Ação judicial a favor da bacia hidrográfica do rio doce

AutorLafayette Garcia Novaes Sobrinho
Páginas219-252
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RBDA, SALVADOR, V.13, N. 01, PP. 219-252,  2018 |
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Nasci no fundo do tempo
Tudo que palpita vida...
Nasceu de mim...
Compadeço da alegria excessiva
Até a tristeza profunda
Sou tênue como
A gota do orvalho
Também sou muito forte
Como o jorro da cachoeira
Participo em tudo que se movimenta
Do sangue até as nuvens
Por isso faço nas veias da terra
Minha principal manifestação, os rios.
Onde buscam em mim
Energia, comida, bebida, lazer...
E devolvem...
Parte minha deteriorada e maltratada...
Estou pensando...
De onde sairá minha última gota...
Espero que não seja dos seus olhos,
Lamentando a minha morte!
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Músico e Escritor
A   , neste ato represen-
tada pela , pessoa jurídica de direito
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| RBDA, SALVADOR, V.13, N. 01, PP. 219-252,  2018
ajuíza ação em face da , pessoa jurídica de di-
reito público, e do , pessoa jurídica de
direito público, para a  do  
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, com a
de representantes de instituições acadêmicas e dos
povos (indígenas ou não).
“Nós somos água; e talvez a gente esteja perdendo tanto
da nossa integridade como humanos, da nossa memória
ancestral, a ponto de não mais nos reconhecermos como água,
olhando para ela como uma coisa fora de nós.”
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ES), onde está o maior complexo siderúrgico da América Latina
e várias mineradoras, e forneço água para-
 (PIRH Doce Volume I).
      
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ou seja, sou relações de vida, sou um ecossistema.
Minha existência depende de processos ecológicos essen-
ciais, como o ciclo da água. O Sol aquece as águas dos oceanos;
a água evaporada forma nuvens; as nuvens formam chuvas;
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como nascentes; as nascentes formam os riachos, que formam
os rios; e os rios desaguam nos oceanos, que continuam sendo

planeta. Os oceanos são nuvens, que são chuva, que são rios,
que são oceanos. 
. Sou RIO e sou MAR.
Sou, também, a biodiversidade de animais e vegetais que
vivem nas minhas águas e nas minhas margens. Sem as matas
 
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copas, eu seria poluído, quente e assoreado, ou seja, sem animais
em minhas águas. Sem as algas, que se alimentam de poluentes,
minhas águas não seriam boas para beber, ou seja, não seriam
fonte de saúde para animais e humanos. Assim como não posso
ser separado do mar de onde venho, não posso ser separado da
biodiversidade que me mantém limpo e gerador de vida.
      
pelo cientista Bradley Cardinale da Universidade de Michigan.
-
vou que o aumento da diversidade de algas aumenta a velocida-
de de limpeza dos poluentes da água. Dou vida às algas e estas
limpam os poluentes de minhas águas. Vivemos uma interação

O efeito da biodiversidade é surpreendente. A introdução
de uma nova espécie num ecossistema pode alterar até os rios.
 
no parque Yellowstone nos EUA. Eles mudaram o comporta-
mento dos cervos e isto mudou a vegetação do parque. Os cer-
        
facilmente caçados pelos lobos, e isto regenerou a vegetação
destes locais, que cresceu e se transformou em árvores. O au-
mento das árvores diminuiu a erosão e isto mudou o rio, que
deixou de se desviar do seu leito e estreitou o seu canal, o que
aumentou as piscinas naturais e as cachoeiras. Concluindo: lo-
bos mudam rios.
Sou inspiração artística de muitas pessoas. Entre tantas,
cito o poeta Roberto Drummond (O cheiro de Deus), o poeta
Carlos Drummond de Andrade (Lira itabirana), o poeta Frei
Santa Rita Durão (Caramuru), o cronista Rubem Braga (Barra
do Rio Doce e O lavrador), o escritor Ziraldo (O menino do Rio

O povo Krenak, que vive em minhas margens, diz que sou
Uatu, entidade viva, respeitado e querido avô. Não sou recurso
natural, uma mercadoria que pode ser comprada e descartada.
Sou parente dos Krenak que me respeita. Não sou um simples
meio de produção de riqueza econômica. Não existo apenas
para servir aos interesses industriais e comerciais. Como enti-
dade viva, tenho o direito à existência livre da servidão econô-

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