Ação regressiva acidentária coletiva

AutorFernando Maciel
Ocupação do AutorProcurador Federal em Brasília/DF. Mestre em Prevenção e Proteção de Riscos Laborais pela Universidade de Alcalá (Espanha)
Páginas214-222

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A partir da experiência obtida com a atuação prioritária e estratégica adotada nos últimos anos em matéria de ARA individuais, o INSS/AGU passou a identificar situações em que uma mesma conduta negligente em relação às normas de SST praticada por uma determinada empresa em sua linha de produção acarretava inúmeros casos de doenças ocupacionais que vitimavam seus trabalhadores, o que redundava na concessão de vários benefícios acidentários (auxílio-doença, aposentadoria por invalidez etc.) que derivam de uma mesma causa imputável a esse empregador.

Objetivando o ressarcimento dessa despesa previdenciária, ao invés de ingressar com inúmeras ARAs individuais que terão como objeto a mesma causa de pedir, o INSS/AGU pode promover uma única Ação Regressiva Coletiva - ARC, pela qual irá postular a condenação da empresa a indenizar o montante total suportado pela autarquia previdenciária a título de benefícios acidentários.

Oportuno registrar que, de acordo com a doutrina pátria308, tecnicamente a ARC não se enquadra no conceito de uma típica ação coletiva, pois tal instituto jurídico é definido como a ação proposta por qualquer legitimado, autorizado por lei, objetivando a tutela de interesses coletivos lato sensu, ou seja, de direitos difusos, coletivos stricto sensu ou individuais homogêneos, nos termos do preconizado no art. 81, parágrafo único, da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), in verbis:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

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I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

A ARC não apresenta tais requisitos, mas sim consubstancia uma cumulação objetiva de pedidos que o INSS postula em uma determinada ação, o que encontra fundamento legal no art. 292, § 1º, do CPC/73309. Referido dispositivo permite que, em uma única relação processual, vários pedidos possam ser formulados contra o mesmo réu, conforme verificamos a partir da literalidade desse preceito legal:

Art. 292. É permitida a cumulação, num único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão.

§ 1º São requisitos de admissibilidade da cumulação:

I - que os pedidos sejam compatíveis entre si;

II - que seja competente para conhecer deles o mesmo juízo;

III - que seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento.

Com efeito, por haver compatibilidade entre os pedidos de ressarcimento dos benefícios acidentários concedidos em virtude da conduta culposa de um determinado empregador, pretensão ressarcitória essa que deve observar idêntico procedimento processual e ser julgada pelo mesmo juízo, verifica-se a perfeita viabilidade jurídica de o INSS pleitear um ressarcimento conjunto de benefícios que derivam de uma mesma causa imputável ao empregador, circunstância que serviria de fundamento para a inserção do vocábulo "coletiva" ao final da expressão ARA.

Ultrapassada essa questão técnico-conceitual, não podemos perder de vista que a propositura de uma ARC apresenta muitas vantagens processuais, notadamente por otimizar a prestação jurisdicional, pois ao invés de o Poder Judiciário receber inúmeras ARAs individuais promovidas contra a mesma empresa, em uma única sentença, a qual resultará de uma única instrução processual, o Juiz poderá decidir a causa composta por inúmeras relações jurídicas conexas, medida que positiva o preceito constitucional que preconiza a celeridade da prestação jurisdicional, qual seja o art. 5º, LXXVIII, da CF/88310.

Considerando que a atuação proativa do INSS/AGU em matéria de ARA somente teve início em 2008, foi necessário o transcurso de quatro anos para que

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a primeira ARC fosse ajuizada no Brasil, o qual resultou de um trabalho em parceria com os Auditores Fiscais da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Rio Grande do Sul - SRTE-RS do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE.

Trata-se do processo número 5054054-96.2012.4.04.7100, ajuizado em 24.9.12 perante a 4ª Vara Federal de Porto Alegre. Por intermédio dessa ação o INSS pleiteou o ressarcimento de 111 benefícios (auxílios-doenças) que foram concedidos a trabalhadores de um frigorífico localizado no interior do Rio Grande do Sul, o qual vinha negligenciando a observância das normas de SST e, dessa forma, contribuindo culposamente para o surgimento de doenças ocupacionais.

Conforme referido na petição inicial da ARC, apesar de o histórico de afastamentos ocupacionais da empresa-ré nos últimos anos ter sido bastante expressivo e destoante da média dos demais setores econômicos, nessa ação o foco foi bem restrito, tendo por objeto apenas os benefícios acidentários concedidos aos empregados que desempenham o cargo de abatedor (CBO 848505), os quais foram submetidos às mesmas condições ergonomicamente inadequadas de trabalho que lhes acarretaram moléstias ocupacionais classificadas em três grandes grupos patológicos, quais sejam: mononeuropatias dos membros superiores311

(G56 a G569); tenossinovites, sinovites e tendinites do membro superior312 (M65 a M659); e lesões nos ombros313 (M75 a M759).

Com efeito, foi a origem comum e, por que não dizer, epidemiológica das moléstias ocupacionais a que os trabalhadores da empresa-ré foram submetidos, que justificou a reunião de todos os casos numa única ARC.

A culpa da empresa-ré pela ocorrência das doenças ocupacionais que vitimaram os segurados da Previdência Social foi fartamente demonstrada no Relatório de Fiscalização do Trabalho produzido pelos Auditores Fiscais da SRTERS/MTE.

Referido laudo resultou de mais de uma dezena de inspeções nos locais de trabalho, retratando com clareza e objetividade a organização operacional da empresa-ré, a partir da coleta de dados, registros fotográficos e audiovisuais,

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entrevistas com trabalhadores e chefias intermediárias, observação direta dos postos de trabalho, análise de documentos, análise histórica da unidade nos registros do MTE, análise ergonômica do trabalho de quatro postos, medições psicométricas...

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