Ação Rescisória no 512 / Distrito Federal - Pretensão à abstenção de uso de marca e sua natureza real (Jurisprudência comentada)

AutorEstevan Lo Ré Pousada
Ocupação do AutorBacharel, Mestre (2006) e Doutor ('summa cum laude') em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (2010)
Páginas249-315

Page 249

Estudo previamente publicado na Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro 146 (2007), pp. 189-229.

AÇÃO RESCISÓRIA Nº 512 – DISTRITO FEDERAL (96/0036725-6)1**RELATOR: MIN. WALDEMAR ZVEITER

REVISOR: MIN. BARROS MONTEIRO
AUTOR: ALL LÁTEX INDÚSTRIA DE ARTIGOS ESPORTIVOS LTDA. ADVOGADO: JOSÉ CARLOS TINOCO SOARES E OUTROS RÉU: ASICS CORPORATION
ADVOGADO: NEWTON SILVEIRA E OUTROS

EMENTA

AÇÃO RESCISÓRIA – VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI – INOCORRÊNCIA – AÇÃO VISANDO A ABSTENÇÃO DE USO DE MARCA COMERCIAL COM PEDIDO DE REVISÃO DA SÚMULA 142/STJ, ACOLHIDO POR MAIORIA PARA REVOGÁ-LA.

I – Rescisória improcedente, por inocorrência do pressuposto autorizador do art. 485, V do CPC.

II – Acolhido o pedido de revisão da Súmula 142/STJ, que resta revogada por decisão majoritária.

III – Perda do depósito em favor do réu. Custas e honorários de 10% sobre o valor da causa.

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ACÓRDÃO


Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os senhores Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, julgar improcedente a ação, e, por maioria, cancelar a Súmula 142 desta Corte.

O depósito reverter-se-á ao réu. Custas em 10% (dez por cento) do valor da causa, bem como, os honorários do patrono do réu, ambos pelo autor.

Votaram com o Relator os Srs. Ministros Barros Monteiro, César Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar, Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito, Nilson Naves e Eduardo Ribeiro.

Ressalvado o ponto de vista do Sr. Ministro César Asfor Rocha que entendia inadmissível a ação.

Restou vencido quanto ao cancelamento da Súmula 142, bem como, na reversão do depósito, o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.

Sustentou oralmente o Dr. José Carlos Tinoco Soares, pelo autor.

Brasília, 12 de maio de 1999 (data do julgamento).

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Presidente.

Ministro Waldemar Zveiter, Relator.

AÇÃO RESCISÓRIA Nº 512/ DISTRITO FEDERAL

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO WALDEMAR ZVEITER:


ALL LATEX INDÚSTRIA DE ARTIGOS ESPORTIVOS LTDA. ajuíza a presente ação rescisória, com fulcro no artigo 485, V, do CPC, objetivando a desconstituição do decidido no REsp nº 23.732-8, relator Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, cujo acórdão guarda a seguinte ementa (fis. 68):

“MARCA. Prescrição.

Ação para reparação dos danos causados por uso indevido de marca prescreve em cinco anos (art. 178, § 10, IX, C. Civil); a ação fundada na obrigação de não fazer, visando a cessação do uso da marca de propriedade da autora, prescreve em vinte anos (art. 177 do Ccivil).

Apelo conhecido e provido para reconhecer e2prescrição qüinqüenal”.

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Alega violação a literal disposição de lei, ao ter o acórdão rescindendo aplicado ao caso o disposto no artigo 177, do Código Civil, em lugar do que dispõe o artigo 178, § 10, IX, do mesmo diploma legal, sustentando serem qüinqüenais os prazos, tanto para propor ação de indenização pelo uso indevido de marca, quanto para requerer a abstenção de seu uso, ou seja, para pleitear uma obrigação de não fazer.

Além de propor revisão da Súmula nº 142, desta Corte, a autora discorre sobre o direito de propriedade, distinção entre direitos reais e pessoais e a prescrição sobre eles incidente e colaciona julgados do STF e deste STJ em abono a sua tese. Contestação às fis. 190/197; réplica às fis. 199/205; razões finais às fis. 240/241 e 243/250 e parecer da douta Subprocuradoria-Geral da república às fis. 252/260, pela improcedência da Rescisória.
É o relatório.

AÇÃO RESCISÓRIA Nº 512/ DISTRITO FEDERAL

EMENTA

AÇÃO RESCISÓRIA – VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI – INOCORRÊNCIA – AÇÃO VISANDO A ABSTENÇÃO DE USO DE MARCA COMERCIAL COM PEDIDO DE REVISÃO DA SÚMULA 142/STJ, ACOLHIDO POR MAIORIA PARA REVOGÁ-LA.

I – Rescisória improcedente, por inocorrência do pressuposto autorizador do art. 485, V do CPC.

II – Acolhido o pedido de revisão da Súmula 142/STJ, que resta revogada por decisão majoritária.

III – Perda do depósito em favor do réu. Custas e honorários de 10% sobre o valor da causa.

VOTO

A matéria em destaque consiste em saber qual o prazo prescricional para exigir a abstenção do uso de nome ou marca comercial, tendo o acórdão rescindendo adotado a vintenária, enquanto a Autora pugna pela aplicação do prazo qüinqüenal.

Rejeito o pedido de revisão da Súmula 142/STJ no âmbito desta ação rescisória, que desacolho por não ver presente o pressuposto do art. 485, V do CPC, em que se arrimou.

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Nesse mesmo sentido está o parecer da douta Subprocuradoria-Geral da República que adoto como razões de decidir, verbis (fis. 256/260):

“O direito de propriedade, é certo, corresponde a um direito real, na esteira do elenco encartado no art. 674, do Código Civil.

O direito à marca industrial ou comercial é um direito de propriedade, como se depreende do inc. XXIX, do art. 5º, da Constituição Federal.

O direito de propriedade, como óbvio, recai sobre a res e não sobre uma outra pessoa, como ocorre com os direitos obrigacionais. Nestes, ainda que a relação jurídica tenha por objeto uma coisa, como, verbi gratia, na compra e venda” (cf. SERPA LOPES, ‘Curso de Direito Civil’, Livraria Freitas Bastos S.A., 1960, 3a edição, Vol. III, nº 177, pág. 256), não há a ocorrência de um ius in re, senão, apenas, uma obrigação a vincular as partes contratantes.

Da mesma forma, ainda que a obrigação derive do direito de propriedade, como a do direito real que possui o seu proprietário – credor – de que determinada pessoa – devedor – abstenha-se da utilização do bem, essa relação jurídica é sempre pessoal. É o escólio de PONTES DE MIRANDA (‘Tratado de Direito Privado’, Parte Especial, Tomo XXII, Editor Borsoi, Rio de Janeiro, 3a edição, 1971, pág. 15):

A relação jurídica a que correspondem os direitos reais recai sobre a coisa, a res, razão por que pode ser entre o titular do direito e todos: não tem de incidir em ato positivo ou negativo de determinada pessoa, o que a personalizaria. O poder, o senhorio exclusivo, sobre a coisa está ligado a isso. Na relação jurídica do direito pessoal há objeto que está no patrimônio do devedor e é devido, ou é devido como ato do devedor; na relação jurídica do direito real, o objeto está no patrimônio do sujeito ativo, de jeito que os sujeitos passivos só devem a abstenção, o atendimento, o respeito. No patrimônio desses o objeto não está , está no patrimônio do credor a pretensão a que o objeto venha a ele. O objeto pode ainda não existir, ter de ser feito pelo devedor (contrato de obra ou de serviço, contrato de trabalho, encomenda de livro, ou de obra de arte).’
(negritos não originais)

Assim, consistindo a pretensão de abstenção do uso de marca em uma obrigação de não fazer, não se poderá falar em direito real, pois obrigação implica, com a exceção das obrigações propter rem, direito pessoal, prestação. ORLANDO GOMES (‘Obrigações’, Forense, Rio de Janeiro, 1984, 7a ed., págs. 11/12), pontifica:

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‘A obrigação pertence à categoria das relações jurídicas de natureza pessoal.
...

Elemento decisivo do conceito é a prestação. Para constituir uma relação obrigacional, uma das partes tem de se comprometer a dare, facere ou praestare, como esclareceu o jurisconsulto PAULO, isto é a transferir a propriedade de um bem ou outro direito real, a praticar ou a abster-se de qualquer ato ou a entregar alguma coisa sem constituir direito real’.
(grifos originais)

De todo o exposto, é de se concluir que, posto decorrente do direito de marca industrial, a faculdade do proprietário quanto a exigir de outrem a abstenção de seu uso se insere no campo dos direitos obrigacionais e não no dos direitos reais. Daí, o primeiro dos fundamentos da improcedência da presente ação rescisória. Com efeito, quer a autora que, ante a só circunstância de o direito sobre a marca constituir-se em direito real, também as obrigações daí derivadas, inclusive, as de abstenção ao seu uso indevido, sejam também reais, o que é de todo em todo inadmissível.

Da mesma forma, não prospera, também, a tese levantada na presente ação de desconstituição, quanto a serem unos os prazos para a ação de abstenção ao uso indevido de marca industrial e para a ação de indenização decorrente de tal ilicitude. No pertinente ao tema do lapso prescricional, esse nobre Superior Tribunal de Justiça, por reiteradas vezes, tem-se manifestado em sentido idêntico ao da decisão rescindenda, conforme se depreende das seguintes ementas:

‘NOME COMERCIAL. AÇÃO DE PRECEITO COMINATÓRIO E AÇÃO PARA RESSARCIMENTO DOS PREJUÍZOS CAUSADOS PELO USO INDEVIDO. PRESCRIÇÃO. A ação cominatória objetivando fazer cessar o uso comercial prescreve em vinte anos, não incidindo o art. 178, § 10, inc. IX, do Código Civil, invocável tão só na demanda para ressarcimento dos danos causados pelo uso indevido. Recurso conhecido em parte, mas improvido.’
(REsp 2476-RJ, Rel. Min. ANTÔNIO TORREÃO BRAZ, DJ 12.6.93, pág. 17.626) ‘MARCA. USO INDEVIDO. AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE USO. PRESCRIÇÃO.

A ação para impedir o uso indevido de marca prescreve em 20 anos(art. 177, do CC); a de reparação de danos daí derivados é que tem a prescrição qüinqüenal (art. 178, § 10 inc. IX, do CC).

Recurso conhecido e provido.’
(REsp 30.727-SP, Rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, DJ 13.03.95, pág.
5.299).”

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