Ação de Consignação em Pagamento

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas2609-2629

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Seção I - Breve introdução
1. Denominação e conceito

O verbo consignar (do latim consignare) significa, do ponto de vista léxico, o ato de afirmar, declarar, estabelecer, colocar por escrito.

Juridicamente, porém, esse verbo possui sentido algo polissêmico. Assim dizemos porque, sob a ótica do Direito Comercial, consignar indica o ato de alguém entregar determinada mercadoria, de sua propriedade, a comerciante, a fim de ser vendida a terceiro, sem que o comerciante que a recebeu esteja obrigado a adquiri-la, podendo, por isso, devolvê-la ao proprietário depois de certo tempo, caso não a venda. No plano processual, a consignação constitui ação por meio da qual o devedor ou terceiro requer a entrega de coisa ou dinheiro, ao credor, com efeito de pagamento.

É elementar que a ação de consignação em pagamento só se justifica nos casos em que o credor haja recusado o recebimento da quantia ou da coisa ou em que os credores sejam desconhecidos. Sendo assim, se não houve essa recusa, nem eram desconhecidos os credores, o autor deverá ser declarado carecedor da ação, por falta de interesse processual (CPC, art. 3.º), com a consequente extinção do processo sem resolução do mérito (CPC, art. 267, VI). A carência da ação será pronunciada pelo juiz, seja ex officio (CPC, art. 267, § 3.º) ou por provocação do réu (CPC, art. 301, X).

Encontram-se dicionarizados os substantivos consignação (ato ou efeito de consignar), consignador (aquele que consigna), consignante (aquele que consigna) e consignatário (depositário de uma coisa consignada), assim como os adjetivos consignador (que consigna), consignante (que consigna), consignativo (censo consignativo: quantia que se dá por uma só vez à pessoa que se obriga a pagar anual e perpetuamente, ou por certo prazo, uma pensão) e consignável (que se pode consignar).

Constitui neologismo consagrado o adjetivo consignatória (ação de consignar), que vem sendo utilizado tanto pela doutrina e pela jurisprudência quanto pelo próprio legislador (Lei n. 8.245, de 18-10-91, art. 67, VI e VIII).

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2. Finalidade

O objetivo do autor, ao ingressar com a ação em exame, é realizar o pagamento e obter a correspondente quitação, ou seja, ver-se judicialmente liberado da obrigação.

Com efeito, quando o devedor desejar efetuar a entrega de quantia ou de coisa, a título de pagamento, e o credor se recusar a receber, ou aquele não souber a quem pagar, poderá fazer uso da ação de consignação para liberar-se da obrigação.

Do ponto de vista do devedor (autor), a obrigação a ser por este cumprida deve ser líquida e certa, pois seria desarrazoado imaginar que ele pudesse requerer a citação do réu (credor), a fim de que este viesse a juízo para dizer qual seria a quantia que entende devida, ou a natureza da coisa a ser entregue ou o modo como a obrigação deverá ser cumprida.

3. A sentença

A sentença, que acolhe o pedido formulado na ação de consignação em pagamento, tem natureza declaratória. Assim dizemos porque ela declara estar o autor (devedor) a) liberado do ônus proveniente da obrigação discutida na causa, ou b) estar ainda submetido a esse ônus, seja porque a obrigação não foi cumprida por inteiro, seja por outra razão jurídica qualquer.

Por isso, caso o juiz entenda que a obrigação foi satisfeita, apenas, em parte, não poderá condenar o réu ao pagamento do restante, considerando-se que a sentença emitida nesse tipo de ação tem natureza exclusivamente declaratória. O que ao juiz incumbirá fazer, na hipótese, será rejeitar o pedido formulado pelo autor, uma vez que a obrigação não foi integralmente cumprida, ficando assegurada ao credor a possibilidade de ajuizar ação destinada à cobrança da dívida.

Quando asseveramos que a sentença proferida na ação de consignação em pagamento possui natureza declaratória, estamos, à evidência, tendo em mente o pedido principal efetuado pelo autor (res in iudicio deducta); desse modo, sem prejuízo dessa afirmação, a sentença poderá conter um capítulo condenatório quando impuser ao vencido o pagamento de custas processuais e de honorários de advogado.

Ao examinar o mérito, a sentença - independentemente do resultado do julgamento - produzirá coisa julgada material (CPC, art. 467). A esse respeito, convém destacar a regra contida no art. 472 do mesmo Código, segundo a qual a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando nem prejudicando terceiros. Sendo assim, a quitação que o autor vier a obter na ação de consignação em pagamento terá eficácia somente em face do réu, não valendo perante terceiros.

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Seção II - A matéria no texto do CPC
1. Comentários aos dispositivos legais

Considerando que a competência da Justiça do Trabalho envolve a solução de conflitos de interesses estabelecidos não apenas entre empregados e empregadores, mas, também, entre pessoas que estejam ou estiveram vinculadas entre si por uma relação de trabalho (CF, art. 114, I), ou que, de qualquer modo, possuam ação nesta Justiça Especializada (ibidem, II a IX), examinaremos, a seguir, as disposições do CPC alusivas à ação de consignação em pagamento, levando em conta essa ampla competência da Justiça do Trabalho.

Art. 890. Nos casos previstos em lei, poderá o devedor ou terceiro requerer, com efeito de pagamento, a consignação da quantia ou da coisa devida.

  1. Legitimidade e interesse. Quem toma a iniciativa das ações, de modo geral, são os credores; todavia, em sede de ação de consignação em pagamento, essa iniciativa cabe, de ordinário, ao devedor e, em situações especiais, ao terceiro. São estas, portanto, as pessoas legalmente legitimadas para o exercício da referida ação.

    No âmbito das relações de trabalho, terá legitimidade para a consignação não apenas o empregador, mas todas aquelas pessoas que possuem ação na Justiça do Trabalho, nos termos do art. 114 da Constituição Federal. O empregador, em particular, poderia fazer uso da ação consignatória tendo como objeto não somente quantias devidas ao empregado, como ao próprio sindicato, seja patronal ou profissional, envolvendo, por exemplo, contribuições sindicais.

    É evidente que, além da legitimidade, tem de haver o interesse processual, que também figura como uma das condições da ação (CPC, art. 3.º). O interesse do devedor reside não exatamente no pagamento de quantia ou no depósito de coisa, mas na quitação que obterá em decorrência disso. Essa quitação o liberará da obrigação. Caso o terceiro possua interesse em ver o devedor desonerado da obrigação, também poderá fazer uso da ação de consignação em pagamento, hipótese em que se sub-rogará nos direitos do credor. Todavia, como dissemos antes, para que o interesse processual (seja por parte do devedor ou de terceiro) se configure, com vistas ao exercício da ação em estudo, é necessário que:

    1. o credor tenha se recusado a receber a quantia ou a coisa que o devedor lhe ofereceu, ou

    2. que o devedor não saiba a quem pagar.

    Não se verificando nenhuma dessas situações, o autor será declarado carecedor da ação, por falta de interesse processual.

  2. Efeito de pagamento. Como está claro no texto legal em exame, a consignação judicial da quantia ou da coisa, pretendida pelo devedor ou por terceiro, será para efeito de pagamento. Conforme afirmamos há pouco, o interesse do autor não reside,

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    em rigor, no pagamento e sim na quitação que obterá em decorrência disso, e que o liberará da obrigação. A referência que o art. 890, caput, do CPC faz a pagamento poderia fazer supor que o objeto da consignação somente pudesse ser a entrega de quantia em dinheiro; a própria norma legal mencionada cuida de demonstrar, porém, que essa entrega também poderá ser de coisa. Destarte, seja efetuando a entrega de quantia ou de coisa, o devedor estará realizando o pagamento a que alude o texto legal e, em razão disso, obtendo a desejada quitação.

    Torna-se relevante repisar a observação de que, em se tratando de quantia, esta deverá ser líquida, vale dizer, ser quantitativamente determinada, a fim de que o credor possa dizer se concorda em recebê-la, ou se recusa a fazê-lo, por entender insuficiente o valor depositado pelo devedor. Não se pode admitir, portanto, que o devedor deixe a cargo do juiz a decisão sobre o quantum da dívida – ou sobre a natureza ou a quantidade das coisas a serem entregues ao credor.

    O que se admite, isto sim, é que o devedor não saiba a quem pagar a quantia que está a dever (CPC, art. 898); mesmo assim, essa quantia, para efeito de consignação, deverá estar previamente determinada.

  3. Nos casos previstos em lei. O que o legislador processual está a dizer é que o exercício da ação em foco somente será possível quando houver norma legal prevendo a consignação.

    § 1.º Tratando-se de obrigação em dinheiro, poderá o devedor ou terceiro optar pelo depósito da quantia devida, em estabelecimento bancário oficial, onde houver, situado no lugar do pagamento, em conta com correção monetária, cientificando-se o credor por carta com aviso de recepção, assinado o prazo de 10 (dez) dias para a manifestação de recusa.

    Depósito extrajudicial. Por força da Lei n. 8.951, de 13-12-94, que acrescentou os §§ 1.º a 4.º ao art. 890 do CPC, permitiu-se ao devedor ou ao terceiro efetuar, em estabelecimento bancário, o depósito da quantia devida. Em torno dessa inovação algumas notas devem ser expendidas:

    1. o objetivo da instituição desse procedimento extrajudicia foi o de desafogar os órgãos do Poder Judiciário, congestionados por uma enorme massa de ações, pois, até então, a parte interessada, que pretendesse obter a liberação de determinados ônus decorrentes de obrigações, somente poderia fazer uso da ação de consignação em pagamento, ou seja, deveria invocar a prestação da...

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