Acionista controlador - impedimento ao direito de voto

AutorErasmo Valladão A. e Novaes França
Páginas139-172

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Inquérito administrativo CVM n. TA/RJ2001/4977 (termo de acusação)

Indiciados: Álvaro Pereira de Moraes Filho

Tele Celular Sul Participações S/A

Rela.: Diretora Norma Jonssen Parente

Ementa: O acionista controlador, por força do disposto no § 1° do artigo 115 da Lei n. 6.404/1976, está impedido de votar em decisão assemblear em que tenha interesse, no caso o pagamento de "royalties" pelo uso de marca pertencente ao controlador indireto.

Os documentos comprobatórios de que as condições do contrato a ser celebrado com o acionista controlador são equitativas e comutativas deverão estar à disposição dos acionistas na assembleia em que a matéria for deliberada. Aos minoritários não pode ser subtraída a oportunidade de verificar a equitatividade da decisão tomada.

Decisão: Vistos, relatados e discutidos os autos, o Colegiado da Comissão de Valores Mobiliários, com base na prova dos autos e na legislação aplicável, decidiu responsabilizar os indiciados pelas irregulari-dades objeto de apuração no presente in-quérito, aplicando-lhes as seguintes penalidades:

  1. à Tele Celular Sul Participações S/A a penalidade de multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais), prevista no artigo 11, inciso II da Lei n. 6.385/1976, por infração ao disposto no § 1° do artigo 115 da Lei n. 6.404/1976;

  2. a Álvaro Pereira de Moraes Filho as penalidades de multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), prevista no artigo 11, inciso II, da Lei n. 6.385/1976, por infração ao disposto no § 1° do artigo 115 e de advertência, prevista no inciso I do artigo 11 da Lei n. 6.385/1976, por infração ao parágrafo único do artigo 116 da Lei n. 6.404/1976.

Os indiciados punidos terão um prazo de 30 (trinta) dias, a contar do recebimento de comunicação da CVM, para interpor recurso, com efeito suspensivo, ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, nos termos do parágrafo único do artigo 14 da Resolução n. 454, de 16.11.1977, do Conselho Monetário Nacional, prazo esse, ao qual, de acordo com orientação fixada pelo Conselho de Recurso do Sistema Financeiro Nacional, poderá ser aplicado o disposto no artigo 191 do Código de Processo Civil, que concede prazo em dobro para recorrer quando litiscon-sórcios tiverem diferentes procuradores.

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Proferiu defesa oral a Dra. Beatrice Mason, advogada dos acusados Tele Celular Sul Participações S/A e Álvaro Pereira de Moraes Filho.

Participaram do julgamento os seguintes membros do colegiado: Diretores Norma Jonssen Parente, Relatora, Luiz António de Sampaio Campos, Marcelo F. Trindade e Wladimir Castelo Branco Castro, e

O Presidente, José Luiz Osório de Almeida Filho.

Rio de Janeiro, 19 de dezembro de 2001.

Norma Jonssen Parente - Diretora-Relatora. José Luiz Osório de Almeida Filho - Presidente da Sessão.

Relatório

I - Em assembleia geral extraordinária realizada em 25.4.2000 da CTMR Celular S/A, foi aprovado por unanimidade dos acionistas presentes, inclusive com o voto do acionista controlador, a Tele Celular Sul Participações S/A, o pagamento de 1 % da receita líquida à Telecom Itália Mobile, controladora indireta, a título de royalties pelo uso da marca TIM.

II - Por entender que a Tele Celular Sul Participações não poderia ter votado esse assunto, a Superintendência de Relações com Empresas SEP, após a solicitação de esclarecimentos e de não ter conseguido sucesso para que fosse realizada nova assembleia, propôs a instauração do presente termo de acusação por eventual abuso de poder, conflito de interesses e autorização para a celebração de contrato com a controladora indireta sem a comprovação de que o mesmo seria efetuado em condições equitativas.

III - Ao apreciar a proposta da SEP, o Colegiado em reunião realizada em 10.7.2001 aprovou o referido termo com o objetivo de apurar a responsabilidade da Tele Celular Sul Participações e de seu representante legal Álvaro Pereira de Moraes Filho por infração ao disposto no artigo 115 e § 1° da Lei n. 6.404/1976, devendo ainda o Sr. Álvaro ser responsabilizado por infração ao disposto no parágrafo único do artigo 116 da mesma lei por não ter colocado à disposição dos acionistas a comprovação de que as condições para a celebração de contrato com a TIM eram equitativas e comutativas, como se infere dos artigos 117, § 1°, alínea "f", e 245, todos da lei societária.

IV - Devidamente intimados, os acusados apresentaram em comum, ainda que separadamente, as seguintes razões de defesa que passarei a resumir:

Do devido processo legal
  1. os procedimentos instaurados pela CVM até aqui subverteram o princípio do devido processo legal, uma vez que iniciados com uma decisão condenatória, qual seja, a determinação de que a CTRM convocasse imediatamente a assembleia para re-deliberar sobre o pagamento devido a título de uso da marca TIM e em face da resistência, decidiu pela instauração do presente inquérito;

  2. é necessário que a CVM não conduza o inquérito considerando esse pré-jul-gamento como se fosse uma presunção absoluta, sob pena de se transformar em mero ritual para corroborar a determinação inicial;

  3. a CVM ao vislumbrar, na sua opinião, indício de descumprimento de lei deveria solicitar informações e esclarecimento a CTRM e, uma vez não satisfeita, provocar a manifestação da área jurídica e somente após submeter ao colegiado a decisão sobre a instalação do inquérito;

  4. os defendentes têm todo interesse em cumprir a lei, mas não podem se curvar a interpretações puramente formais e apressadas da legislação, que podem comprometer a sua capacidade de realizar o seu próprio objeto social;

  5. esperam os defendentes que se desarmem os espíritos e se desfaçam os pré-

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julgamentos para que o inquérito cumpra os seus legítimos objetivos;

Da competência da CVM
  1. na lista de atribuições e competência da CVM, não há qualquer menção à determinação de convocação de assembleia e tampouco à possibilidade de ordenar a anulação de deliberação tomada em assembleia validamente convocada, instalada e realizada;

  2. não há previsão legal para que a CVM determine, como o fez, a convocação de AGE para re-deliberar sobre matéria já deliberada ou para anular deliberação tomada em assembleia;

  3. para o particular entende-se que tudo que não é proibido por lei é permitido, enquanto para a administração pública (aí incluída a CVM), a prática de qualquer ato somente é permitida quando expressamente prevista em lei, sob pena de estar agindo ilegalmente;

  4. através do Memo/CVM/GJU-1/ N.266/98, foi reconhecido que para anular decisão assemblear os acionistas devem recorrer ao Poder Judiciário;

Dos "royaties"pelo uso de marca
  1. apesar de não haver exigência estatutária para que o contrato em questão fosse submetido à aprovação da assembleia, a companhia, seguindo a tradição de transparência na condução dos negócios, o fez, tendo comparecido à assembleia, além da Tele Celular Sul Participações, outros acionistas minoritários;

  2. os contratos de licença de uso de marca obedecem a cláusulas uniformes que sequer são questionadas ou negociadas, sendo que no caso foi levada à aprovação da assembleia o percentual de remuneração que pode variar;

  3. o percentual aprovado de 1% da receita líquida da companhia é quase uma unanimidade no mercado, tendo em vista que a legislação do imposto de renda (artigo 50 da Lei n. 8.383/1991), estabeleceu como limite máximo de remissibilidade para o exterior e dedutibilidade de despesas com pagamento de royalties o percentual de 1 % para contratos entre controlador e controlada;

  4. é raríssimo que alguma sociedade pague percentual superior a 1 % como também percentual inferior, conforme se vê dos inúmeros contratos em anexo;

Da distinção entre conflito de interesses (impedimento de votar) e abuso de direito de voto
  1. o caput do artigo 115 contempla hipótese de exercício abusivo do direito de voto respondendo o acionista pelos danos causados, nos termos do § 39;

  2. já o § 1° contempla hipótese diversa: a do impedimento de votar em determinada deliberação tendo como consequência a anulabilidade da deliberação, conforme o disposto no § 49;

  3. enquanto a existência de um conflito de interesses impede que determinado acionista vote em determinada deliberação, o exercício abusivo do direito de voto constitui uma extrapolação por parte do acionista impedido;

  4. não podem ocorrer ao mesmo tempo conflito de interesses e abuso do direito de voto, pois, ou bem o acionista tem interesse conflitante com o da companhia e por essa razão está impedido de votar em certa deliberação, ou bem tem o direito de votar e deve exercer o voto no interesse da companhia, não podendo os defendentes infringir ao mesmo tempo o caput do artigo 115 e seu § 1°;

Da ausência de conflito de interesses (§ 1° do artigo 115)
  1. conflito de interesses na legislação societária deve ser entendido como divergência ou oposição de interesses, ou seja, o acionista controlador e a companhia teriam interesses divergentes ou opostos, de forma que o prejuízo de um significaria vantagem para o outro;

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  2. ...

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