimonial, pois a pretensão do trabalhador visa, basicamente, à obtenção de tutela reparatória.

Ao lado de tais observações, existe ainda a percepção de que a solução negociada de conflitos trabalhistas, ou sua prevenção, decorre de elemento imprescindível para a caracterização de real transação, a coisa duvidosa (res dubia), o que significa que não existe certeza quanto à titularidade do bem da vida objeto da disputa, entendendo-se que o direito alegado pelo trabalhador pode, em caso de eventual disputa judicial, ser ou não reconhecido, pois o empregador nega sua existência ou alega fato que possa obstaculizar a pretensão do trabalhador.

Assim, estabelecidas tais premissas, surgiu a conciliação judicial como principal modelo de solução de conflitos individuais de interesses trabalhistas, mormente porque a figura do juiz, sujeito imparcial, com dever de isenção, constitui garantia para que o trabalhador, sempre considerado hipossuficiente, possa praticar, dentro dos limites legais, os atos de disposição dos direitos trabalhistas patrimoniais sem vício de consentimento, analisando o magistrado os elementos de validade do negócio jurídico entabulado que, por sua homologação, constitui decisão irrecorrível para as partes, pondo fim à demanda trabalhista (art. 831, parágrafo único da CLT7).

A cultura acima exposta, que até a Reforma Trabalhista dominou o cenário das soluções negociadas para conflitos individuais trabalhistas, provocou, em nosso sentir, verdadeira deturpação de toda a ideia de acesso à Justiça na moderna temática do desenvolvimento de métodos alternativos para solução dos conflitos.

Sem aprofundar o tema de forma demasiada, indicamos o exame da Resolução 125, de 2015, do CNJ que trata da Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judicário, reconhecendo meios alternativos para solução dos conflitos, como mediação e arbitragem.

Vale ressaltar, ainda, que mesmo com o advento do novo Código de Processo Civil, que impulsionou a temática em análise, com as audiências de media-ção e conciliação, a Justiça do Trabalho permaneceu resistente, entendendo o Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Instrução Normativa 39, que tais regras não seriam compatíveis com o Processo do Trabalho.

Mas a necessária abertura deste ramo do Poder Judiciário paulatinamente se fez sentir, tendo sido publicada, em 2016, a Resolução 174 pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho, tratando da política de tratamento adequado para as disputas de interesses no âmbito do Poder Judiciário Trabalhista, deter-minando a criação e implantação dos CEJUSC, Centro Judiciários de Métodos Consensuais de Soluções de Disputas, em todos os Tribunais Regionais.

Como natural caminhar da mencionada abertura e mudança cultural, a Reforma Trabalhista avança na implantação de tais métodos ao permitir a realização de acordo extrajudicial em matéria trabalhista, com homologação judicial.

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2. Homologação Judicial de Acordo Extrajudicial
2.1. Jurisdição voluntária e atuação dos advogados

Não constituem novidade em nosso ordenamento jurídico as disposições trazidas pela Lei n. 13.467/17 quanto à homo-logação judicial de acordo extrajudicial.

De fato a Lei n. 9.099/90 prevê em seu artigo 57: “O acordo extrajudicial, de qualquer natureza ou valor, poderá ser homologado, no juízo competente, independentemente de termo, valendo a sentença como título executivo judicial”.

O Código de Processo Civil de 1973, com a modificação introduzida pela Lei n. 11.232/05, igualmente arrolava entre os títulos executivos judiciais “o acordo extrajudicial, de qualquer natureza, homologado judicialmente” (art. 475-N, V), mantendo-se tal sistemática com o atual Código de 2015 (art. 515, III) que assim dispõe: “a decisão homologatória de autocomposição extrajudicial de qualquer natureza”.

Assim, a primeira observação relevante a ser efetuada é no sentido de que, a rigor, já seria possível a Justiça do Trabalho homologar judicialmente acordos extrajudiciais, e assim sempre defendi, tendo inclusive atuado, na prática cotidiana como Juiz de Primeiro Grau, em caso pioneiro em que as partes, invocando os diplomas legais supra, apresentaram petição de acordo conjunta solicitando minha análise para posterior homologação, caso em que determinei a realização de audiência, interroguei trabalhador e tomador dos...

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