Ação individual contra administrador de companhia para o fim de obter a reparação, de dano individual reflexo ou indireto (LSA, Art. 159, § 7a): descabimento

AutorMarcelo Vieira von Adamek
Páginas248-255

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TJRS, 2a Câmara Cível

Apelação Cível n. 25.418- Cruz Alta

Aptes.: Maria Thereza DelVAglio Marchionatti e Outros

Apdos.: Luiz DelVAglio e Outros

Sociedade anónima. Responsabilidade dos administradores. O acionista pode propor ação de responsabilidade, em seu proveito, se os atos de administração impugnados forem diretamente em detrimento de seu interesse ou património,

ACÓRDÃO

Acordam, em 2a Câmara Cível Especial, integrada neste a exposição de fls. 739, à unanimidade, negar provimento ao recurso, corrigida,a conclusão da sentença para julgar os autores carececlores da ação.

  1. A espécie versa a respeito de atos ruinosos, praticados pelos réus enquanto na administração do complexo industrial cria-do por Lourenço Marchionatti. Ainda em vida do fundador, os diretores que estavam na administração assumiram sozinhos a di-reção dos negócios e deixaram-no de lado. Parte do parque industrial, conhecido pela sigla Sairema, foi vendida a outra empresa. Com isso, muitos empregados foram despedidos despendendo-se, para atender às indenizações laborais, avultadas somas. Os réus foram assumindo a administração da sociedade pela saída de outros. Caso houve em que um deles adquiriu a. preço muito abaixo da avaliação um imóvel da sociedade. Enfim, desde o afastamento de Lourenço Marchionatti dos negócios da sociedade, deu-se a derrocada da Sairema que fora altamente próspera. Por fim, a sociedade viu-se obrigada a pedir a auto-falência.

    Com base no relatório do síndico e outros elementos, pretendem os autores, sucessores de Lourenço Marchionatti, ao amparo do art. 159, do CC, indenização por

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    atingidos seus interesses e património pela má administração dos réus.

    O processo decorreu regular. No sa-neador, repelida a preliminar de ilegitimidade de parte dos autores para pedir inde-nização como decorrência da má administração dos réus, foi interposto agravo nos autos do processo. Após a instrução o magistrado sentenciou e julgou improcedente a ação. Apelam os autores e pedem a reforma do julgado, valendo-se dos fundamentos da inicial e juntam documentos. O recurso foi contra-arrazoado.

  2. O Decreto-lei n. 2.627, de 26.9.1940, que dispõe sobre as sociedades por ações, no art. 123, prevê a responsabilidade civil dos diretores da sociedade. Na conformidade desse dispositivo, portanto, compete à sociedade promover a ação de responsabilidade civil contra seus diretores pelos prejuízos diretamente causados ao seu património. Certamente a iniciativa para propor essa ação é da sociedade. E só depois de decorridos seis meses, a contar da primeira assembleia geral ordinária, é que qualquer acionista poderá promovê-la. Antes, não. Esse prazo é de decadência para os administradores. Mas, em qualquer hipótese, ação será em proveito da sociedade, pois somente a ela se dá o direito de promover a ação de indenização contra os responsáveis pela má administração dos negócios sociais.

    A ação cabe ao acionista, em caráter pessoal, quando os atos impugnados forem diretamente em detrimento de seu interesse ou património. Aliás, nesse sentido, é a regra do parágrafo único, do art. 123.

    Não basta a repercussão indireta ou oblíqua para legitimar o pedido, pelo acionista, que visa pedir indenização em caráter pessoal.

    Na espécie em exame, a ação foi proposta pelos autores contra os ex-diretores da Sairema, com base na má administração da sociedade. Mas pedem para ser indeni-zados. As alegações constantes da inicial referem-se a atos praticados em prejuízo da empresa. Atos desastrosos que levaram a sociedade à autofalência. Atos diretamente perniciosos aos interesses sociais, e in~ diretamente prejudiciais aos acionistas.

    Vista a relação processual sob tais circunstâncias, máxime se se considerar a expressa disposição do art. 123, do Decreto-lei n. 2.627/1940, é evidente que se configura no caso a hipótese do art. 267, § 3Q, do CPC. Os autores são partes ilegítimas para proporem ação de indenização contra os réus com base na má administração da sociedade. Os autores carecem da ação prevista no art. 123, do Decreto-lei n. 2.627/ 1940. Não há como invocar no caso, pelos fundamentos da inicial, o art. 159, do CC.

    Assim sendo, corrigida a respeitável sentença, negam provimento à apelação.

    Participou do julgamento, além dos signatários, o Exmo. Sr. Dr. Túlio Medina Martins, DD. Juiz de Direito Substituto de Desembargador.

    Porto Alegre, 11 de novembro de 1976.

    Jorge Ribas Santos, Presidente -Carlos Ignácio Sant'Anna, Relator.

    Comentários de

    Marcelo Vieira vonAdamek

1. O caso concreto (resumo do caso)

L Trata o acórdão sob comentário de ação de responsabilidade civil proposta por acionistas de uma companhia contra os seus respectivos administradores, por meio da qual os primeiros pretendiam obter em juízo o ressarcimento de danos resultantes da má-gestão social empreendida pelos segundos, e em virtude da qual a companhia foi à falência.

  1. Embora os réus (antigos administradores) tenham suscitado a ilegitimidade ativa ad causam dos autores (acionistas), essa preliminar foi rejeitada pelo juiz de

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    primeira instância, por ocasião do sanea-dor. O processo, assim, teve regular prosseguimento, mas, ao final, os pedidos foram julgados improcedentes, seguindo-se daí recurso de apelação dos autores.

  2. Assim, e por força do efeito transla-tivo dos recursos civis (CPC, arts. 267, § 3tí, 515 e 516), a questão da ilegitimidade passiva tornou a ser reapreciada de ofício perante o TJRS e, então, restou acolhida. A Turma Julgadora decidiu que os autores (acionistas) não poderiam pretender, através de ação individual de responsabilidade civil, obter o ressarcimento de seus danos individuais indiretos e reflexos, resultantes de danos sociais diretos sofridos pela própria companhia; a ação individual apenas se prestaria ao ressarcimento de danos individuais, diretamente experimentados pelos acionistas em seus respectivos patrimónios, mas não serviria para o ressarcimento de danos reflexos, decorrentes do dano social experimentado pela companhia de que participam (e em virtude do qual, por equivalência patrimonial, as suas ações sofreram desvalorização).

  3. Eis, em síntese, os fatos relevantes para os comentários que seguem.

2. As questões debatidas no acórdão (pontos de interesse)
  1. O acórdão ora em análise continua atual, pois, na essência, para as ações de responsabilidade civil contra administradores de companhias, prevalece na atual Lei das Sociedades por Ações (Lei n. 6.404/ 1976) a mesma sistemática da lei antiga (Decreto-lei n. 2.627/1940), com alterações que não influem nesses nossos comentários.1 Ainda hoje, com efeito, é importante repisar as distinções entre a ação social de responsabilidade civil e a ação individual de responsabilidade civil contra administradores de companhia, e explicitar os motivos pelos quais uma medida não pode fazer as vezes da outra.

3. Os traços característicos e distintivos da ação social e da ação individual de responsabilidade civil contra administradores de S/A
  1. A ação social e a individual, escusado nos seja dizê-lo, são ações de responsabilidade civil tout court, isto é, demandas de natureza condenatória. O que as distingue não é a causa do prejuízo e tampouco a suposta natureza das regras porventura violadas pelos administradores (ao contrário do que, no passado, foi sugerido na França2). O verdadeiro critério distintivo entre

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    a ação social e a individual é apenas um: a titularidade do património diretamente atingido pela atuação ilícita dos administradores; o sujeito prejudicado.3

  2. Com efeito, se a ação tiver por fundamento dano diretamente experimentado pela sociedade, ela se qualifica como ação social: a sua titularidade compete à companhia (embora em juízo possa ser exercitada pelos acionistas, no interesse daquela), e o seu objeto...

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