A ação direta na garantia de coisas móveis

AutorMário Frota
CargoFundador e primeiro presidente da AIDC ? Associação Internacional de Direito do Consumo
Páginas73-87

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EXCERTOS

"OS direitos de resolução do contrato e de redução adequada do preço podem ser exercidos mesmo que a coisa tenha perecido ou se tenha deteriorado por motivo não imputável ao consumidor"

"Se o consumidor se propuser resolver o contrato por o veículo automóvel se apresentar com uma deficiente pintura numa das portas ou se houver visivelmente sinais de riscos mais ou menos profundos, haverá manifestamente abuso de direito"

"Sem prejuízo do regime das condições gerais dos contratos (impropriamente denominado, entre nós, como das cláusulas contratuais gerais), o acordo pelo qual se exclua ou limite antecipadamente o exercício do direito de regresso só produz efeitos se for atribuída ao seu titular uma compensação adequada"

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I Preliminares
1. A quem cumpre primacialmente a obrigação de garantia

A obrigação de garantia cabe, em primeira linha, ao fornecedor. Aliás, a própria lei o diz, no seu artigo 3º, sob a epígrafe "entrega do bem":

1 - o vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue.

2 - As faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respectivamente, presumemse existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade.1não têm, pois, cabimento as escusas sistemáticas de tantos fornecedores que intentam "sacudir a água do capote", como sói dizerse, ao escudarem-se no fato de não serem produtores, de lhes não ter cabido o fabrico do produto, enjeitando destarte o cumprimento da garantia sempre que acionada pelo consumidor.

Aliás, a obrigação religa-se à que se plasma no n. 1 do artigo 2º do normativo aplicável ao prescrever-se que "o [fornecedor] tem o dever de entregar ao consumidor bens que se [mostrem] conformes com o contrato de compra e venda (e com os mais contratos abarcados pela disciplina legal em análise, a saber, o de empreitada, o de outras prestações de serviço e o de locação tanto mobiliária como imobiliária, ou seja, na derradeira hipótese o arrendamento urbano, como se denomina entre nós)2.

Mas a obrigação que impende sobre o fornecedor surge naturalmente aureolada de deveres complementares, como os que se contemplam no artigo 4º, a saber,

- a de que seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.

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- a de que tratando-se de bens imóveis, a reparação ou a substituição se concretizem dentro prazo razoável, tendo em conta a natureza da desconformidade e,

- tratando-se de bem móvel, num prazo máximo de 30 dias,

em ambos os casos sem grave inconveniente para o consumidor.

A expressão «sem encargos» se reporta às despesas necessárias para repor o bem em conformidade com o contrato, incluindo, designadamente, as despesas de transporte, de mão de obra e material.

Os direitos de resolução do contrato e de redução adequada do preço podem ser exercidos mesmo que a coisa tenha perecido ou se tenha deteriorado por motivo não imputável ao consumidor. ACRESCE que o consumidor pode exercer qualquer dos direitos enunciados, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais.

Constituirá obviamente abuso de direito se exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito de que se trata. Assim, se o consumidor se propuser resolver o contrato por o veículo automóvel se apresentar com uma deficiente pintura numa das portas ou se houver visivelmente sinais de riscos mais ou menos profundos, haverá manifestamente abuso de direito.

2. A obrigação supletiva de garantia

Recai, a título excepcional, sobre o produtor a obrigação supletiva de garantia.

A lei é expressa em estabelecê-lo no n. 1 do seu artigo 6º: "sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o fornecedor (directo), o consumidor que haja adquirido coisa não conforme pode optar por exigir do produtor a sua reparação ou substituição."

Tal só se não verificará se se manifestar impossível ou desproporcionado ante o valor que o bem teria não fora a assinalada desconformidade, a sua importância e a possibilidade de a solução alternativa se concretizar sem grave inconveniente para o consumidor.

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Repare-se que o direito se circunscreve à reparação da coisa e à substituição. AO consumidor é vedado brandir perante o produtor quer a redução adequada do preço quer a resolução do contrato, outros dos remédios previstos por lei. E percebe-se o alcance da medida: o efeito relativo do contrato na sua relação imediata consumidor/fornecedor inibirá remédios que só o contrato poderá consentir. AO passo que a reparação e a substituição estarão ao alcance do produtor atentas as leges artis e a imputação direta da não conformidade a si mesmo. Mas mister será que o fornecedor, ante uma tal faculdade, em si mesmo excepcional, não subverta o sentido e alcance da norma, remetendo o consumidor para o produtor, quantas vezes em lugar remoto e inacessível, a fim de ser reintegrado no seu direito.

Aliás, ainda que em situações comezinhas, há notícia de que os fornecedores empontam sistematicamente, perante a singular exigência da garantia, os consumidores para os produtores para que reivindiquem deles os direitos que a lei estabelece primacialmente devam ser exigidos do fornecedor.

Em exemplo recente, uma multinacional cujo objeto negocial é a comercialização de eletrodomésticos escusou-se perante o consumidor que se apresentara com um computador pessoal, ali adquirido, com uma avaria na tampa, que não abria, alegando que se tratava de uma não conformidade que só o produtor poderia solucionar. Contatado o produtor nipónico, para uma direção central na europa, veio a escusar-se de análogo modo - e contra legem - aduzindo que uma avaria do estilo estaria fora do âmbito de aplicação da garantia!!!

Aliás, a opção cabe ao consumidor, que não ao fornecedor, como se evidenciou, podendo o consumidor - perante a recusa - pôr naturalmente termo ao contrato se a tanto a denúncia da não conformidade for tempestiva e no segmento temporal de dois anos, que é o prazo de garantia das coisas móveis, como no caso.

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3. A ação direta: a exceção

A ação direta é excepcional. SÓ há, no ordenamento jurídico pátrio, uma situação em tudo similar - a do regime jurídico da responsabilidade do produtor por produtos defeituosos que repousa no dl 383/89, de 6 de novembro3. É algo de excepcional, como se alude, em razão da natureza relativa do contrato e seus efeitos.

Mas, à semelhança do que ocorre no regime da responsabilidade objetiva do produtor, há um rol de...

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