Ações afirmativas: uma análise teórica

AutorClèmerson Merlin Clève
CargoConstitucionalista e professor
Páginas26-40
26 REVISTA BONIJURIS I ANO 30 I EDIÇÃO 654 I OUT/NOV 2018
DOUTRINA JURÍDICA
Clèmerson Merlin ClèveCONSTTUCONALSTA E PROFESSOR
AÇÕES AFIRMATIVAS: UMA
ANÁLISE TEÓRICA
Os princípios firmados na carta de 1988 atuaram positivamente para
a redução das desigualdades sociais no país; a leitura das teorias de
Rawls e Sen confirmam a necessidade de tais instrumentos
ordem interna e internacional”. Não cabe, aqui,
discutir o valor normativo do preâmbulo3. É suf‌i -
ciente verif‌i car que o intróito, no mínimo, presta-
-se para informar a principiologia que orienta o
Estado brasileiro e sua produção normativa.
Da atenta leitura da Constituição é possível de-
duzir uma série de princípios e objetivos indicado-
res do conteúdo da dinâmica de conformação le-
gislativa. Referido conteúdo se expressa mediante
regras ou princípios incrustrada na Constituição
(democracia, república, legalidade, segurança,
justiça social e igualdade, entre outros) que, agru-
pados em torno dos direitos fundamentais, pro-
duzem o núcleo substantivo da ordem jurídica
brasileira. Ora, a reserva de justiça condensada na
lei maior vincula todos os órgãos constitucionais4.
Embora ela autorize várias leituras (comunitária,
republicana e liberal igualitária), repelindo outras
(libertária, anárquica, perfeccionista ou comunis-
ta), condensa um núcleo substantivo comparti-
lhado pelas mais importantes teorias da justiça.
Além disso, cumpre reconhecer que as diferentes
concepções de justiça, no sentido de Perelman e
John Rawls, plurais e substantivas, implicam cos-
movisões singulares sobre o que é justo, comple-
tando com conteúdo o conceito formal, para for-
necer critérios de escrutínio para a qualif‌i cação
ou justif‌i cação de situações (normativas ou fáti-
cas) como justas ou injustas. Ora, numa sociedade
1. AS AÇÕES AFIRMATIVAS SÃO JUSTAS?
AConstituição de 1988 def‌i ne o Estado
brasileiro como democrático e de di-
reito2. Ora, o estado democrático de di-
reito deve ser compreendido como um
estado de justiça. Não de qualquer jus-
tiça, subjetiva e arbitrariamente orien-
tada, ou idealisticamente deduzida de
parâmetros residentes fora ou sobre a Constitui-
ção, mas sim de uma justiça historicamente deter-
minada e juridicamente conformada pela própria
Constituição. O ordenamento jurídico do estado
democrático de direito há de ser apreendido não
apenas como aquele formalmente desenhado pela
ação dos órgãos legislativos. Trata-se, antes, de
apreendê-lo como bloco de ordenação normativa
proveniente da ação daqueles órgãos, mas dotado
de um sentido substantivo determinado. A orde-
nação jurídica desse estado haverá de ser, necessa-
riamente, uma ordenação justa.
O conteúdo das emanações normativas do Esta-
do brasileiro encontra-se orientado para produzir
uma ordem jurídica justa. Nos termos do preâm-
bulo da carta de 1988, os constituintes reuniram-
-se para “instituir um Estado Democrático, desti-
nado a assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar,
o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como
valores supremos de uma sociedade fraterna, na
Rev_BONIJURIS__654.indb 26 13/09/2018 15:56:52

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