Acidentes de trabalho e doenças ocupacionais na mineração: análise de dados estatísticos gerais e específicos e da jurisprudência do TRT da 3ª Região

AutorAmauri Cesar Alves - Daniela Cristine Dias de Oliveira
Páginas23-35

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Amauri Cesar Alves1

Daniela Cristine Dias de Oliveira2

Introdução

O presente artigo pretende analisar dados estatísticos referentes aos acidentes de trabalho e doenças ocupacionais ocorridos no Brasil entre 2013 e 2015, com destaque para Minas Gerais, polo da atividade minerária no país. Importante também, do ponto de vista jurídico, analisar os julgados do TRT da 3ª Região sobre acidentes de trabalho na mineração no ano de 2017. Tais dados permitirão ao leitor compreender situações fáticas e jurídicas que vitimam trabalhadores da mine-ração em Minas Gerais e no Brasil, o que pode colaborar para a conscientização dos envolvidos, principalmente trabalhadores, e redução dos riscos inerentes à atividade, o que compete sobretudo ao empregador.

De início será importante destacar aspectos psicossociais dos acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, pois o trabalho é atividade vital ao homem e integra o processo de estruturação e formação de seu mundo psíquico. A ocorrência de um evento abrupto ou inesperado como um acidente de trabalho pode colocar a pessoa em uma posição de marginalização, excluindo-a do aspecto social e produtivo, o que em regra traz tanto impacto na vida do trabalhador quanto as sequelas físicas decorrentes de acidentes ou doenças.

Antes de compreender as especificidades da mine-ração em Minas Gerais será empreendida análise mais ampla, dos acidentes de trabalho em geral no Brasil. A expressão “acidentes de trabalho” será utilizada como gênero que comporta as espécies acidente de trabalho típico, acidente de trabalho atípico (trajeto) e doenças ocupacionais ou do trabalho.

Importante compreender os dados estatísticos à luz do princípio da proteção jurídica à saúde e segurança do trabalhador, que tem origem constitucional e deve servir de fundamento para os julgados que versam sobre a matéria, com destaque, aqui, para a jurisprudência do TRT da 3ª Região no ano de 2017.

Aspectos psicossociais dos acidentes de trabalho e doenças ocupacionais

O trabalho é atividade vital ao homem e integra o processo de estruturação e formação do mundo psíquico do sujeito, sendo que a ocorrência de um evento abrupto ou inesperado como um acidente de trabalho pode colocar a pessoa em uma posição de marginalização, excluindo-a do aspecto social e produtivo. “Em um contexto pós-moderno marcado pelo individualismo e valorização da capacidade produtiva, estar doente pode

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representar, para o trabalhador, ser indesejável ou socialmente desvalorizado”.3

Os acidentes de trabalho e as doenças ocupacionais, a depender do nível de sequelas e incapacidades instauradas, podem ser geradores de danos imateriais que afetam diretamente a autoestima, a imagem e a identidade social do trabalhador no mundo e na sociedade, acarretando sentimentos de inutilidade, já que a sociedade capitalista apenas valoriza aquele que tem capacidade de vender sua força de trabalho e que em decorrência disso pode “consumir”.

As expectativas, os sonhos, a autonomia, os papéis sociais e familiares após um acidente de trabalho necessitam ser ressignificados, sua existência é totalmente afetada, há uma inversão completa do papel do trabalhador, que deixa de ser o provedor, o chefe de família, e passa a ser o doente, o incapaz.

A perda do papel profissional acaba por determinar um certo afastamento da sociedade, o que muitas vezes pode gerar quadros depressivos graves, chegando ao nível da morte social.4

Destaca-se o adoecimento dos trabalhadores submetidos ao denominado “novo espírito do capitalismo”. A hegemonia do capital financeiro afeta e pressiona os trabalhadores, por meio de novas formas de organização das empresas e de gestão de pessoas, que cada vez mais exige dos trabalhadores competitividade, rapidez e flexibilidade. Franco, Druck e Seligmann-Silva tratam da “psicopatologia da precarização”:

Os estudos microssociais em empresas e organizações, no campo da Saúde Mental relacionada ao Trabalho, definem uma “psicopatologia da precarização”, produto da violência no ambiente de trabalho, gerada pela imposição da busca de excelência como ideologia da perfeição humana, que pressiona os trabalhadores ignorando seus limites e dificuldades, junto a uma radical defesa e implementação da flexibilidade como “norma” do presente. Isso exige uma adaptação contínua a mudanças e novas exigências de polivalência, de um indivíduo “volátil”, sem laços, sem vínculos e sem caráter, isto é, flexível.5

Os acidentes de trabalho, para além dos efeitos e consequências deletérias à saúde física e mental do trabalhador, tendem a influenciar negativamente seu espaço social, visto que a atividade laborativa em regra determina o estilo de vida e é geradora de valores e padrões de comportamentos sociais. Segundo Tomazini6

(1996):

(…) o trabalho é fonte de objetivação do ser humano e através dele os homens transformam o mundo e se transformam, enquanto sujeitos sociais. (…) O trabalho define a condição humana e situa a pessoa no complexo conjunto das representações sociais, definindo a posição do homem nas relações de produção, nas relações sociais e na sociedade como um todo.

MENDES e WÜNSCH, citadas por MARQUES, apontam que:

Ao refletirmos sobre saúde, acidente, doença e trabalho na vida dos indivíduos e da coletividade, fica cada vez mais difícil falarmos de um mundo do trabalho que pertença, unicamente, à esfera da fábrica e de outro mundo externo ao trabalho, pertencente à esfera da rua.7

No mesmo sentido, sustenta Sebastião Geraldo de Oliveira que “as condições e o meio ambiente de

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trabalho não são constituídos de fenômenos isolados, desconectados entre si e sem relação com o resto da vida do trabalhador.”8 Assim, os acidentes de trabalho não podem ser compreendidos como mero resultado de processos inerentes às atividades laborais executadas no cotidiano de um trabalhador. Da mesma forma, seus efeitos não são restritos à relação de trabalho firmada com seu contratante. Sendo assim, a proteção do trabalhador no que concerne à sua saúde e segurança no ambiente de prestação laborativa deve ser preocupação não só de empregados e empregadores, mas também do Estado e de toda a sociedade. Compreender as causas e os efeitos de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais deve ser estratégia que torna possível colaborar com a proteção laborativa almejada socialmente e preconizada constitucionalmente.

Acidentes de trabalho na mineração

O presente item compreende parte do trabalho monográfico de Daniela Cristine Dias de Oliveira9, sob orientação do Prof. Dr. Amauri Cear Alves, defendido perante banca no Departamento de Direito da Universi-dade Federal de Ouro Preto. O objetivo, aqui, é destacar os acidentes de trabalho ocorridos em Minas Gerais no período 2013-2015, com destaque para as atividades de mineração, tendo como referência mais ampla o cenário nacional. Assim, antes de compreender as especificidades da mineração em Minas Gerais será empreendida análise mais ampla dos acidentes de trabalho em geral no Brasil. A expressão “acidentes de trabalho” será utilizada como gênero que comporta as espécies acidente de trabalho típico, acidente de trabalho atípico (trajeto) e doenças ocupacionais ou do trabalho.

No Brasil, segundo dados do AEAT-201510, ocorreram 612.632 (seiscentos e doze mil, seiscentos e trinta e dois) acidentes de trabalho registrados em Comunicado de Acidentes de Trabalho (CAT) em 2015, sendo 383.663 caracterizados como acidentes típicos, 106.039 como acidentes de trajeto, com 13.240 regis-tros de doenças ocupacionais e 109.690 ocorrências sem CAT registrada. Considerando o período de 2013-2015 ocorreram 2.050.598 (dois milhões, cinquenta mil e quinhentos e noventa e oito) acidentes de trabalho, uma média de 683.000 acidentes/ano. Segundo o Sistema de Informação de Mortalidade – SIM do DATA-SUS, no período de 2012-2015 ocorreram 14.468 óbitos por acidentes de trabalho, o que representa 2,4% do total de mortes por causas externas no Brasil (612.774), entre elas óbitos por acidentes de trânsito, agressões e suicídios.11 Comparativamente, o número de mortes por ano no trânsito brasileiro é em média de 40.000 desde 2010, sendo que em média ocorrem 3.600 óbitos/ano em razão de acidentes de trabalho.12 Segundo o Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho MPT-OIT estima-se que no Brasil desde 2012 até hoje ocorre 1 acidente de trabalho a cada 51 segundos, com 1 morte em acidente a cada 3 horas, 49 minutos e 57 segundos.13 Apesar de alarmantes, estes dados não retratam a totalidade do problema no Brasil, considerando as subnotificações, sub-registros e principalmente a invisibilidade dos trabalhadores informais. Acidentes de trânsito e violência, exemplificativa e comparativamente, são em regra bem registrados e contabilizados. São objeto de campanhas, reflexões, reportagens, alertas, programas, projetos, legislações, como na verdade tem que ser mesmo. Ocorre que em sentido contrário os acidentes de trabalho, também muito significativos no Brasil, não alcançam a mídia e a preocupação coti-diana do Estado e da sociedade, ficando quase sempre restritos silenciosamente aos processos trabalhistas.

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No que se refere à frequência de acidentes de trabalho por Unidade Federativa observa-se que Minas Gerais é o segundo Estado com maior número de acidentes de trabalho (10,5% dos acidentes), patamar inferior apenas ao do Estado de São Paulo, que concentra 34,2% dos acidentes no país no período 2013-2015, conforme Gráfico 1.

Gráfico 1: Percentual de acidentes de trabalho, por UF. Brasil. 2013-2015.

Fonte: Elaborada por Daniela Cristine Dias de Oliveira, com dados extraídos de...

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