Ação Civil Pública (PRT 15ª Região)

AutorAna Lúcia Ribas Saccani Casarotto
CargoProcuradora do Trabalho
Páginas367-396

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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DA___ VARA DO TRABALHO DE CAMPINAS/SP

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO, com endereço na Rua Umbu, 291, na cidade de Campinas-SP, CEP 13098-325, por intermédio da Procuradora do Trabalho ao inal subscrita, no exercício de suas funções institucionais previstas nos arts. 127 e 129, inciso III da Constituição da República e nos arts. 6º, inc. VII, alíneas "a", "b" e "d" c/c 83, inc. III e 84 da Lei Complementar n. 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União), e nos termos da Lei n. 7.347/85, vem promover a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA

Em face de EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS S.A., empresa pública, inscrita no CNPJ sob o n. 34.028.316/7671-88, com endereço na Av. Guilherme Campos, n. 500, Loja 004 A, Bairro Parque das Flores, Cidade de Campinas (SP), CEP 13087-635, pelos fatos e fundamentos jurídicos adiante aduzidos.

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I - Dos fatos

Preliminarmente, informa-se que os documentos em formato digital que acompanham esta petição inicial foram extraídos do inquérito civil n. 000088.2010.15.000/3, sendo todos reprodução autêntica.

A investigação iniciou em 20.1.2010, quando o Sindicato dos Trabalhadores em Correios, Telégrafos e Similares de Campinas e Região ("SINTECT/CAS") protocolou junto ao Ministério Público do Trabalho da 15ª Região uma denúncia de âmbito coletivo, na qual demonstra fatos e provas acerca de procedimentos administrativos que os funcionários da EBCT - Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, vêm sendo submetidos em razão de faltas, injustiicadas ou não, e não cumprimento das demandas diárias.

Os procedimentos e o seu trâmite evidenciam assédio moral e coação dos funcionários exercentes dos cargos de Carteiro I, Carteiro II, Agente de Correio

- Distribuição e Coleta, Agente Correios Tratamento, que são submetidos aos procedimentos administrativos - denominados SID (Solicitação de Informação e Defesa) ou popularmente conhecido entre os funcionários como "papeleta".

A denúncia descreveu um cenário de completo abuso de poder diretivo, perseguições, violento assédio moral e, consequentemente, a potencialização do surgimento de diversos distúrbios físico-psíquicos nos funcionários da Denunciada. Estas práticas abusivas dar-se-iam, notadamente, sempre através das SIDs. Conforme se demonstrará, referidos abusos são de conhecimento dos gestores da Ré, razão pela qual é possível perceber que se trata de um nefasto padrão empresarial de gestão de mão de obra.

As SIDs têm a função de apurar as irregularidades cometidas pelos funcionários, suas faltas e/ou quaisquer outros assuntos relacionados ao comportamento laboral, havendo para tanto, alguns requisitos. A SID é composta por um documento, preenchido pelo supervisor ou gestor do funcionário investigado, na qual constam, além de nome, função e matrícula (funcionário e gestor), os fatos ocorridos e um campo composto para inserção da defesa do funcionário. Há ainda, no preâmbulo, informações sobre como se dará o procedimento e os principais direitos do funcionário.

Porém, o que era para ser utilizado como instrumento de investigação para eventuais descumprimentos, na realidade dos fatos, sempre é instaurado, mes-mo que o empregado falte justiicadamente ou não consiga cumprir a atividade demandada por razões justiicadas, de forma que, invariavelmente, sujeita-se a responder o procedimento.

É informado constantemente pela EBCT aos empregados que estes dependem do resultado negativo da SID (ausência de irregularidade) para que permaneçam em seus postos de trabalho e não sejam demitidos. Tudo isso causa insegurança aos envolvidos, uma vez que os julgamentos das SIDs são feitos pelos gestores e os resultados não são divulgados aos funcionários, apesar da "papeleta" possuir

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espaço para exposição dos motivos do empregador e seu resultado. A conduta derruba qualquer possibilidade de transparência, equilíbrio e direito ao contraditório e ampla defesa aos trabalhadores.

Em razão das denúncias acima trazidas, a Procuradoria do Trabalho da 15ª Região, em 9.4.2010, instaurou o inquérito civil, designando a oitiva do sindicato denunciante para prestar maiores esclarecimentos.

Em 17.6.2010, novamente o SINTECT/CAS peticionou junto ao Ministério Público noticiando o abuso de poder da ECT sobre seus funcionários quando da instauração das SIDs, desta vez, demonstrando os procedimentos instaurados especiicamente em razão da falta dos funcionários no dia 26.5.2010, a qual se deu em razão de greve pré-agendada pelo SINTECT/CAS, conforme provado pelo sindicato através dos panletos apresentados anexos à denúncia.

Em 26.11.2010 em outro procedimento investigativo - nos autos do Inquérito Civil n. 002023.2009.15.000/3-03, em audiência neste MPT, sob a presidência do Procurador do Trabalho, Dr. NEI MESSIAS VIERA, houve coleta de depoimento do Sr. José Luciano de Araújo, que corroborou os fatos acima e os complementou informando que houve conlitos entre a direção da ré (superiores hierárquicos) e os funcionários sindicalizados por causa do desconto salarial da paralisação de alerta do dia 26 de novembro, devidamente prevista e comunicada aos Correios. Outro trabalhador, Sr. Sidnei Camuci, reiterou os mesmos fatos.

Vários depoimentos no mesmo sentido ainda foram extraídos do inquérito civil n. 002023.2009.15.000/3-03, cujas cópias estão em anexo devido à sua relevância e pelo fato de instruírem a AÇÃO CIVIL PÚBLICA n. 10239-42-2014-5-15-0095 proposta em desfavor dos Correios, em trâmite perante a 8ª Vara do Trabalho de Campinas, sendo os principais transcritos in verbis:

José Luciano de Araújo declarou, que: "é funcionário dos Correios há 9 anos, sempre lotado em Limeira e na função de carteiro pedestre; é sindicalizado e sempre participou de greves; na última greve, o supervisor Valter telefonou para a residência do depoente; o depoente, no momento, estava em assembleia em Campinas; o Valter disse à esposa do depoente: "o José Luciano devia pensar bem no que estava fazendo, porque a empresa precisava dele"; quando chegou em casa, o depoente conversou com sua esposa e esta mostrou estar preocupada que fosse despedido por participar da greve; em várias greves foram recebidas na residência do depoente cartas expedidas pela ECT, endereçadas "aos familiares de José Luciano"; essas cartas diziam que era época de relexão sobre o que estava ocorrendo e era para a família conversar com o empregado, pois não sabiam o que aconteceria no futuro; a família sempre icou chateada e constrangida com essas cartas; acredita que uns 80% dos colegas de setor de trabalho receberam essas cartas; após as greves, aqueles que tinham participado do movimento eram "convocados" para fazer horas extras e tirar o acúmulo de serviços; quem não participava, era "convidado" a fazer essas horas extras; quem se recusava a fazer essas

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horas extras recebia um comunicado com tom de advertência; esse comunicado servia para a avaliação do funcionário, rebaixando sua nota; se a nota atinge 2 vezes o nível "D", o carteiro é despedido por justa causa; nos dias antecedentes às greves, diretores vão aos CDDs e fazem reuniões num mesmo tom das cartas acima mencionadas, lembrando que "é tempo de relexão"; nas vésperas da última greve, foi projetado um DVD sobre o valor que o carteiro dá à empresa; nesse vídeo havia a imagem de um carteiro deitado em uma rede e caixas de correspondências paradas; o depoente se sentiu agredido com essa imagem, porque, como aderia normalmente às greves, se viu reproduzido como o carteiro na rede, muito embora trabalhe como qualquer outro proissional; sabe que a ECT tem a imagem de segundo órgão mais competente do país e isso se deve ao trabalho dos seus empregados; aquela igura projetada causou tristeza ao depoente, ao ver seu trabalho despreza-do; já recebeu papeleta para prestar informações disciplinares por volta de 10 vezes; percebe que as pessoas que participam de greves recebem mais frequentemente essas papeletas, enquanto quem não faz greve diicilmente recebe; o depoente percebeu que os grevistas são designados para entregar correspondências nos piores setores da cidade, onde existem mais morros, onde o percurso é maior e implica em andar mais e fazer hora extra, sendo que a empresa cobra que não se faça hora extra nesse caso; isso já aconteceu com o depoente e com outros colegas que izeram greve; aqueles que não fazem greve são designados para os melhores setores.

Edmilson Cardoso dos Santos declarou que: "é empregado dos Correios há 10 anos, os 2 primeiros em Sumaré e restante em Americana; há 2 anos é carteiro motorizado; antes era carteiro pedestre; é sindicalizado e sempre participou de greves; na greve de 2008 e na anterior, o chefe de unidade ou supervisor telefonava na residência do depoente, convocando-o para trabalhar; essa prática ocorreu com vários colegas do depoente; o depoente, ao aderir a greves, já está consciente dessa conduta da empresa; outros colegas de trabalho porém se sentem intimidados com esses telefonemas e retornam ao trabalho; sabe de casos em que representantes dos Correios falaram, ao telefone, com esposa de colegas de trabalho; nesses casos é comum o imediato retorno do colega ao trabalho; nessas conversas telefônicas costuma-se dizer que ‘o emprego está difícil, não vai encontrar emprego igual ao dos Correios facilmente’; [...] é comum, nas vésperas de greve, os chefes fazerem reuniões com os empregados e lembrarem ‘que o emprego está...

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