Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

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Processo: 919/13.9TVLSB.L1.S1

Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: GRANJA DA FONSECA Descritores:

CONTRATO DE SEGURO SEGURO DE VIDA

SEGURO DE ACIDENTES PESSOAIS SEGURO FACULTATIVO CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL AUTONOMIA PRIVADA REPETIÇÃO DO INDEVIDO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA

Data do Acordão: 04-12-2014 Votação: UNANIMIDADE

Área Temática:

DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. DIREITO DOS SEGUROS – CONTRATO DE SEGURO / SEGURO DE VIDA / SEGURO DE ACIDENTES PESSOAIS.

Doutrina:
– Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, página 406
– José Vasques, Contrato de Seguro, Coimbra Editora, Coimbra, pp. 30-31.
– Moitinho de Almeida, O contrato de Seguro no Direito Português e Comparado, Livraria Sá da Costa, 1971, pp. 23-24.

Legislação Nacional:

CÓDIGO CIVIL (CC): – ARTIGOS 397º , 405º , 473º , Nos 1 E 2, 476º , Nº 1.

DECRETO – LEI Nº 72/2008, DE 16 DE ABRIL (LCS): – ARTIGOS 2º , Nº 2, 4º , 32º , Nº 2.

Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
– DE 10/07/2008, PROCESSO Nº 08B1846, EM WWW.DGSI.PT.

Sumário:

I – Contrato de seguro é aquele em que uma das partes (segurador) se obriga, contra o pagamento de certa importância (prémio), a indemnizar outra parte (segurado ou terceiro) pelos prejuízos resultantes da verificação de determinados riscos.

II – Muito embora se trate de um contrato de adesão – na medida em que as cláusulas gerais são elaboradas sem prévia negociação individual –, nada obsta a que se aplique a regra geral da prevalência da autonomia privada, segundo a qual as partes podem fixar livremente o conteúdo dos contratos, desde que não colidam com normas de natureza imperativa.

III – O contrato de seguro é regulado: 1º) pelas disposições particulares e gerais constantes da apólice, desde que não proibidas por lei; 2º) na sua falta ou insuficiência, pelas disposições da LCS (DL nº 72/2008, de 16-04); 3º) na falta de previsão destas, pelas regras gerais previstas no Código Comercial e no Código Civil.

IV – A apólice dos contratos de seguro contém (i) condições gerais, que se aplicam a todos os contratos de seguro de um mesmo ramo ou modalidade, (ii) condições especiais, que completando ou especificando as condições gerais são de aplicação generalizada a determinados

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contratos do mesmo tipo, e (iii) condições particulares, que se destinam a responder em cada caso às circunstâncias específicas do risco a cobrir.

V – As cláusulas particulares, especificamente acordadas, prevalecem sobre as cláusulas contratuais gerais, mesmo quando constantes de formulários assinados pelas partes.

VI – Constando do artigo 2º das Condições Gerais que «o seguro garante a cobertura dos riscos identificados nas condições particulares verificados no exercício da actividade profissional, da actividade extra-profissional ou de ambas…» (nº 1) e que podem ser contratadas as seguintes coberturas «(i) morte por acidente; (ii) morte por acidente de viação e (iii) invalidez permanente», resulta que ficam garantidos pelo contrato de seguro os riscos – de entre os enunciados nessas condições gerais – que ficarem expressamente identificados nas condições particulares (e não os riscos descritos nas condições gerais não expressamente excluídos nas condições particulares, como entendeu a Relação).

VII – Só tendo sido efectivamente contratadas, nas condições particulares, as coberturas de morte e invalidez permanente, fica excluída a cobertura de morte por acidente de viação, apesar de prevista nas condições gerais.

VIII – A repetição do indevido comporta dois tipos de situações: – casos em que se cumpre uma obrigação objectivamente inexistente; – hipóteses de cumprimento de uma obrigação alheia, na convicção errónea de que se trata de dívida própria ou de que se está vinculado para com devedor a esse cumprimento.

IX – Se a seguradora apenas era responsável para com a ré no pagamento de € 50 000, mas lhe pagou € 100 000, a pretensão de enriquecimento valerá quanto à diferença.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.

AA – Companhia de Seguros, S.A., intentou esta acção declarativa de condenação com processo ordinário contra BB, peticionando a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 50.000, acrescida de juros vincendos à taxa legal de 5% desde a citação até integral pagamento.

Fundamentando a sua pretensão, alega, em síntese, que, na sequência de sinistro, pagou à Ré cinquenta mil euros por uma cobertura que não estava abrangida no contrato de seguro.

A Ré contestou, alegando que as coberturas contratadas abrangem a morte por acidente, a morte por acidente de viação e a invalidez permanente, pelo que a Ré deve ser absolvida do pedido.

Proferido o despacho saneador e elaborado o despacho de condensação, procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença, que, julgando a acção procedente por provada, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 50.000, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a citação (27/05/2013) até integral pagamento.

Inconformada, apelou a Ré, tendo o Tribunal da Relação, na procedência da apelação, revogado a sentença e absolvido a Ré do pedido.

Agora, é a autora que, não se conformando com a decisão, recorre de

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revista para o Supremo Tribunal de Justiça, pretendendo a revogação do acórdão recorrido e, concluindo como na sentença da 1ª instância, considera que a acção deverá ser julgada procedente por provada e, consequentemente, deverá a ré/recorrida ser condenada no pedido.

Defendendo a sua pretensão, finaliza as alegações com as seguintes conclusões:

1ª – O Acórdão recorrido, ao decidir como decidiu, partiu do axioma de que todas as coberturas referidas em condições gerais estão garantidas excepto se forem expressamente excluídas nas condições particulares do contrato individual ou concreto.

2ª – Tal axioma não tem o menor acolhimento, sobretudo no contrato dos autos que está estruturado exactamente da forma oposta: as condições gerais enumeram os riscos ou coberturas que podem ser garantidas, ficando abrangidas pelo contrato concreto aquelas que forem enumeradas nas condições particulares.

3ª – Na proposta de seguro o tomador quis garantir e escolheu apenas duas coberturas de entre várias que ali estavam assinaladas como possíveis.

4ª – Nas condições particulares surgem de forma positiva como garantias duas coberturas, a saber: despesas de tratamento em Portugal por acidente; morte ou invalidez permanente por acidente.

5ª – Nenhuma outra das coberturas enumeradas nas condições gerais foi escolhida pelo tomador do contrato ou consta das condições particulares, pelo que não se pode ter como garantida, no contrato dos autos, pela ora recorrente.

6ª – A interpretação dada pelo Acórdão recorrido, para além de violar directamente o próprio texto do contrato, muito em especial o que é referido nos pontos 13 e 14, mas também 15, 17 e 18 da matéria de facto assente, não tem a menor correspondência nesse texto, mesmo que este estivesse «imperfeitamente expresso».

7ª – E nem a recorrida pretendeu que o contrato tivesse a abrangência que o Acórdão recorrido lhe dá, sem o que não teria deixado de exigir da ora recorrente também as despesas com o funeral do seu malogrado filho.

8ª – Foram violadas as normas dos artigos 236º, 238º, 239º, 405º e 406º do Código Civil e dos artigos 10º e 11º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, e legislação que alterou este.

A Ré contra – alegou, defendendo a confirmação do acórdão recorrido, finalizando as alegações com as seguintes conclusões:

1ª – No entender da recorrida, o presente recurso deve improceder totalmente porque o douto...

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