Acesso à justiça com fundamento na educação

AutorDaniela Menengoti Ribeiro - Caroline Christine Mesquita - Marcel Ferreira dos Santos
CargoDoutora em Direito-Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) com período de pesquisa (doutorado sanduíche) na Université Paris 1 - Panthéon-Sorbonne, França - Mestre em Ciências Jurídicas pelo Centro Universitário de Maringá (UNICESUMAR), bolsista da CAPES - Pós-graduado em Direito Público...
Páginas83-96

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Ver Nota123

Considerações iniciais

A sociedade, por meio da moral e dos costumes, exerce uma pressão sobre o conjunto normativo vigente. Dessa relação mutualística decorre que há um maior grau de traços de justiça nas normas jurídicas emanadas dos valores morais da sociedade vivente.

Assim sendo, as normas morais dão completude de significância às normas jurídicas, visto que aquelas se revelam axiomas fundamentais da construção destas. Os reflexos no Direito são inevitáveis, pois a arte do legislador e do juiz será a de apontar o caminho da felicidade, que justifica a existência da legislação ou da sentença.

É, portanto, de fundamental importância a influência das normas morais sobre as normas jurídicas, especialmente se observado o princípio da dignidade da pessoa humana, inserido no artigo 1º, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que é axioma estruturante, constitutivo e indicativo das ideias diretivas básicas de toda a ordem constitucional. Tal princípio ganha concretização por meio de outros princípios e regras constitucionais formando um sistema internamente harmônico, e afasta de pronto a ideia de predomínio do individualismo atomista do Direito.

Dessa maneira, se o aplicaria como leme a todo o ordenamento jurídico, compondo o sentido a este, e fulminando de inconstitucionalidade todo preceito que com ele conflite. Demonstrando a intervenção das normas morais sobre as normas sociais, na medida em que a justiça é uma exigência da moral, pois na relação entre a moral e o Direito está contida a relação entre a justiça e o Direito.

Nesse contexto, observa-se que, em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana, as autoridades competentes devem buscar, sempre, reestruturar as normas jurídicas, para que se tornem mais justas e adequadas ao corpo social, em virtude de este estar, como o Homem, em constante e ininterrupto desenvolvimento. Logo, a participação da sociedade na efetivação de uma justiça mais humana e capaz de identificar as diferenças e alavancar a justiça social, em um primeiro momento, é o ideal de justiça que se espera conquistar; em um segundo momento, para que a própria coletividade não precise sofrer perdas irreparáveis, isto é, que não se busque uma justiça tardia como em outrora, como a da Segunda Guerra Mundial.

1 Conjecturas sobre o termo justiça

Primeiramente, deve-se tecer algumas linhas gerais sobre a conceituação da justiça, visto ser uma palavra em construção imanente com o ser humano, posto ser este que lhe dá significância e sentido. Assim sendo:

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[...] nota-se que foi a vontade de justiça de cada pessoa que levou à necessidade do direito na sociedade estrutural, como regulador do justo. Nasce, assim, o direito como uma possibilidade de se alcançar a justiça. Portanto, as leis são essenciais para a vida em sociedade; o direito é fundamental para a existência da pessoa humana e a vida em sociedade em paz pela justiça. (PINTO, 2010. p. 21-22)

O conceito de justiça é entendido como uma virtude que deve ser prática e manter-se nos panoramas do meio termo (ARISTÓTELES, 2001, p. 105):

A lei bem elaborada tem ao bem retamente, ao passo que as leis elaboradas às pressas não tendem assim tão bem. […] Com efeito, a justiça é a virtude completa no mais próprio e pleno sentido do termo. […] Ela é completa porque a pessoa que a possui pode exercer sua virtude não só em relação a si mesmo, como também em relação ao próximo. (ARISTÓTELES, 2001, p. 100-101)

Portanto, a boa conduta social é o resultado da prudente eleição dos meios para que se alcance a justiça. Nessa esteira, a eleição e a decisão demonstram estar sob o domínio humano, com o seu julgamento a respeito do justo e do injusto tornase algo inerente à disposição racional e habitual direcionada para a boa ação de cada um. (MASCARO, 2012. p. 76-81)

Toda arte e toda investigação, bem como toda ação e toda escolha, visam a um bem […]; o bem é aquilo que as coisas tendem. […] esse bem supremo é a felicidade e considera que o bem viver e o bem agir equivalem a ser feliz. […] ela é o primeiro princípio, pois fazemos todas as coisas tendo-a em vista, e o primeiro princípio e causa dos bens é, […], algo louvável e divino. Uma vez que a felicidade é, então, uma atividade da alma conforme à virtude perfeita. […] chamamos de justos os atos que tendem a produzir e a preservar a felicidade e os elementos que a compõem para a sociedade política. (ARISTÓTELES, 2001. p. 1-101)

Desse modo, como interpreta Tomas de Aquino, a justiça é um modo fundamental de regulamentar as relações humanas, através do direito natural, que ao seu juízo é composto de primeiros princípios e segundos princípios. Quanto aos primeiros, são vagos, universais, evidentes e indemonstráveis, que na filosofia prática se expressam nos apotegmas “não lesar outrem, dar o devido segundo mérito, viver honestamente”, base de sindérese já reconhecida pelos romanos. Os princípios segundos são dinâmicos e se alteram de conformidade com o fluxo da experiência humana. (AQUINO, 2012. p. 28ss.) Contudo, sublinha-se que não há no pensamento aristotélico uma posição dicotômica entre justo natural e justo legal, “[...] estando ambos ligados ao justo político, participando conjuntamente da racionalização do meio-termo, como formador de leis justas e boas. Contudo, o justo natural, enquanto ideal de aperfeiçoamento da regra legislativa, atua vetorialmente sobre o legal, norteando sua reelaboração”. (ALMEIDA; BITTAR, 2010. p. 126-127)

Por isso que a riqueza do tomismo está no reconhecimento da pessoa, um estado de potência que habita o ser do homem e o põe em dinamismo, por agir livre,

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na expansão de suas riquezas ontológicas. Essa potência está presente em toda a espécie humana, portanto, há igualdade que se configura em Lei, e aqui está toda a ordem justa ínsita à natureza do ser. Cabe ao direito positivo traduzir essa lei, e toda vez que as normas humanas não fixarem, com fidelidade, o percurso da lei da natureza do ser humano, podem até ser designadas de lei, mas não serão chamadas de Direito. (AQUINO, 2012, p. 31ss)

O justo resulta da interpretação da natureza das coisas sobre a ótica do jurista. Este traduz a interação da sociedade na formação de normas morais, e toma a lei positiva como diretiva ao bem comum. “Os fenômenos da derivação e da determinação são elencados na tese do Aquinate, pelo que as normas da natureza determinam e subordinam o direito positivo de onde é derivado, inclusive no instante de sua aplicação ao caso concreto”. (ZENNI, 2006. p. 107)

Já sob a perspectiva de John Rawls, a primeira virtude das instituições sociais é a justiça,

[...] Portanto numa sociedade justa as liberdades da cidadania igual são consideradas invioláveis; os direitos assegurados pela justiça não estão sujeitos à negociação política ou ao cálculo de interesses sociais. A única coisa que nos permite aceitar uma teoria errônea é a falta de uma teoria melhor; de forma análoga, uma injustiça é tolerável somente quando é necessária para evitar uma injustiça ainda maior. Sendo virtudes primeiras das atividades humanas, a verdade e a justiça são indisponíveis. (RAWLS, 2000. p. 3-4)

Justiça, sob essas premissas, é o primeiro dos ideários humanos, visto que é buscada em todas as ações do ser. Nada obstante, o seu conteúdo objetivo seja impalpável, o reconhecimento do dever de alcançá-la, quer quanto ao conteúdo e extensão, quer quanto às formas e meios de efetivação dela na vida, é uma constante inarredável, mesmo para os mais céticos ou ignorantes. De tal modo, “[...] A tentativa de dissociar os argumentos de justiça e direitos dos argumentos da vida boa é equivocado por duas razões: primeira porque nem sempre é possível decidir questões sobre justiça e direito sem resolver importantes questões morais; segundo porque, mesmo quando isso é possível, pode não ser desejável”. (SANDEL, 2012. p. 312)

Por conseguinte,

[...] A justiça é a finalidade do direito, mas essa finalidade morre tão logo tenha dado vida ao direito, e o direito continua a viver, por mais diferente que seja de seu criador. A finalidade é causa de tornar-se, mas não causa da existência do direito; como o homúnculo de Wagner, este é imediatamente emancipado com o seu nascimento, trilha seus próprios caminhos e torna-se ele próprio finalidade, fim em si mesmo. (RADBRUCH, 1999. p. 227)

Chega-se a tal conclusão, tendo em consideração que a ética jurídica não é dogmática, isto é, circunscrita ao direito positivado, muito embora este seja o seu universo. “A ideia do...

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