O acesso à justiça e os meios de prova no processo administrativo tributário

AutorMaria do Rosário Esteves
CargoJuíza do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, Mestre e Doutora pela PUC/SP. Professora dos cursos de graduação e de pós-graduação do UNIFIEO
Páginas110-125

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Recebido em 11|12|2006 Aprovado em 15|12|2006

1 Introdução

A proposta do presente trabalho é discorrer a respeito do processo administrativo tributário como uma das possibilidades de acesso à Justiça, dando enfoque aos meios de prova admitidos pelo sistema jurídico pátrio, tais como: prova documental; prova testemunhal; prova pericial; prova por documento eletrônico e apreensão de documentos e de livros fiscais.

A Carta Magna brasileira de 1988 assegura, no processo judicial ou administrativo, o direito ao contraditório e à ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes (artigo 5º, LV). Assim, estabelece acesso à Justiça não apenas no processo judicial, mas também, o garante no processo administrativo tributário.

A lei que disciplina o processo administrativo tributário no Estado de São Paulo, Lei nº. 10.941/01, no seu artigo 19, em consonância com a Constituição Federal, prescreve que todos os meios de prova podem ser utilizados no processo administrativo, e, nesse sentido, não serão possíveis limitações infraconstitucionais aos meios de prova admitidos. Portanto, todos os meios de prova são cabíveis no processo administrativo tributário, exceto as provas obtidas por meios ilícitos, utilizando-se, no entanto, em cada caso, aquele que mais bem se adequar ao fato que se quer ver provado.

Deste modo, nesse estudo, faremos uma incursão nos meios de prova mais utilizados no processo administrativo fiscal e que, por sua vez, serão os veículos para garantir o acesso à Justiça Fiscal, tão almejada por todos, seja o Fisco, sejam os contribuintes.

2 Os meios de prova

Meios de prova são instrumentos ou veículos de produção de atos probatórios que, previstos no direito positivo, serão utilizados pelas partes com a finalidade de relatar, em linguagem jurídica, o fato social ou o evento para o convencimento do julgador. São, pois, veículos de produção de provas que, quando reconhecidos pelo sistema, introdu-

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zirão a prova enquanto resultado dessa produção, a fim de serem constituídos os fatos jurídicos, enunciados protocolares.

No processo administrativo fiscal, são aceitos como meios de produção probatória, por exemplo, provas documentais, depoimentos de testemunhas, laudos periciais etc.

O Código Tributário Nacional não estabelece regras específicas que tratem dos meios de prova cabíveis para a demonstração da existência do fato jurídico tributário.

A lei que disciplina o processo administrativo tributário no Estado de São Paulo, Lei nº 10.941/01, no seu artigo 19 estabeleceu que: "Artigo 19 - Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos obtidos de forma lícita, são hábeis para a verdade dos fatos controvertidos." (grifos nossos)

Tal enunciado prescritivo determinou que são admissíveis no processo administrativo tributário todos os meios legais, ou seja, todos aqueles que estão previstos no direito positivo. Não são quaisquer meios que demonstrarão a 'verdade' dos fatos, mas somente aqueles admitidos na forma reconhecida pelo sistema jurídico positivo. A seguir, continua o referido enunciado prescritivo, "bem como os moralmente legítimos". Ora, no momento em que os meios de prova moralmente legítimos foram previstos em dispositivo legal (no artigo 19 da Lei nº 10.941/01), apesar de não especificados, mas genericamente tratados no enunciado prescritivo, já passaram a fazer parte do ordenamento jurídico brasileiro. Quero dizer: esses meios de prova foram introduzidos no sistema jurídico brasileiro a partir da prescrição legal, são meios de prova positivados pelo legislador ordinário.

Os meios de prova moralmente legítimos admitidos são somente aqueles que forem obtidos de forma lícita. Nem poderia ser de outro modo. Nosso legislador constituinte vedou, no artigo 5º, inciso LVI da Constituição Federal, as provas obtidas de modo ilícito.

3 Os deveres instrumentais como meio de constituição de prova de fatos jurídicos tributários

A legislação tributária, a fim de assegurar à Fazenda Pública instrumentos que facilitem a verificação e a demonstração dos fatos jurídicos tributários, exige dos administrados o cumprimento de alguns deveres, denominados pela doutrina deveres instrumentais1. É por meio desses instrumentos que será produzida a maioria das provas que constituirão os fatos jurídicos tributários.

Os deveres instrumentais estão previstos em normas jurídicas gerais e abstratas com a mesma estrutura normativa das normas que prescrevem a obrigação de pagar um tributo. Consistem em deveres de fazer ou nãofazer, por exemplo prestar declarações, preencher formulários, emitir notas fiscais, escriturar de livros etc. Porém, se cumpridos no mundo em concreto pelos seus destinatários, extingue-se a relação jurídica prevista.

Apenas no caso de descumprimento dos deveres instrumentais é que o ordenamento

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jurídico pátrio prevê a expedição de norma individual e concreta pelo Poder Público. Diferentemente ocorre com a obrigação pecuniária de pagar o tributo.

Portanto, esses deveres constituirão verdadeiras provas documentais, uma vez que os registros desses deveres serão mantidos ou transmitidos por meio de documentos na forma escrita.

4 As provas documentais
4. 1 Documento - uma definição

Alguns doutrinadores, ao definirem documento, fazem-no num sentido mais restrito, dando prevalência à sua função representativa, distinguindo-o de outros elementos materiais considerados não representativos. Entendem, assim, a maioria dos autores e consideram o documento como um objeto suscetível de percepção visual, que representa um fato e tem por isso significação probatória. Nesse sentido, pensam Devis Echandía, Florian e Carlos Martínez Silva, dentre outros.2

Outros, preferem incluir no conceito de documento um caráter mais amplo, entendendo também outras formas de convicção denominadas elementos materiais, tais como os objetos do delito: arma, pedra etc. Essa linha de pensamento é adotada por Bonnier3, que considera os documentos como provas pré-constituídas, que podem "consistir em escritos ou objetos de outra natureza, mas que expresen con claridad una idea mediante signos".

A nosso ver, documento é um produto da criação de um ato humano, perceptível pelos sentidos, e representativo de um enunciado factual. Pode ser, portanto, em sentido amplo, um papel qualquer, escritos, gráficos, fotografias, quadros, arquivos magnéticos etc.

No campo jurídico, a prova documental possui função representativa que independe da forma como se apresenta. É o suporte físico representativo de um enunciado factual e que serve de demonstração jurídica de outro enunciado factual, com o qual estabelece vínculo implicacional. Admitida no processo administrativo fiscal, podemos dizer que é o resultado da criação humana, produzida de acordo com a forma e o modo previsto pelo sistema, uma vez que assumiriam características próprias ante a exigência da legislação específica de cada tributo. Temos como principal meio de prova documental do fato jurídico no direito tributário os registros contábeis, documentos escritos elaborados por procedimentos específicos, produzidos de acordo com as ciências contábeis, como veremos a seguir.

4. 2 Contabilidade como o principal meio de prova documental no direito tributário

A contabilidade é a metodologia concebida para captar, registrar, acumular, resumir e interpretar os fenômenos que afetam situações patrimoniais, financeiras e econômicas de uma pessoa física ou jurídica, pública ou

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privada. Possui duas finalidades básicas: a) a finalidade de controle e b) a finalidade de planejamento. A finalidade de controle da contabilidade é conceituada em sentido amplo, como um processo pelo qual a administração se certifica de que a organização está agindo em conformidade com os planos e políticas traçados pela administração. E a finalidade de planejamento diz respeito ao processo de decidir, ou seja, visa planejar as decisões que deverão ser tomadas no futuro.4

Os dados patrimoniais de um ente devem ser organizados e registrados de acordo com a legislação comercial e fiscal pertinente, e escriturados em livros próprios, a fim de servirem de informações confiáveis, seja para a tomada de decisões dos próprios administradores da empresa, seja para as informações de credores da organização ou até mesmo para a fiscalização da Fazenda Pública. A escrituração contábil deve obediência a princípios contábeis com base na própria filosofia contábil. Assim, escrituração é o registro dos fatos que ocorreram no patrimônio, em ordem cronológica, expressos em valores monetários e separados em grupos homogêneos, a fim de informar aos usuários quais os diversos componentes do patrimônio e suas variações.5

É, portanto, a técnica contábil utilizada para registros dos fatos administrativos (contábeis) ocorridos em uma entidade.

A legislação tributária, em diversos momentos, previu a escrituração, em livros próprios, das operações e prestações realizadas pelos contribuintes, por pessoas jurídicas a fim de facilitar a fiscalização e a arrecadação das exações.

A questão contábil é jurídica, uma vez que, reconhecida pelo direito, é a prova admitida pelo sistema jurídico tributário para o reconhecimento do fato jurídico.

A norma...

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