Considerações acerca da proteção ao consumidor nos contratos eletrônicos - Balances concerning the protection to the consumer in electronic contracts

AutorFlávio Alves Martins
CargoMestre em Direito Civil e Doutor em Filosofia do Direito, Professor-Adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
114
Fernando Carlomagno
Revista Jurídica Logos, São Paulo, n. 2, p. 95-114, 2006 115
Revista Jurídica Logos, São Paulo, n. 2, p. 115-131, 2006
Considerações acerca da proteção ao consumidor nos contratos eletrônicos
CHAVES, Antônio.
Direito à vida e ao próprio corpo
: intersexualismo, transexualismo,
transplante. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.
CHIMENTI, Ricardo Cunha et al.
Curso de Direito Constitucional
. São Paulo: Saraiva,
2004.
CLASSIFICAÇÃO Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à
Saúde (CID). 10 – Décima Revisão. [198-].
DICIONÁRIO
on-line
Michaelis. Disponível em: . Acesso
em: 10 mar. 2006.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo.
Novo curso de direito civil
:
parte
geral. São Paulo: Saraiva, 2002.
MORAES, Maria Celina Bodin. A tutela do nome da pessoa humana.
Revista Brasileira
de Direito de Família.
IBDFAM, Síntese, ano II, n. 7, out./nov. 2000.
ORGANIZAÇÃO Mundial da Saúde (OMS). Disponível em: . Acesso em:
12 ago. 2005. Traduzimos.
PERES, Ana Paula Ariston Barion.
Transexualismo
: o direito a uma nova identidade
sexual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
ROSPIGLIOSI, Enrique Varsi. Bioética, genoma y derechos humanos: efectivizando la
protección de la humanidad. Disponível em:
mat18.htm>. Acesso em: 25 ago. 2005.
SEGATTO, Cristiane. Nasce uma mulher.
Revista Época
. Disponível em
. Acesso em: 10
mar. 2006.
SILVA, Maria do Carmo de Andrade.
Desenvolvimento da identidade sócio-sexual
humana
. Departamento de Psicologia, Universidade Gama Filho, 1983. Dissertação de
Mestrado em Psicologia.
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR
NOS CONTRATOS ELETRÔNICOS
BALANCES CONCERNING THE PROTECTION TO THE CONSUMER
IN ELECTRONIC CONTRACTS
Flávio Alves Martins*
Resumo: este artigo apresenta algumas reflexões acerca dos direitos do
consumidor de “segunda geração”, isto é, da necessidade de proteção aos
vulneráveis nas relações contratuais pela Internet. Mesmo que ocorram por
meio eletrônico, deve-se aplicar às relações consumeristas os mesmos efeitos
evitando-se, assim, que a falta de regulamentação possa traduzir-se em
prejuízos aos interesses e conseqüente desrespeito a um direito fundamental
e a um princípio da atividade econômica. Apresentam-se, ainda, algumas
experiências estrangeiras e as propostas em tramitação no Congresso Nacional
acerca da matéria.
Palavras-chave: Contrato. Internet. Consumidor.
Abstract: this article presents some reflections concerning the rights
of the consumer of “second generation”, that is, of the necessity of protection
to the vulnerable ones in the contractual relations for the InterNet. Exactly
that it occurs for half electronic, it must be applied to the “consumeristas”
relations the same effect and guarantees foreseen in the Code of Defense
of the Consumer (Law 8078/90), preventing, thus, that the regulation lack
can express damages to the interests and consequence disrespect to a
basic right and a principle of the economic activity. They are presented, still,
some foreign experiences and the proposals in transaction in the National
Congress concerning the substance.
Keywords: Contract. InterNet. Consuming.
1. ASPECTOS GERAIS ACERCA DA CONTRATAÇÃO PELA INTERNET
O número de usuários que acessam a Internet
(rede mundial de
computadores, o mundo do
world wide web
) é cada vez maior e, para que
possam usufruir as informações e os benefícios advindos da rede ou para que
* Mestre em Direito Civil e Doutor em Filosofia do Direito, Professor-Adjunto da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Membro da Comissão Permanente de Direito da
Comunicação e Informática do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).
116 117
Flávio Alves Martins
Revista Jurídica Logos, São Paulo, n. 2, p. 115-131, 2006
Considerações acerca da proteção ao consumidor nos contratos eletrônicos
Revista Jurídica Logos, São Paulo, n. 2, p. 115-131, 2006
possam realizar negócios, é necessário preencher eletronicamente
questionários com seus dados pessoais. Como serão, então, utilizadas essas
informações? E, no caso da contratação de um serviço ou do fornecimento
de um produto, qual a proteção que as partes terão? Essas são algumas
dúvidas que ainda atormentam os que desejam contratar pela Internet
.
A primeira expressão de contratação por meio digital surgiu há mais de 20
anos com o referido
Eletronic Data Interchange
(EDI), a troca eletrônica de
informações mediante a utilização de computadores. Esse sistema,
computer-
to-computer
, rapidamente ingressou no comércio mundial.
Com o desenvolvimento tecnológico, além desse meio, os contratos
passaram a ser celebrados por outros bastante utilizados na Internet, como
a troca de mensagens pelo correio eletrônico (
e-mail
) e o oferecimento de
propostas em uma
página (homepage)
ou em ambiente digital (mantido
pelo provedor e também conhecido por “estabelecimento virtual”), nos quais
a aceitação da outra parte pode ser expressa pela pressão de um botão
“concordo” na tela do computador (o chamado
click-wrap agreement
ou
point-and-click agreement
).
Nesse sentido, o
local
(
site)
criado para a venda de produtos ou prestação
de serviços é considerado uma parte componente do estabelecimento, com
natureza idêntica à do exemplar físico que o opera. O estabelecimento eletrônico
(em Inglês,
cyberstore
ou
virtual store
)
“possui idêntica natureza jurídica que
o físico, podendo-se falar em fundo de comércio e título de estabelecimento
(este expresso no nome de domínio)” (COELHO, 1999, p. 32).
Essa atuação dos provedores, de um lado, e dos usuários, de outro,
pode caracterizar a existência de um contrato de consumo. Tanto o provedor
de acesso, que se obriga a prestar serviços de conexão e de transmissão de
informações, quanto o de conteúdo, que oferta e comercializa bens, serviços
e informações, estabelecem uma relação de consumo com o usuário da Internet.
Se a contratação eletrônica enquadra-se nos chamados contratos em
massa ou de consumo, como enfrentar eventuais problemas contratuais em
uma sociedade de massa e, simultaneamente, globalizada?
A maioria das transações eletrônicas realizadas atualmente baseia-se em
acordos aceitos pressionando-se apenas uma tecla da
webpage
, que constitui
uma regra admissível com base no costume negocial e na conduta das partes.
Quanto ao conteúdo, todavia, esse contrato não difere de outro qualquer
na maioria dos aspectos: a utilização de cláusulas gerais, o que o caracteriza
como um contrato em massa, mediante a adesão a condições gerais de
contratação pré-estipuladas.
Nesse caso, alguns autores consideram que aos contratos eletrônicos
aplicam-se regras existentes em nosso ordenamento jurídico, como as que
tradicionalmente são utilizadas para os contratos em geral (Código Civil – CC)
e no Direito do Consumidor em particular (Lei n. 8.078/90Código de
Outros entendem que, para o crescimento equilibrado do comércio
eletrônico, urge a necessidade da criação de normas para as transações
realizadas por computadores, sendo indispensável que essa regulamentação
reconheça a complexidade da contratação por esse meio, adaptando os
princípios gerais do Direito às particularidades resultantes dessas transações.
Consideramos que, observados os elementos essenciais ou requisitos
de validade do ato jurídico (art. 104 do CC), os contratos celebrados pela
rede produzem os mesmos efeitos jurídicos dos tradicionais; mesmo para os
contratos denominados solenes ou formais, não há diferença essencial entre
o documento eletrônico e o tradicional (em papel). Utiliza-se a certificação
eletrônica nesse caso.
Para colaborar com a eliminação da insegurança jurídica acerca da
efetividade desses contratos, existem algumas normas que podem ser
utilizadas, além de propostas que podem ser aplicadas no caso de lacunas
em nosso ordenamento jurídico, como a Lei Modelo sobre o Comércio
Eletrônico da Comissão da Organização das Nações Unidas para o Direito do
Comércio Internacional (Uncitral), que iguala os contratos eletrônicos aos
outros sob o ponto de vista legal.
Há, também, Projetos de Lei (PL) em tramitação no Congresso Nacional
que devem ser objeto de análise e crítica, sob pena de termos um emaranhado
de dispositivos que apenas trarão confusão e discussões jurídicas insolúveis,
pois uma das prioridades do jurista e da produção científico-jurídica deve ser
produzir o conhecimento necessário à elaboração de novos modelos jurídicos
que atendam às necessidades do desenvolvimento brasileiro.
Atualmente, o Brasil está entre os 10 maiores países em número de
usuários de Internet no mundo. A importância do comércio eletrônico verifica-
se, principalmente, em escala mundial. As vantagens da Internet são inegáveis,
mas esse meio tem em si alguns males, como a invasão de privacidade e a
falta de regras mais claras que protejam os que desejam utilizar a rede para
realizar contratos. No Brasil, as principais reclamações dos consumidores têm
sido o atraso na entrega de mercadoria e a invasão de
sites por hackers
e
crackers
(ARTIGO..., 2000).1
É fundamental, portanto, que sejam apresentadas soluções para os
conflitos de interesses nessa área do Direito obrigacional, conferindo-se
segurança a essas relações jurídicas, pois, sob uma perspectiva funcionalista,
o Direito deve ser dinâmico e responder eficazmente às mudanças que se
verificam e aos anseios da sociedade produzidos por essa revolução
tecnológica.
118 119
Flávio Alves Martins
Revista Jurídica Logos, São Paulo, n. 2, p. 115-131, 2006
Considerações acerca da proteção ao consumidor nos contratos eletrônicos
Revista Jurídica Logos, São Paulo, n. 2, p. 115-131, 2006
A proteção contratual do consumidor que utiliza a Internet é necessária,
pois há lesões que pode sofrer. Quanto ao conteúdo, uma lesão comum é a
utilização de cláusulas gerais e abusivas (leoninas), como as que prorrogam a
jurisdição, as que invertem o ônus da prova (do fornecedor), as que limitam
os direitos do consumidor (cláusulas de não indenizar) ou as que, por fim,
atentem contra a legislação de proteção ao consumidor no Direito brasileiro,
a qual, por presunção absoluta, considera essas condições nulas de pleno
direito (arts. 51 a 53 do CDC).
Outro modo de lesão ao consumidor é a publicidade enganosa, como a
técnica denominada
metatag
, que consiste na utilização de palavras-chave
nos
searchers
(buscadores), de maneira indevida, isto é, incluir palavras
bastante utilizadas para que o consumidor acesse-as, mesmo que nada tenham
com o conteúdo por ele procurado.
2. TENTATIVAS DE PROTEÇÃO
No âmbito mundial, a primeira tentativa concreta de proteção às partes
e de regulamentação é a Lei Modelo sobre o Comércio Eletrônico da Uncitral,
que objetiva a adaptação da legislação de vários países. Prevê, no art. 1.º,
que seu conteúdo aplica-se a qualquer tipo de informação na forma de
mensagem eletrônica usada no contexto de atividades comerciais;
prudentemente destaca, porém, nas notas ao artigo citado, que não afasta
qualquer regra interna que se destine à proteção do consumidor.
Quanto à forma do contrato eletrônico, não há uma previsão para a sua
exigência. Em seu art. 6.º, a Lei Modelo dispõe que, se a lei requer que a
informação seja fornecida por escrito, essa exigência é alcançada se a
informação contida na mensagem é acessível para ser utilizada em futuras
referências. Preconiza, portanto, a denominada
equivalência funcional
,
equiparando, para fins de validade jurídica, a mensagem eletrônica a qualquer
documento tradicional.
Adota, ainda, o princípio da
neutralidade tecnológica
, ou seja, reconhece
que, em relação às assinaturas eletrônicas, não se pode deixar de prever a
adoção de novas tecnologias que possam ser disponibilizadas futuramente.
Note-se, por exemplo, que, se a criptografia2 tornar-se obsoleta, poderá
provocar um “engessamento” da norma jurídica, por isso é preferível dotar a
figura da autenticação das mensagens eletrônicas com maior flexibilidade.
O Direito norte-americano também tem procurado regulamentar as
relações pela Internet.
Das primeiras tentativas, a mais conhecida e que tem
sido fonte para outros ordenamentos é a
Digital Signature Act
(Utah, 1995),
que trata da assinatura digital, reconhecendo a infra-estrutura de chave
pública (
PKI
) ou criptografia assimétrica como o modo para se validar um
documento eletrônico.
Atualmente, todavia, a mais importante maneira de regulamentação é a
Lei das Assinaturas Eletrônicas no Comércio,
em vigor desde 1.º de outubro
de 2000. Esse diploma legal, também conhecido por
E-sign
, concede à assinatura
eletrônica o mesmo
status
legal (os mesmos efeitos legais) da assinatura em
papel, desvinculando-se de sua tradicional exigibilidade, ou seja, adota a
orientação da Lei Modelo da Uncitral quanto à equivalência funcional.
Esse diploma legal vai mais além:
• estabelece a proteção ao consumidor, prevendo que o uso de registros
e assinaturas eletrônicas deve ser validado desde que haja o consentimento
afirmativo, após ser informado da abrangência e do significado do uso do
meio eletrônico. Garante, ainda, a possibilidade de o consumidor retirar
seu consentimento (art. 101, c);
• adota o reconhecimento da
neutralidade tecnológica
, atribuindo
importância à criptografia assimétrica ou de chave pública (
PKI
), sem,
entretanto, excluir a possibilidade de se utilizarem outras tecnologias,
abraçando outras maneiras de assinaturas eletrônicas que se tornem
disponíveis no futuro e que sejam mais eficazes.
Outra importante tentativa de regulamentação está nas Propostas de Diretiva
do Parlamento Europeu, que são indicadores das atividades legislativas de cada
Estado-membro. Duas diretivas podem ser utilizadas pelos que se interessam
pela regulamentação dos contratos pela Internet: a Diretiva 97/7/CE (relativa à
proteção dos consumidores nos contratos a distância) e a Diretiva 2000/31/CE.
Especificamente sobre comércio eletrônico, há a Diretiva 2000/31/CE,
vigendo desde 17 de julho de 20003. Essa medida iguala os contratos eletrônicos
a todos os outros sob o ponto de vista legal e exige que os Estados-membros
assegurem que não sejam criados obstáculos à sua utilização, salvo em casos
especiais, como nos Direitos de Família, Sucessório e Imobiliário (art. 9.º).
Exige, ainda, que os operadores
on-line
ofereçam informações claras sobre
sua identidade (arts. 5.º e 6.º) e alude à necessidade de se garantir um elevado
nível de proteção de defesa do consumidor, a partir de propósitos como:
• a imposição de obrigações de informação e de transparência aos
operadores de modo a facilitar aos consumidores para que possam
tomar decisões esclarecidas (art. 10);
• a obrigação de o fornecedor confirmar o recebimento do pedido do
consumidor, sem atrasos injustificados e por meio eletrônico (art. 11);
• a previsão de novas garantias nas relações contratuais, destacando-
se a de fornecer meios aos usuários para que possam corrigir erros de
manipulação, identificar com clareza o momento do perfazimento do
contrato e a necessidade de o prestador de bens ou de serviços
emitir um aviso de recepção da aceitação da oferta.
120 121
Flávio Alves Martins
Revista Jurídica Logos, São Paulo, n. 2, p. 115-131, 2006
Considerações acerca da proteção ao consumidor nos contratos eletrônicos
Revista Jurídica Logos, São Paulo, n. 2, p. 115-131, 2006
Uma terceira importante e mais recente Diretiva é a 2002/58/CE,
segundo a qual, desde outubro de 2006, os Estados-membros devem
harmonizar seus respectivos ordenamentos ao combate ao
spam
4.
3. REGULAMENTAÇÃO NO BRASIL
A Constituição Federal (CF) afirma que nosso Estado Democrático de
Direito funda-se, entre outros, nos princípios da dignidade da pessoa humana
e da livre iniciativa, os quais devem condicionar a atividade econômica para a
construção de uma sociedade justa e solidária (art. 3.º, I). Dela, um dos
aspectos relevantes é a defesa do consumidor, quer como um direito
fundamental (art. 5.º, XXXII), quer como um dos princípios gerais da atividade
econômica (art. 170, V).
Não há, entretanto, apesar da preocupação em se conferir segurança a
esse tipo de contratação, dispositivos legais infraconstitucionais à proteção e
defesa do consumidor nos contratos celebrados pela Internet
.
A principal proposta de regulamentação é o PL n. 4.906/2001, que
tem, dentre outras características, a transnacionalidade, admitindo
certificações estrangeiras (art. 47), e a adoção da criptografia assimétrica.
Quanto à proteção e defesa do consumidor, o Capítulo II, Título V, do
Projeto é todo dedicado a isso, realçando que se aplicam ao comércio
eletrônico as normas do CDC:
Art. 30. Aplicam-se ao comércio eletrônico as normas de defesa e
proteção do consumidor vigentes no País.
Art. 31. A oferta de bens, serviços ou informações por meio eletrônico
deve ser realizada em ambiente seguro, devidamente certificado, e
deve conter claras e inequívocas informações sobre:
I – nome ou razão social do ofertante;
II – número de inscrição do ofertante no respectivo cadastro geral do
Ministério da Fazenda e, em se tratando de serviço sujeito a regime de
profissão regulamentada, o número de inscrição no órgão fiscalizador
ou regulamentador;
III – domicílio ou sede do ofertante;
IV – identificação e sede do provedor de serviços de armazenamento
de dados;
V – número de telefone e endereço eletrônico para contato com o
ofertante, bem como instruções precisas para o exercício do direito de
arrependimento;
VI – tratamento e armazenamento, pelo ofertante, do contrato ou das
informações fornecidas pelo destinatário da oferta;
VII – instruções para arquivamento do contrato eletrônico pelo
aceitante, bem como para sua recuperação em caso de necessidade; e
VIII – sistemas de segurança empregados na operação.
Art. 32. Para o cumprimento dos procedimentos e prazos previstos na
legislação de proteção e defesa do consumidor, os adquirentes de
bens, serviços e informações por meio eletrônico poderão se utilizar da
mesma via de comunicação adotada na contratação para efetivar
notificações e intimações extra-judiciais.
§ 1.º Para os fins do disposto no
caput
deste artigo, os ofertantes
deverão, no próprio espaço que serviu para o oferecimento de bens,
serviços e informações, colocar à disposição dos consumidores área
específica, de fácil identificação, que permita o armazenamento das
notificações ou intimações, com a respectiva data de envio, para efeito
de comprovação.
§ 2.º O ofertante deverá transmitir uma resposta automática aos
pedidos, mensagens, notificações e intimações que lhe forem enviados
eletronicamente, comprovando o recebimento.
Circunstância fundamental da contratação pela Internet
é a distância entre
as partes para o fechamento do negócio. Alguns autores consideram que há
uma “contratação entre ausentes em tempo real” (TUCCI, 2000, p. 275),
enquanto outros entendem que há uma celebração entre presentes: “el
tiempo transcurrido entre la oferta y la aceptación puede convertirse em
irrisório. Por este motivo el contrato electrónico está más cerca de la
contratación entre presentes que entre ausentes” (TUCCI, 2000, p. 275,
nota 5).
Importante preocupação na celebração dos contratos eletrônicos é a
certeza da identidade das partes contratantes. A solução apresentada nos
arts. 3.º e 4.º do projeto é a assinatura eletrônica que, em nosso Direito,
fundamenta-se apenas na chamada assinatura digital por criptografia
assimétrica
(ou de chave pública):
Art. 3.º Não serão negados efeitos jurídicos, validade e eficácia ao
documento eletrônico, pelo simples fato de apresentar-se em forma
eletrônica.
Art. 4.º As declarações constantes de documento eletrônico presumem-
se verdadeiras em relação ao signatário, nos termos do Código Civil,
desde que a assinatura digital:
I – seja única e exclusiva para o documento assinado;
II – seja passível de verificação pública;
III – seja gerada com chave privada cuja titularidade esteja certificada
por autoridade certificadora credenciada e seja mantida sob o exclusivo
controle do signatário;
122 123
Flávio Alves Martins
Revista Jurídica Logos, São Paulo, n. 2, p. 115-131, 2006
Considerações acerca da proteção ao consumidor nos contratos eletrônicos
Revista Jurídica Logos, São Paulo, n. 2, p. 115-131, 2006
IV – esteja ligada ao documento eletrônico de tal modo que se o conteúdo
deste se alterar, a assinatura digital estará invalidada;
V – não tenha sido gerada posteriormente à expiração, revogação ou
suspensão das chaves.
Por esse sistema, considera-se original o documento assinado (para a
identificação de seu autor) mediante sistema criptográfico de chave pública;
apesar de reconhecer esse tipo de tecnologia para autenticação de
assinaturas digitais, porém, acompanha a proposta da Uncitral a
neutralidade
tecnológica
com
fórmula aberta
(outras tecnologias equiparáveis que
atendam aos mesmos fins).
Aos contratos celebrados pela rede, além dos princípios aplicáveis aos
contratos tradicionais (previstos no CC e na Lei n. 8.078/90), podem ser
aplicados os princípios:
da identificação do remetente;
do impedimento de rejeição (ou do não-repúdio) ou comprovação
inequívoca do recebimento;
da verificação, com o armazenamento para comprovação futura (se
necessário);
da privacidade;
da autenticação.5
Outra questão a se problematizar é a utilização indevida das informações
prestadas, atentando contra a privacidade de dados e a relação entre usuários,
provedores e portais em redes eletrônicas. A CF estabelece como um dos
direitos fundamentais da pessoa o direito à privacidade (art. 5.º, X); no
plano infraconstitucional, contudo, a estruturação e a comercialização de
cadastros não estão regulamentadas, salvo no art. 43 do CDC.
Deve-se assegurar a privacidade dos usuários, ficando os provedores,
portais e assemelhados com a imposição de multa no caso de utilização sem
o consentimento prévio do consumidor.
Nesse sentido, importante destacar o art. 33 do PL n. 4.906/2001, que
trata da responsabilidade do ofertante caso venha a solicitar, divulgar ou ceder
informações de caráter privado, relativas ao destinatário, as quais deve manter
em sigilo, salvo se expressa e previamente autorizado pelo titular a fazê-lo ou
mediante ordem judicial (nesse caso, serão mantidas em segredo de justiça),
e que o intermediário deverá guardar sigilo sobre as informações transmitidas
e sobre as armazenadas que não se destinem ao conhecimento público.
No comércio eletrônico, outra dúvida é saber se a responsabilidade
pelo produto ou serviço alcança o proprietário do portal ou somente o
fornecedor. O PL n. 4.906/2001 prevê responsabilidade do ofertante, com
a possibilidade de ação regressiva, de acordo com os arts. 35 a 37.
Sobre essa discussão, Santos (2000, p. 201) esclarece que
tem sido sustentado que o intermediário que fornece serviços de
conexão ou de transmissão de informações ou que disponibiliza para o
ofertante serviços de armazenamento de arquivos e sistemas para
operacionalização da oferta de contratação eletrônica não é responsável
pelo conteúdo das informações transmitidas ou armazenadas [...] nos
casos em que o provedor de acesso, em razão de serviços por ele
prestados, vier a causar prejuízos às partes de uma contratação
eletrônica, a responsabilidade do provedor subsistirá, ainda que não
responda pelo negócio jurídico celebrado entre o consumidor e o
provedor de conteúdo. Embora intermediário [...] será responsável
pelos prejuízos que sua ação ou omissão vier a causar, como prestador
dos serviços de conexão e transmissão de informações.
Um dos fenômenos que mostrou crescimento mais rápido foi o da prática
conhecida como
spam
, isto é, ter sua caixa de
e-mail
invadida por mensagens
não requisitadas, enviadas a partir de uma lista de endereços6. Além de
ineficiente, pode ser prejudicial ao consumidor, que perde tempo e pode
gastar impulsos telefônicos para apagar essas mensagens. Os EUA e a União
Européia adotam a punição civil e caminham em direção à criminal.
Segundo a Associação Brasileira de Provedores de Acesso (Abranet),
no Brasil, o prejuízo com recebimento de
spam
chega a incríveis
R$ 90.000.000,00 mensais7.
Um dos apensos do PL n. 4.906/2001, o PL n. 1.589/99, prevê que
aquele que se dispuser a praticar
spam
deve informar o caráter de sua
mensagem, sob pena de vir a responder por perdas e danos por solicitar,
divulgar ou ceder informações (art. 33 do PL n. 4.906/2001). Também podem
ser citados o PL n. 367/2003 (Senado), que visa coibir a utilização de
mensagens comerciais não solicitadas por meio da rede eletrônica, e o PL
n. 2.186/2003.
Quanto aos deveres, quem pretende ofertar produtos e serviços pela
Internet deve se preocupar com as informações sobre eles. Essas informações
são obrigatórias na página.
Na publicidade pela Internet, o nome e o endereço postal do fornecedor
devem constar, assim como o número do estoque (quanto ao oferecimento
de produto); as ofertas feitas no estrangeiro, porém, não precisam apresentar
idioma português, pois não se sujeitam à legislação brasileira.
124 125
Flávio Alves Martins
Revista Jurídica Logos, São Paulo, n. 2, p. 115-131, 2006
Considerações acerca da proteção ao consumidor nos contratos eletrônicos
Revista Jurídica Logos, São Paulo, n. 2, p. 115-131, 2006
Outra importante preocupação refere-se à segurança do
site
utilizado
pelo consumidor contra invasões de
hackers
ou
crackers
. Esse fato pode
gerar sérios prejuízos a quem acessa uma determinada página objetivando
estabelecer relações contratuais de consumo. Dentre os principais exemplos
de casos de invasão, destacam-se:
• a interceptação de mensagens encaminhadas por
e-mail
;
• a colheita não autorizada de dados pessoais do consumidor;
a utilização de senhas alheias para acesso a determinados serviços;
• a interceptação de dados relativos a cartões de crédito/bancários;
• a apropriação de documentos enviados pela Internet;
a comercialização com terceiros das informações, dados e documentos
coletados, sem autorização;
• a destruição ou inutilização de
software
por vírus.
Apesar dos esforços, como a criação de barreiras de proteção
firewall
ou assemelhados, a “genialidade” de quem se propõe a invadir
sites
é
indiscutível. Isso, entretanto, não tem sido considerado pela doutrina uma
possibilidade de fato necessário (caso de força maior, especificamente) que
poderia ser utilizado como uma excludente de responsabilidade dos provedores
ou responsáveis pela página da WEB,
cujo propósito é eximir-se de arcar
com os prováveis prejuízos do consumidor que acessa o
site
.
Esse é, por exemplo, o entendimento de Simão Filho (2000, p. 110-111),
o qual corroboramos nessa visão e, considerando-se o estágio atual, “a invocação
da excludente para fins de não responsabilização daquele prestador de serviços
e/ou fornecedor de bens em ambiente de Internet, a nosso ver não se adapta
nem à natureza jurídica do instituto [...] força maior”.
Observe-se, ainda, que os arts. 30 e 31 do CDC (Lei n. 8.078/90)
mantêm a responsabilidade do fornecedor ante a oferta veiculada e a
obrigatoriedade do
dever de informar
, ou seja, cabe a quem oferece produtos
ou serviços a obrigação legal de informar sobre todos os aspectos referentes,
direta ou indiretamente, ao produto ou ao serviço e os riscos que possam
apresentar à segurança.
Dificilmente será afastada, portanto, a responsabilidade de quem explora a
prestação de serviços ou vende produtos por
site
, salvo se houver a culpa
concorrente do próprio consumidor, prevista nos arts. 12, § 3.º, III, e 14, § 3.º,
II, do CDC, como no caso de uma pessoa acessar um
site
de cuja invasão
tinha conhecimento e, mesmo assim, o faz com a finalidade de sofrer algum
dano para, posteriormente, buscar uma indenização.
Quem disponibiliza produtos/serviços pela Internet, então, deve propiciar
ao consumidor todas as informações relevantes para que ele possa entender
sobre a segurança e usar a sua autonomia para realizar a contratação específica.
Por fim, apenas para registro, quanto ao
marketing
na Internet, também
há preocupação com essa atividade. Os Projetos de Lei em tramitação, todavia,
não tratam desse aspecto fundamental do exercício do comércio eletrônico;
devem ser aplicadas, portanto, as regras contidas no texto do CDC, que
prevê dois tipos de publicidade as quais contrariam os interesses dos
consumidores e, por isso, devem sofrer sanções: a
enganosa
, aquela que
conduz o consumidor ao erro (art. 37, § 1.º), e a
abusiva
(art. 37, § 2.º),
aquela que agride valores sociais, constitucionalmente protegidos.
4. BOA-FÉ E CONTRATOS ELETRÔNICOS
O respeito ao CDC, instituído e reconhecido pela sociedade como um
instrumento adequado à resolução de conflitos e resguardo de interesses,
conduz à afirmação de que também a contratação pela Internet fundamenta-
se em princípios jurídicos como o da boa-fé objetiva, ou seja, a interpretação
deve considerar o contexto do comércio eletrônico, o dinâmico progresso
dos instrumentos tecnológicos e a boa-fé das relações comerciais.
Essa boa-fé como princípio não se refere a um ponto de vista psicológico,
que é a convicção que se procede com a certeza da existência do próprio
direito, mas a um ponto de vista ético, que significa a consideração dos
interesses alheios.
A segurança, que é um dos valores fundamentais, é essencial para o
intercâmbio jurídico-patrimonial que interessa ao Direito das Obrigações e
tem, em sua base, a relação de confiança. Nos negócios jurídicos, entretanto,
pode haver um campo lacunoso em que nem a lei nem o contrato possa
auxiliar e nos quais apenas uma conduta leal mútua, isto é, pautada na boa-
fé, deverá ser cumprida (MARTINS, 2002, p. 73).
O dever de observar uma conduta correta do contrato explicita-se em
uma série de obrigações que impõem a lealdade e a correção nos negócios,
inclusive nos eletrônicos e pela Internet.
Qualquer das partes tem o dever de informar as circunstâncias que a
outra possa ignorar e que sejam determinantes na manifestação do consenso,
momento em que se forma o contrato por meio da união de declarações
receptícias das vontades dos contraentes (proposta e aceitação).
O dever de informação (indicação ou esclarecimento) pode dizer respeito
à comunicação que uma parte deve fazer à outra de circunstâncias ignoradas,
imperfeita ou incompletamente conhecidas.
126 127
Flávio Alves Martins
Revista Jurídica Logos, São Paulo, n. 2, p. 115-131, 2006
Considerações acerca da proteção ao consumidor nos contratos eletrônicos
Revista Jurídica Logos, São Paulo, n. 2, p. 115-131, 2006
A oferta deve conter informações inequívocas; há necessidade, portanto,
de se prestarem todas as informações prévias sobre o ofertante, a sistemática
de contratação eletrônica e o bem, serviço ou informação, aplicando-se,
subsidiariamente, os arts. 30 e 31 do CDC.
Devem as partes informar, respondendo correta e plenamente às
perguntas formuladas pela outra; devem, também, não abusar da
impossibilidade da outra em se auto-informar ante à complexidade técnica
e à especialização do negócio, ou decorrente da inexperiência negocial.
A informação, atividade essencialmente pré-contratual, deve ainda,
levar em consideração ter ou não, a outra parte, alguma peculiaridade
que mereça alguma proteção como, por exemplo, ser incauto (menor
de idade), ter dificuldades com o idioma (estrangeiro) ou ser portador
de algum defeito físico (problemas de visão)... Outro critério, é verificar
o abuso da confiança depositada por uma das partes à outra em virtude
da continuidade ou da freqüência de relações (MARTINS, 2002, p. 78-79).
Se a publicidade é o conjunto de processos destinados a atrair a atenção
do público, informando sobre um produto, um serviço ou uma ação,
para convencê-lo a comprá-lo, utilizá-lo ou dela participar, ao optar por
uma forma de publicidade deve o fornecedor sujeitar-se a deveres
decorrentes da lei, bem como comportar-se de forma ética, observando
a boa-fé e os bons costumes. Nisso encontram-se os fundamentos
para a proibição da publicidade enganosa ou abusiva, por ser
frustradora das expectativas do consumidor; agir dessa forma é não
agir conforme a boa-fé objetiva (MARTINS, 2002, p. 80).
A Lei n. 8.078/90 impõe ao fornecedor o dever de prestar todas as
informações, inclusive técnicas e científicas, sobre o produto ou serviço (art. 12
c. c. o art. 36 do CDC) e a proibição da publicidade enganosa.
A boa-fé projeta-se, também, no cumprimento das obrigações, sejam
as de prestação (principais), sejam as de conduta (ou acessórias – mais
intimamente ligadas à boa-fé objetiva), e no exercício do direito. A idéia é a
de se assegurar uma adequada execução do ordenamento obrigacional, com
vistas à realização dos interesses nele co-envolvidos.
Por último, observe-se que, se a boa-fé deve existir na conclusão, na
execução, não se pode esquecer o pós-contrato. Mesmo após o
encerramento do contrato, há que se exigir das partes boa-fé ou
responsabilidade
post factum finitum
, como na proibição de utilização, sem a
prévia e expressa autorização, dos dados do consumidor (fundamentais na
contratação pela Internet) em outros cadastros.
5. ALGUMAS QUESTÕES IMPORTANTES
Entendemos que essa contratação terá validade desde que atenda aos
elementos essenciais (requisitos de validade) de qualquer ato em nosso
ordenamento jurídico, à possibilidade de identificação do emitente da vontade
registrada e aos princípios da autenticidade e da integridade do documento
eletrônico utilizado, ou seja, a
equivalência funcional
(art. 6.º da Lei Modelo
de Comércio Eletrônico da Uncitral) que equipara a mensagem eletrônica a
qualquer documento tradicional para fins de validade jurídica.
Destarte, a publicidade veiculada pela Internet
constitui oferta, vinculando
o fornecedor predisponente à responsabilidade civil objetiva. Podemos afirmar,
além disso, que suas principais obrigações são, sob pena de atuação
incompatível com a boa-fé objetiva:
• redigir claramente o texto contratual;
• prestar todas as informações pertinentes ao contrato e ao serviço ou
produto;
não utilizar cláusulas consideradas abusivas;
• permitir o direito de arrependimento em sete dias, tendo em vista
ser contrato realizado a distância (art. 49 do CDC);
• admitir a inversão do
onus probandi
;
manter as informações em sigilo e responder pelo uso indevido, mesmo
que por terceiros não autorizados8;
• informar elementos de contatos futuros para reclamações ou mais
pedidos de informações.
Há algumas questões que suscitam dúvidas entre os operadores do Direito:
Qual a legislação aplicável e qual o foro a apreciar essa questão?
A contratação pela Internet é um fenômeno globalizante e de efeitos
mundiais; não há fronteiras. O Brasil, portanto, deve acompanhar essa nova
realidade, enfrentando-a e apresentando caminhos e soluções, sob pena de
entregarmos os consumidores brasileiros exclusivamente à vontade dos
fornecedores, principalmente estrangeiros.
Caracterizada a relação de consumo, se for celebrado no Brasil, aplica-se
o CDC, não há dúvida, mesmo que a página eletrônica (
web page
) do
proponente esteja armazenada no exterior, às operações comerciais realizadas
no Brasil por meio da Internet, ainda que tenha como contratante uma
parte estrangeira.
Outra possibilidade de solução, porém subsidiária, é a da regulamentação
híbrida, na qual se destacam as experiências dos
Mecanismos Alternativos
128 129
Flávio Alves Martins
Revista Jurídica Logos, São Paulo, n. 2, p. 115-131, 2006
Considerações acerca da proteção ao consumidor nos contratos eletrônicos
Revista Jurídica Logos, São Paulo, n. 2, p. 115-131, 2006
de Resolução de Disputas
, bastante utilizados nos EUA, com a adoção de
mediação ou arbitragem. Essa medida também está prevista no PL n. 4.906/2001,
dispensando-se a obrigatoriedade da concordância expressa do aderente
• Qual a norma a aplicar se houver conflito nos contratos eletrônicos?
Para se evitarem discussões intermináveis no comércio internacional,
existem as experiências dos
Mecanismos Alternativos de Resolução de Disputas
(em Inglês,
ADR
) para os que enfrentam problemas com o consumo
on-line
,
utilizando-se foros criados para resolver esses problemas de maneira alternativa,
colateral aos mecanismos oficiais e, às vezes, mais efetivos.
Nos EUA, existem instituições como a
WebTrader
e a
NovaForum
atuando
ora com a mediação ora com a arbitragem; no Parlamento Europeu, há um
projeto exigindo que os
sites
de comércio eletrônico se filiem a pelo menos
dois órgãos de resolução alternativa de disputas.
O próprio PL n. 4.906/2001 prevê, em seu art. 48, a possibilidade de as
partes optarem por essa alternativa, ou melhor, pela arbitragem.
Entendemos que, se ficar caracterizado ser um contrato de consumo,
deve-se adotar o CDC, pois a norma que faculta ao consumidor o direito de
acionar o fornecedor em seu próprio domicílio tem caráter imperativo. Caso
o fornecedor não tenha representante no Brasil, no entanto, a executividade
dessa sentença poderia restar prejudicada.
Caracterizada uma relação de consumo, portanto, se uma empresa
estabelecida no Brasil fizer ofertas pela Internet, o Judiciário considerará e
aplicará o CDC, mesmo que a página eletrônica (
web page
) do proponente
esteja armazenada no exterior.
• E se um incapaz celebrar contrato pela Internet?
A propagação da Internet aumenta a possibilidade de casos de contratos
serem concluídos por usuários incapazes (um processo fácil para a maioria), o
que acarreta a nulidade do ato. Os riscos dessa celebração devem correr por
conta dos fornecedores. Para se evitar isso, o fornecedor na Internet deve,
para diminuir seus riscos, incluir no formulário de sua
homepage
a pergunta
sobre a idade do consumidor e o aviso expresso de que não serão celebrados
contratos com menores (
si minor se maiorem dixerit vel probatus fuerit
). Se
isso ocorrer, os responsáveis pelo incapaz responderão pelos prejuízos causados
à outra parte ou a terceiros.
Um contrato ou documento eletrônico tem a mesma validade jurídica
dos tradicionais?
Mesmo que os contratos sejam formais/solenes, não há diferença
essencial entre o documento eletrônico e o documento tradicional (em
papel). Para isso, utiliza-se a certificação eletrônica. Sob esse aspecto, alguns
ordenamentos preferiram introduzir um conceito de assinatura eletrônica
lato sensu
,
indicando os requisitos mínimos que a tecnologia ou o sistema a
ser utilizado, qualquer que seja, deve garantir. O Brasil optou pelo processo
mais conhecido, a assinatura digital por criptografia assimétrica a ser
reconhecida por autoridade certificadora e, atendendo à recomendação da
melhor doutrina, acompanha a proposta da Uncitral à
neutralidade tecnológica
com
fórmula aberta
(outras tecnologias equiparáveis que atendam aos mesmos
fins), conforme dispõe o parágrafo único do art. 2.º do PL n. 4.906/2001.
Evita-se, dessa maneira, um sério problema: a morosidade nomogenética
em comparação com o avanço tecnológico da comunicação de dados; qualquer
norma jurídica deve se fundamentar em conceitos genéricos que permitam
uma adequação à nova realidade, sob pena de cair em desuso, por defasagem.
Se as informações prestadas pela Internet forem cedidas
indevidamente, haverá responsabilidade?
Caso o ofertante venha a solicitar, divulgar ou ceder informações de
caráter privado, relativas ao destinatário, as quais deve manter em sigilo,
deverá responder por isso, salvo se expressa e previamente autorizado pelo
titular a fazê-lo ou mediante ordem judicial.
• É possível os provedores de acesso ou proprietários de
sites
beneficiarem-se da excludente de responsabilidade com o argumento
de invasão do sistema por
crackers
?
Não pode ser tratada como excludente, pois é previsível e, por isso,
evitável. No comércio eletrônico, a questão é saber se a responsabilidade
pelo produto ou serviço alcança o proprietário do portal ou somente o
fornecedor, com a possibilidade de ação regressiva.
Afirmamos, então, que a contratação pela Internet
deve ser estudada
sob dois aspectos: quanto à
formação
e quanto à
execução
. Sob o primeiro,
devem ser observados os requisitos de validade de qualquer outro ato jurídico,
a possibilidade de identificação do emitente da vontade registrada
(autenticidade), a integridade (que não seja alterada por terceiro) e o não-
repúdio. Quanto ao segundo aspecto, o da execução do contrato,
entendemos que se deva exigir a boa-fé objetiva em todas as suas fases e
até mesmo nas tratativas ou no pós-contrato (
post factum finitum
), como
também a utilização do CDC para garantir a proteção do hipossuficiente.
Quanto ao
marketing
na Internet, devem ser aplicadas as regras contidas
no texto do CDC, evitando-se, conforme foi explicado, as publicidades
enganosa e abusiva.
Por fim, o interesse social e o desenvolvimento científico estão
conjugados e refletem-se no Direito. Se sua função é ser dinâmico,
130 131
Flávio Alves Martins
Revista Jurídica Logos, São Paulo, n. 2, p. 115-131, 2006
Considerações acerca da proteção ao consumidor nos contratos eletrônicos
Revista Jurídica Logos, São Paulo, n. 2, p. 115-131, 2006
respondendo eficazmente às mudanças e aos anseios da sociedade, é
relevante que realizemos um trabalho com esse enfoque, demonstrando
que a contratação pela Internet
produz efeitos jurídicos como qualquer outra,
mesmo que o contrato seja considerado formal ou solene, e que a boa-fé
objetiva pode ser aplicada nessa relação jurídica como relação de consumo,
atribuindo às partes maior proteção, pois o exercício de seus direitos e o
cumprimento de suas obrigações estão condicionados a regras objetivamente
dispostas na lei, que as retirou dos valores, objetivos fundamentais da
sociedade, como a justiça e a segurança jurídica.
Reafirmamos a importância da utilização (pelas partes) e da aplicação
(pelo julgador) da boa-fé objetiva no contrato pela Internet, refletindo,
então, os dispositivos constitucionais da dignidade da pessoa humana e da
livre iniciativa que condicionam a atividade econômica para a construção de
uma sociedade mais justa, na qual sejam respeitados os direitos fundamentais,
como o do consumidor.
Impõe-se ao jurista, ao pesquisador do Direito, acompanhar sua evolução,
ditada pela sociedade, e dar-lhe complemento de acordo com as mutações.
NOTAS
1 Pesquisa realizada pela Internet Security Systems
(ISS), uma das maiores empresas
de segurança da WEB, indica que menos de 5% das companhias com foco em
comércio eletrônico desenvolvem políticas de segurança efetivas.
2 Constituída por um selo eletrônico, é o resultado de um processamento eletrônico de
dados. É a tecnologia que utiliza um par de chaves distintas e interdependentes, de
modo que a mensagem enviada seja codificada, garantindo a autoria e a autenticidade.
3 Mais informações em .
4 Envio de mensagens comerciais ou não para vários endereços eletrônicos, sem que
haja uma autorização.
5 Para comprovação de autoria e integridade, o conteúdo assinado mediante a utilização
de chaves emitidas por Autoridade Certificadora credenciada pela Infra-Estrutura
de Chaves Públicas Brasileira presume-se verdadeiro em relação aos signatários, o
que não obsta a utilização de outro modo para comprovação, desde que admitido
pelas partes como válido (MP n. 2200-2/01 – www.icpbrasil.gov.br).
6 Meio técnico conhecido por
cookie
, ou seja, fichário no qual são armazenados, pelos
servidores, endereços, hábitos e preferências dos que os acessam.
7 Ver www.brasilantispam.org.
8 É dever do fornecedor proteger os dados e as informações pessoais dos consumidores,
não podendo repassá-los a terceiros, salvo se expressamente autorizado, sendo
abusiva qualquer cláusula que imponha ao consumidor a obrigação de manifestar-se
contra a transferência de seus dados a terceiros (Portaria SDE).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[ARTIGO sobre comércio eletrônico].
Jornal do Commercio
, [Rio de Janeiro], 10 maio
2000. Internet & Ci@.
COELHO, Fábio Ulhoa. O estabelecimento virtual e o endereço eletrônico. In: TRIBUNA
do direito. São Paulo, nov. 1999.
MARTINS, Flávio Alves; MACEDO, Humberto Paim.
Internet e direito do consumidor
.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
SANTOS, Manoel J. Pereira dos. Contratos eletrônicos.
In: ROVER, Aires José (Org.).
Direito, sociedade e informática
: limites e perspectives da vida digital. Florianópolis:
Fundação Boiteaux, 2000.
SIMÃO FILHO, Adalberto. Dano ao consumidor por invasão do
site
ou da rede. In:
DIREITO & internet. São Paulo: Edipro/IBCI, 2000.
TUCCI, José Rogério Cruz e.
Eficácia probatória dos contratos celebrados pela internet
.
São Paulo: Edipro/IBCI, 2000.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT