Ação rescisória eleitoral

AutorDaniel Castro Gomes da Costa - Tarcisio Vieira de Carvalho Neto
Páginas217-237

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1. Pressupostos e conceito de ação rescisória

Inicialmente, para fins de identificação do que venha ser ação rescisória eleitoral, torna-se necessário proceder a uma análise prévia de todos os pressupostos que cercam esse instituto processual.

Por meio da ação rescisória, almeja-se o desfazimento de coisa julgada material anteriormente formada em outro processo, o que faz da sentença rescindenda um ato apenas anulável, porquanto, produzindo efeitos, não é passível de nulidade absoluta.

Valiosa é a contribuição de Pontes de Miranda, após enfatizar que a ação rescisória não se passa dentro do processo em que fora proferida a decisão rescindenda, já que:

Nasce fora, em plano pré-processual, desenvolve-se em torno da decisão rescindenda, e, somente ao desconstituí-la, cortá-la, rescindi-la, é que se abre, no extremo da relação jurídica processual examinada, se se trata de decisão terminativa do feito, com julgamento, ou não, do mérito, ou desde algum momento dela, ou no seu próprio começo (e.g., vício de citação, art. 485, II, V) a relação jurisdicional. Abrindo-a, o juízo rescindente penetra no processo em que se proferiu a decisão rescindida e instaura o iudicium rescissorium, que é nova cognição de mérito.1Dessa forma, tem-se que a coisa julgada, no direito eleitoral, não atesta a impossibilidade de rediscussão na esfera judicial, haja vista que, no prazo de cento e vinte dias, ainda subsiste a provocação da tutela jurisdicional para plei-tear a desconstituição da sentença e a consequente renovação da apreciação do mérito, contudo, observados os taxativos pressupostos legais específicos.

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A ação rescisória no direito processual civil, além dos pressupostos genéricos, está submetida ao primado da reserva legal, sendo admissível quando presente um dos pressupostos específicos arrolados no artigo 485, do CPC, que se subdividem em duas ordens, quais sejam, (i) vícios provenientes das atividades jurisdicionais e (ii) vícios decorrentes da atuação das partes.

Os primeiros vícios são concebidos a partir do interesse da administração da justiça, achando-se a prestação da tutela jurisdicional marcada pela prevaricação, concussão, corrupção, impedimento ou incompetência do juiz, pela violação literal de disposição legal e pela ofensa à coisa julgada.

Por outro lado, na segunda categoria de vício, encontram-se as sentenças proferidas com erros induzidos pelas partes, compondo-se do dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou da colusão entre as partes a fim de fraudar a lei; as sentenças fundamentadas em prova falsa apurada em processo criminal ou provadas na própria ação rescisórias, os pronunciamentos de mérito fundados em erro de fato e, ainda, quando a parte tenha obtido documento novo, cuja existência ignorava ou não pode ser usada dotado de capacidade, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável e evidenciado fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação em que se baseou a sentença.

No Direito Eleitoral, a Lei Complementar 86/1996, acrescentou ao artigo 22, I, "j", do Código Eleitoral, a inelegibilidade como pressuposto especial, o qual deverá ser conjugado com um dos pressupostos específicos do Código de Processo Civil para o conhecimento e julgamento do pleito no sentido de desfazimento da coisa julgada material formada em outro processo.

Dessa forma, chega-se à conclusão não se cuidar de um recurso, mas sim, de uma ação constitutiva negativa ou desconstitutiva de um pronunciamento de mérito firmado pelo juízo em uma pretensão deduzida em juízo anterior-mente quando evidenciado um dos fundamentos de rescindibilidade arrolados no artigo 485, do CPC, e que tenha como objeto a análise da inelegibilidade.

2. Objeto da ação

Dispõe o artigo 22, I, "j", do Código Eleitoral, competir ao Tribunal Superior Eleitoral processar e julgar originariamente "a ação rescisória, nos casos de inelegibilidade, desde que intentada dentro de cento e vinte dias de decisão irrecorrível, possibilitando-se o exercício do mandato eletivo até o seu trânsito em julgado".

Do supracitado dispositivo legal, extrai-se que o objeto da ação rescisória constitui no desfazimento da coisa julgada e na declaração de inelegibilidade,

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de onde se extrai que o bem jurídico tutelado é o exercício dos direitos políticos negativos.

Os direitos políticos negativos individualizam-se ao definirem enunciados restritivos e impeditivos das atividades político-partidárias, privando, dessa forma, o cidadão do exercício de seus direitos políticos no sentido de eleger um candidato (ius sufragii) ou de ser eleito (ius honorum), devendo-se estar atento que, para fins de apresentação do objeto da ação rescisória, torna-se indispensável a identificação do termo inelegibilidade contida no pressuposto especial da supracitada ação.

José Afonso da Silva adverte receberam essa designação aquelas:

(...) determinações constitucionais que, de uma forma ou de outra, importem em privar o cidadão do direito de participação no processo político e nos órgãos governamentais. São negativos precisamente porque consistem no conjunto de regras que negam, ao cidadão, o direito de eleger, ou de ser eleito, ou de exercer atividade político-partidária ou de exercer função pública. Os direitos políticos negativos compõem-se, portanto, das regras que privam o cidadão, pela perda definitiva ou temporária (suspensão), da totalidade dos direitos políticos de votar e ser votado, bem como daquelas regras que determinam restrições à elegibilidade do cidadão, em certas circunstâncias: as inelegibilidades.2Recorrendo-se aos enunciados contidos no texto da Constituição Federal, tem-se que a elegibilidade deve observar os pressupostos (i) positivos, cuidando-se das qualificações que um eleitor deve necessariamente possuir para concorrer a um cargo eletivo, devidamente delineado no artigo 14, § 3º, da Carta Magna3, e (ii) negativos, consistentes em ausência de vícios ou impedimentos ao exercício dos direitos políticos, cujas restrições se efetiva por meio da

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inelegibilidade em sentido estrito (artigo 1º, Lei Complementar nº 64/1990) e das incompatibilidades.

Rogério Carlos Born adverte que "as condições de elegibilidade são as habilitações mínimas exigidas do pretendente a um cargo eletivo e decorrem da capacidade para o exercício dos direitos políticos passivos".4No artigo 1º, I, da LC nº 64/1990, está explicitado a inelegibilidade em sentido estrito, distinguindo-as das condições de elegibilidade e das incompatibilidades, ante o caráter sancionatório, já que são tipificadas como infração política, devidamente acompanhada de uma penalidade consistente na suspensão dos direitos políticos negativos por um período, variável em conformidade com a gravidade da conduta.

Diante dessa variação terminológica, dúvidas surgiram com relação à abrangência do termo inelegibilidade, constante no pressuposto especial da ação rescisória eleitoral.

Num primeiro momento, o Tribunal Superior Eleitoral, quando do julgamento da Ação Rescisória nº 12/19975, por maioria, acabou por manifestar-se no sentido de cabimento da ação rescisória contra decisão que declara a elegibilidade e a inelegibilidade de um cidadão.

Para tanto, acolheu-se o raciocínio desenvolvido pelo Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, no sentido da necessidade de ser recorrer ao instituto da analogia e da interpretação teleológica para fins de identificação do

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objeto da ação rescisória, em especial pelo fato de que o cidadão somente goza do direito político de ser votado quando preenche as condições de elegibilidade (pressupostos positivos) e não incorre em qualquer das causas relativas às inelegibilidades (pressupostos negativos).

Assim, a ação rescisória abarcaria "as hipóteses de falta de condição de inelegibilidade potencializando, portanto, até mesmo o direito de se participar de um pleito", apanhando, assim, "aqueles casos em que o candidato se torna inelegível por não atender uma condição".

Segundo essa corrente, considerando que o bem jurídico que o legislador protege por meio das ações rescisórias são os direitos políticos materiais (votar e ser votado) como direitos fundamentais de primeira geração, a aferição de sentido ao termo "inelegibilidade", pressuposto especial daquela demanda, deve ter em conta os efeitos da inelegibilidade no rol dos direitos políticos do cidadão. Assim, admissível a ação rescisória em face de decisões que aplicam as inelegibilidades absolutas e relativas previstas na Constituição, as inelegibilidades em sentido estrito ou incompatibilidades previstas na Lei Complementar no 64/1990 e as que reconhecem a carência de condições de elegibilidade.

Aqui, oportuno destacar que a defesa firmada pelo Ministro José Néri da Silveira no sentido de que não ser passível de ampliação o âmbito da ação rescisória. Dessa forma, incabível seria a retro pretensão quando a matéria em exame versasse sobre condição de elegibilidade, em especial pelo fato de (1) a Constituição Federal ter estabelecido distinção entre condição de elegibilidade e as hipóteses de inelegibilidade, prevendo, inclusive, a possibilidade de instituição de outros casos de inelegibilidade por meio de lei complementar, e (2) a LC 86/1990 ter restringir o âmbito da ação rescisória apenas aos casos de inelegibilidade, o Tribunal Superior Eleitoral,

Hodiernamente, o Tribunal Superior Eleitoral6acabou por revisar o pronunciamento firmado com relação ao cabimento da ação rescisória, sob a fun-

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damentação de que a supracitada pretensão deve ser aceita como uma medida excepcional na Justiça Eleitoral, uma vez ser essa dotada de particularidades que sobrelevam a importância da celeridade e da segurança de suas decisões.

Logo, passou-se a entender que maior estabilidade se...

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