Ação civil pública (PRT 4ª região ? procuradora do trabalho Márcia Bacher Nedeiros) ? cinemark do Brasil S.A.

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EXMO(A). JUIZ(A) DO TRABALHO DA___VARA DO TRABALHO DE PORTO ALEGRE

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO — PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 4a REGIÃO, com endereço na Rua Ramiro Barcelos, 104, bairro Floresta, em Porto Alegre, RS, CEP 90035-000 por sua Procuradora do Trabalho infra-assinada, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento no art. 129, III, da Constituição Federal, art. 6e, VII, alíneas "a" e "d", e art. 83, III da Lei Complementar n. 75/93 e, ainda, nos termos da Lei 7.347/85, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO LIMINAR DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA

em face de CINEMARK BRASIL S.A., inscrita no CNPJ sob o n. 00.779.721/0001-41, com sede na Av. Dr. Chucri Zaidan, 920, Torre 2, 2- andar, Vila Cruzeiro, São Paulo, SP, CEP 04538-906, o que faz com base nas razões fáticas e jurídicas a seguir aduzidas:

I - Dos fatos

Em julho de 2009 foi instaurado, no âmbito da Procuradoria Regional do Trabalho da 4a Região, o Inquérito Civil n. 000352.2009.04.000/7, com o objetivo de apurar possíveis irregularidades na jornada de trabalho dos empregados da

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ré e nos pagamentos respectivos. O procedimento administrativo teve origem em determinação do Procurador Regional do Trabalho Paulo Eduardo Pinto de Queiroz que, atuando como custos legis no RO 01397-2006-018-04-00-7, tomou conhecimento das ilegalidades praticadas pela empresa e encaminhou as principais cópias do processo à Coordenadoria de Atuação em 1e Grau de Jurisdição para a adoção das providências cabíveis pelo Ministério Público do Trabalho no âmbito do órgão agente (doc. 1).

O processo n. 01397-2006-018-04-00-7 tratava-se de uma ação anulatória ajuizada pela ora ré contra a União Federal, com o objetivo de anular o auto de infração n. 004059280, lavrado em 11 de setembro de 2000, em virtude da empresa "não efetuar o pagamento mensal integral dos salários devidos até o quinto dia útil subsequente ao vencido", já que deixava de pagar aos seus empregados as seguintes verbas de natureza salarial: hora reduzida noturna, gratificação de função dos gerentes, quebra de caixa e horas à disposição da empresa (doc. 2).

O Auditor do Ministério do Trabalho e Emprego, no campo "histórico" do auto de infração, explicou detalhadamente o procedimento adotado pela empresa:

d) (horas à disposição da empresa, impagas) o estabelecimento contratualmente exige, de seus empregados não gerentes, carga de trabalho semanal mínima de 18 h e máxima de 44 h, podendo ser prorrogada e compensada. Dessa forma, o empregado, desde sua admissão, fica 44h semanais à disposição do empregador, esteja ou não no efetivo exercício de atividade laboral no estabelecimento. No entanto, o empregador paga apenas as horas efetivamente laboradas (salário-base do horista), por ele limitadas (em geral, inferiores a 44 h semanais, ou mesmo a 36 h semanais), acrescidas do reflexo do descanso semanal remunerado e de adicional noturno e reflexos, se for o caso, adotando como norma administrativa procedimental, a jornada variável, que não se confunde com o instituto legalmente previsto da jornada compensável, conforme narrado no auto de infração DRT/RS n. 00405927-1 (capitulação: art. 468, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho). Como consequência, a autuada encontra-se em débito salarial para com seus empregados, pela diferença das horas impagas (mais reflexos) que esses trabalhadores colocam contratualmente à disposição da empresa.

A ação anulatória de auto de infração ajuizada pela empresa foi julgada improcedente pela 18a Vara do Trabalho de Porto Alegre (doc. 3), sentença que foi posteriormente confirmada pelo Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 4a Região (doc. 4), exceto no que diz respeito ao percentual dos honorários advocatícios fixados na condenação. No acórdão, ressaltou a Exma. Relatora:

"5. HORAS À DISPOSIÇÃO DA EMPRESA.

Do procedimento adotado pela empresa resulta que ao empregado pode ser cobrada, a qualquer momento, a prestação de até 44 horas semanais, de forma que não pode assumir outro compromisso pessoal para o período

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em que não está trabalhando, pois não tem como prever se estará sempre "livre" de suas obrigações contratuais nos mesmos dias e horários. Assim, em qualquer situação na qual o empregado preste menos de 44 horas semanais, depreende-se que esteve à disposição da empresa — ainda que não trabalhando — pelo período correspondente à diferença entre a carga efetivamente prestada e as 44 horas máximas legais exigidas para a semana.

Verificada a irregularidade, nega-se provimento."

Após analisaras cópias do processo n. 01397-2006-018-04-00-7 e constatar a ilegalidade na jornada de trabalho contratada pela ré com seus empregados, a Procuradora signatária designou audiência administrativa (doc. 5), na qual os representantes da empresa declararam que a sistemática da jornada móvel e variável, com o pagamento somente das horas efetivamente laboradas, era utilizada em todos os estabelecimentos no país.

Posteriormente, em manifestação escrita (doc. 6), a ré mais uma vez reconheceu a adoção desse tipo de jornada, alegando a licitude desse tipo de contratação, in verbis:

No que diz respeito à sistemática adotada pela empresa — de contratar empregados horistas para desenvolver jornada de trabalho em escala móvel e variável — é perfeitamente legal e encontra respaldo no inciso XIII do art. 1- da Constituição Federal e art. 58 da CLT. A legislação vigente não proíbe a jornada inferior ao limite semanal, tampouco impede a adoção de jornada móvel e variável.

Considerando o reconhecimento da ré em relação à adoção de jornada móvel e variável, na qual os empregados nada recebem pelas horas colocadas à disposição da empresa, o Inquérito Civil foi encaminhado à Procuradoria Regional do Trabalho da 2- Região — SP, local onde se encontra a sede da empresa, com o objetivo de facilitaràs negociações visando à regularização da jornada e salários em todos os estabelecimentos do país.

Em São Paulo, já tramitava contra a Ré, em relação às mesmas irregularidades, o IC 0006846.2008.02.000/1. Esse Inquérito havia sido instaurado, inicialmente, em Vitória, Espírito Santo, em virtude de denúncia. A Procuradoria Regional do Trabalho da 17- Região requisitou, naquela oportunidade, ao Ministério do Trabalho e Emprego a realização de fiscalização, a qual se deu em maio de 2008 e concluiu (doc. 7):

"Quanto ao pagamento de salários abaixo do mínimo legal, constatou-se que a maioria dos trabalhadores do estabelecimento trabalha em regime de tempo parcial e vários deles percebem remuneração mensal inferior a um salário mínimo, mediante um sistema de jornada de trabalho 'móvel e variável' prevista em contratos individuais de trabalho. Tais contratos de trabalho, além da cláusula referida, contêm outras cláusulas aparentemente abusivas e vantajosas apenas para o empregador, o que pode resultar lesão também para direitos coletivos e difusos."

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Na audiência realizada em Vitória, em setembro de 2008 (doc. 8), o representante da ré declarou que "cerca de metade dos empregados é a tempo parcial; (...) que esse padrão de funcionamento que relata é adotado no país inteiro, onde a empresa possui estabelecimentos". Portais razões, o inquérito foi remetido a São Paulo, local de onde partiam as normas e procedimentos adotados em todos os estabelecimentos do país.

Em agosto de 2009, por requisição do Ministério Público do Trabalho, os estabelecimentos da ré na capital paulista também foram fiscalizados pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Da mesma forma que em Porto Alegre e Vitória, foi constatada (além de outras diversas irregularidades) a utilização de jornada móvel e variável, bem como o pagamento de salários em valor inferior ao salário mínimo (doc. 9):

Existem trabalhadores que são contratados por hora trabalhada como operadores que percebem R$ 4,48. Existem os trabalhadores denominados PAC — Profissional de Atendimento ao Cliente com contrato de R$ 2,11 por hora trabalhada. Como não atingem as 220 horas/mês também não conseguem perceber um valor que atinja o salário mínimo.

Tendo em vista a vasta comprovação das irregularidades em relação às jornadas e aos salários, foram realizadas quatro audiências administrativas na Procuradoria Regional do Trabalho da 2- Região (doc. 10) com o objetivo de adequar a conduta da ré extrajudicialmente. Embora esta, inicialmente, tenha manifestado interesse na celebração de termo de ajustamento de conduta, ao final, negou-se em assinar o compromisso.

Esgotada a via administrativa, os autos do inquérito civil foram remetidos à Brasília, em razão do que previa, na época, a OJ n. 130 da SDI-2 do Tribunal Superior do Trabalho15. Na capital federal, o Ministério Público do Trabalho realizou, em novembro de 2011, uma última audiência administrativa coma ré (doc. 111), na qual seu advogado reconheceu, mais uma vez, a prática adotada:

(...) a contratação de trabalhadores obedece contrato padrão da empresa, que prevê o pagamento de salários com base nas horas contratadas. Informou que há um pagamento mínimo de 22 hs semanais e 5 hs diárias (22 a 44 semanais e 5 a 8 horas diárias).

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Informou ainda que a definição da escala é feita de forma semanal, com respeito às folgas dos trabalhadores e também aos turnos previamente definidos e que são fixos.

Por fim, foi determinada a juntada de documentos pela empresa e, em dezembro de 2012, em virtude da nova redação dada à OJ n. 130 da SDI-2 do Tribunal Superior do Trabalho16, os autos do inquérito civil retornaram à Procuradoria Regional da 4a Região, origem do procedimento.

Considerando o vasto material probatório...

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