Ação civil pública (PRT 24ª região) ? agesul ? agência estadual de gestão de empreendimentos de mato grosso do sul

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EXMA. SRA. JUÍZA DO TRABALHO DA EGRÉGIA VARA DO TRABALHO DE CORUMBÁ (MS)

O Ministério Público do Trabalho, por intermédio do Procurador do Trabalho que a esta subscreve, vem à presença de V. Exa., com fundamento no art. 129, III, da Constituição da República, nos arts. 5e, I e III, e 83, III, da Lei Complementar n. 75/93 e na Lei n. 7.347/85, com os acréscimos introduzidos pela Lei n. 8.078/ 90, promover a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO LIMINAR DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA

em face da AGÊNCIA ESTADUAL DE GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS DE MATO GROSSO DO SUL —AGESUL, pessoa jurídica de direito público, inscrita no CNPJ sob o n. 15.457.856/0001-68, estabelecida na Avenida Desembargador José Nunes da Cunha, s/n., bairro Parque dos Poderes, CEP 79031-310, Campo Grande/MS, pelos fundamentos de fato e de direito a seguir expostos:

I Dos fatos

Instaurou-se o Inquérito Civil n. 000094.2011.24.003/0 para apurar notícia de exploração de trabalho em condições degradantes nas obras de reforma, construção e reconstrução de pontes sobre vazantes na MS -185, conhecida como Estrada Parque.

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Em inspeção realizada no local, em conjunto com o Ministério do Trabalho e Emprego, constatou-se a veracidade dos fatos noticiados.

Sabe-se que o princípio da dignidade da pessoa humana traduz a ideia de que o valor central das sociedades, do Direito e do Estado contemporâneo é a pessoa humana, em sua singeleza, independentemente de seu status econômico, social ou intelectual.

Verificou-se a existência de trabalhadores sem registro na CTPS, em alojamentos em condições inadequadas (barracas de lona plástica) e transportados de maneira irregular. Observou-se, ainda, que não havia o fornecimento de água potável, de equipamento de proteção individual e coletiva, de camas, colchões e roupas de cama, bem como inexistiam instalações sanitárias e local adequado para preparo de alimentos e para refeições, bem como para banho.

As condições degradantes a que eram submetidos os trabalhadores podem ser visualizadas pelas fotos e vídeos anexados à inicial.

Como se não bastasse a degradação do local de trabalho, os obreiros estavam submetidos a diversos riscos, inclusive a ataques de animais e a doenças oriundas da ausência de água potável e de picadas de inseto, uma vez que a referida estrada atravessa o Pantanal. Assim, além dos perigos inerentes aos trabalhos exercidos em condições degradantes, os obreiros vivenciavam riscos extraordinários advindos das peculiaridades do local.

É de se destacar que a aludida obra visa a reconstrução de pontes de uma rodovia estadual. Para tanto, foi realizada licitação pela Agência Estadual de Empreendimentos de Mato Grosso do Sul — AGESUL, na modalidade convite, tipo menor preço, sendo o regime de execução de empreitada por preço unitário, nos termos da Lei n 8.666/93. É o que se observa da carta convite anexada à exordial.

Não se pode descurar, porém, que, ainda que a obra tenha sido executada pelo regime de empreitada, a responsabilidade pela fiscalização, inclusive quanto à observância das normas trabalhistas, é da AGESUL. Trata-se de uma responsabilidade social, um compromisso constitucional assumido pela Administração Pública, inclusive a Indireta, perante a sociedade. Não é crível que o ente estatal compactue com a exploração da mão de obra utilizada em suas próprias obras, independentemente do regime de execução. Deve o ente estatal atuar no sentido de promover a dignidade da pessoa humana e do trabalho e não permitir que seja desrespeitada à frente de seus olhos, com indiferença, sem assumir qualquer atitude de combate.

A fiscalização das obras deve atender os anseios de toda a sociedade, inclusive no sentido de combater a exploração do trabalho em condições análogas à de escravo, em vista da degradação do labor. Não basta que a ação fiscalizatória do ente estatal seja direcionada tão somente a aspectos técnicos, relativamente ao cumprimento das normas de engenharia previstas no contrato. É obrigação da ré fiscalizar o cumprimento da legislação trabalhista, bem como o respeito ao

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valor social do trabalho, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1e, IV da CF).

Não poderia, pois, o ente estatal permitir que o labor em rodovia estadual, por meio de contratos por ele próprio firmados, fosse realizado em condições de extrema degradação, como constatado no caso em tela.

Ademais, é de se salientar que a aludida rodovia se caracteriza por ser um importante polo turístico na região pantaneira, atraindo diversos turistas, inclusive estrangeiros, que se hospedam nas pousadas e fazendas localizadas em suas margens para apreciar as belezas naturais do local. Contudo, a par das belezas selvagens, os turistas também podiam visualizar a extrema degradação a que eram submetidos os trabalhadores que laboravam justamente na conservação da estrada em que transitavam. Isso porque as barracas de lona eram montadas na beira da estrada, bem visível a qualquer um que transitasse pelo local.

Bem se vê, destarte, que o ente estatal deveria promover a efetiva fiscalização do cumprimento, pelos contratantes, da legislação trabalhista, a fim de evitar que a dignidade dos trabalhadores fosse surrupiada, como in casu.

Os documentos anexados à inicial revelam que o ente contratante (AGESUL) constituiu uma Comissão de Fiscalização, porém, essa comissão restringia sua fiscalização a questões técnicas da execução da obra, indiferente ao descumprimento da legislação trabalhista. É o que se observa das cláusulas 11.4, 11.10, 12.1, "a" e "e" e 13.1 do modelo de carta convite carreado aos autos.

Ou seja, como havia o efetivo deslocamento de representante da ré ao local das obras, é impossível que tente se esquivar de sua responsabilidade alegando desconhecer as irregularidades trabalhistas constatadas na inspeção realizada pelo Ministério Público do Trabalho e Ministério do Trabalho e Emprego. Até porque a degradação das condições de trabalho saltava aos olhos, de vez que as barracas de lona estavam montadas ao longo da estrada.

Com efeito, conclui-se que o ente estatal sabia das condições degradantes a que eram submetidos os trabalhadores, porém, não tomou qualquer atitude no sentido de sanear as ilegalidades.

Notificado a manifestar o interesse em corrigir as irregularidades, por meio da celebração de Termo de Ajuste de Conduta, o ente estatal não manifestou interesse, não tendo comparecido à sede da Procuradoria do Trabalho no Município de Corumbá.

Por outro lado, as empresas contratadas — que foram flagradas executando as obras no dia da inspeção — celebraram Termos de Ajuste de Conduta com o Ministério Público do Trabalho, pelos quais se comprometeram a sanear as ilegalidades, adequando sua conduta.

Sabe-se que a região do Pantanal se caracteriza por constantes alagamentos, seguidos por períodos de seca, de modo que é comum a destruição e o comprometimento das pontes sobre as vazantes, ocorrendo tal fato anualmente.

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Por isso, é necessária uma garantia de que a degradação encontrada no local não se repita no próximo período chuvoso. E a única garantia de que não se repita é a condenação do ente estatal a fiscalizar o cumprimento da legislação trabalhista, sob pena de multa. Apenas o caráter intimidatório da sanção pecuniária pode contribuir para que os direitos dos trabalhadores passem a ser, efetivamente, assegurados.

Não basta a mera promessa da ré de que passará a fiscalizar o cumprimento da legislação, uma vez que, sem a condenação, não há nenhuma garantia. Além do mais, já houve o descumprimento da legislação, manifestado na negligência e indiferença com as condições de trabalho no local, visto que a demandada sabia da degradação e nada fez.

Ademais, como se pode observar no vídeo (mídia anexa), depoimentos de trabalhadores revelam que a degradação nesse tipo de obra é comum e ocorre há muitos anos, sem que o Poder Público tome qualquer providência.

Com efeito, a partir de agora, é imprescindível que o Poder Público — por meio do Judiciário — obrigue o próprio Poder Público (Executivo) a respeitar a dignidade de seus trabalhadores, garantindo seus direitos essenciais.

Ainda, não se pode descurar que a mera promessa de que a situação será regularizada a partir de agora, sem uma condenação nesse sentido, não passará de mera promessa. Até porque, ainda que seja cumprida nos próximos anos, nada impede que o próximo governante desconheça a promessa, ou mesmo a ignore, e volte a compactuar com a degradação do trabalhador em obras públicas.

Além disso, há o risco de que a promessa seja cumprida somente em relação à aludida obra, por estar em evidência (inclusive na mídia, conforme reportagem coligida à inicial), e não em relação a outras obras de responsabilidade do ente estatal.

Destarte, é imprescindível a condenação do ente estatal a fiscalizar o cumprimento da legislação trabalhista, sob pena de sanção pecuniária, bem como a ressarcir os danos causados à sociedade.

II Do direito
II 1. Da legitimidade do Ministério Público do Trabalho para a propositura da ação e do valor probatório dos documentos que acompanham a petição inicial

Sabe-se que o Ministério Público busca proteger o interesse público primário, qual seja, o interesse da sociedade, garantido pela ordem jurídica democrática.

Portanto, nos termos do art. 127 da Constituição Federal, "o...

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