Ação civil pública proposta pela Procuradoria Regional do Trabalho da 9ª Região em face de All - América Latina Logística Malha Sul S.A

AutorAndrea Lino Lopes
CargoProcuradora do Trabalho
Páginas26-57

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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) DA MM. 14ª VARA DO TRABALHO DE CURITIBA-PR

DISTRIBUIÇÃO POR DEPENDÊNCIA AO PROCESSO N. 0001443-50.2012.5.09.0014

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 9ª REGIÃO, com sede na Rua Vicente Machado, n. 84, Curitiba/PR, através da Procuradora do Trabalho que esta subscreve, com amparo no disposto nos arts. 127 e 129 da Constituição Federal; 6º, VII, "d" c/c 83, I e III da Lei Complementar n. 75/1993; Lei n. 7.347/85, com as alterações introduzidas pela Lei n. 8.078/1990, propor:

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE LIMINAR

em face de ALL - AMÉRICA LATINA LOGÍSTICA MALHA SUL S.A., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o n. 01.258.944/0001-26, com sede na Rua Emilio Bertolini, n. 100, Vila Oicinas, Curitiba/PR, CEP: 82.920-030, pelos fatos e fundamentos que passa a expor:

1. Dos fatos

Com o propósito de concretizar o comando Constitucional (arts. 3º, inc. IV; 7º, inc. XXXI; art. 23, inc. II; art. 24, inc. XIV; art. 170), consubstanciado no Decreto n. 6.949/09, aprovado conforme o procedimento do art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, portanto, com força de Emenda à Constituição, foi instaurado, no âmbito da Procuradoria Regional do Trabalho da 9ª Região, o Procedimento n. 001567.2010.09.000/1, que se iniciou como Procedimento Preparatório (ls. 7/8, arquivo anexo "documentos ALL parte1.pdf", p. 1 e 2) e se converteu em Inquérito Civil às ls. 46 (arquivo anexo "documentos ALL parte2.pdf", p. 4).

O Ministério Público do Trabalho tomou conhecimento de irregularidades no tocante à acessibilidade de trabalhadores com deiciência por meio de denúncia apresentada por trabalhador da empresa ré

(l. 5 do Inquérito Civil).

Nesta denúncia, o trabalhador Ernani, com deiciência motora (amputação de membro inferior direito acima do joelho, utiliza próte-se), alegou trabalhar na empresa há 8 anos (à época da denúncia, 13.10.2010). De acordo com a sua narrativa, somente é possível acessar o setor onde trabalha depois de passar por quatro lances de escada. Em se tratando de pessoa com deiciência, o que poderia ser uma tarefa corriqueira torna-se um desnecessário esforço hercúleo, caso a estrutura da empresa respeitasse a sua condição, adequando o seu acesso a qualquer tipo de pessoas, inclusive aquelas que possuem alguma diiculdade motora. Aduz o denunciante que a so-brecarga de esforço na perna em que não há prótese acarretou-lhe mais problemas físicos.

Em razão de suas diiculdades motrizes, seus colegas disponibiliza-ram veículos para que transpusesse apenas cinco metros, muitas vezes tendo que vexatoriamente aguardar até meia hora pela "carona". Tal situação é especialmente humilhante ao denunciante, ainal uma pessoa com mobilidade reduzida aprende a ser independente, sendo que a última

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coisa que espera é voltar a depender de colegas de trabalho para andar míseros cinco metros numa região reconhecidamente perigosa pela própria empresa.

Instada a se manifestar, a requerida alega (l. 30 do IC - arquivo anexo "documentos ALL parte1.pdf", p. 20) que o empregado denunciante não reportou nenhum problema em subir escadas e que ele não se queixou de nenhum constrangimento. Ainda, aduz que buscaria uma posição na empresa ao empregado em local onde não necessitasse subir escadas.

Em sequência, na audiência para esclarecimento dos fatos à l. 38 do IC (arquivo anexo "documentos ALL parte2.pdf", p. 1), o denunciante airma que, diante da impossibilidade de subir escadas, a empresa abriu-lhe uma exceção, permitindo que andasse por um setor onde locomotivas realizam manobras, área na qual a própria empresa impede a circulação das demais pessoas pelo incremento do risco de lesões. Além disso, o denunciante aventou ter conhecimento de que outras pessoas com diiculdades de locomoção transitam irregularmente pela mesma área de manobras de locomotivas, transpondo linhas férreas, dada a impossibilidade de subir as escadas para andarem pela passarela construída exatamente para que as pessoas não precisassem caminhar pelas linhas férreas, conforme fotograias de ls. 39 a 42 do IC (arquivos anexos "acesso à passarela.pdf"). Ainda, juntou documento (l. 43 do IC - arquivo anexo "documentos ALL parte2.pdf", p. 2) no qual a presidente da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) airma não estar de acordo com a liberação de sua passagem pela linha férrea ("PN").

Desta forma, a estratégia traçada pelo Parquet era perseguir o ajustamento espontâneo de conduta, mediante celebração de Termo de Ajuste de Conduta (TAC), conforme preceitua o § 6º do art. 5º da Lei n. 7.347/85.

Ato contínuo, em audiência designada para que a empresa requerida se manifestasse, sua representante disse que tal acesso seria provisório e que a empresa estudaria soluções para acessibilidade (l. 49 do IC - arquivo anexo "documentos ALL parte2.pdf", p. 5). Assim, marcada nova audiência para esclarecimento dos fatos, o re-presentante da empresa airmou que a requerida providenciou veículo para transportar os trabalhadores com deiciência, não adaptando o local de trabalho para que estas pessoas pudessem se locomover livremente sem necessitar do auxílio de motorista deste veículo (l. 73 do Inquérito Civil - arquivo anexo "documentos ALL parte2.pdf", p. 15).

A empresa juntou, na sequência, às ls. 74 e 75 do IC, DVD contendo vídeo elaborado pela UNILEHU (Universidade Livre para Eiciência

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Humana) e um "mapa de acessibilidade", este em anexo ao Inquérito Civil (arquivo anexo "documentos ALL parte6.pdf", p. 8 a 29). Nestes documentos, há uma rápida demonstração (vídeo de cerca de 11 minutos) do uso do "carrinho" por um cadeirante para circular pelas dependências da empresa, bem como um breve relatório com algumas fotos indicando supericialmente as condições de pessoa com deiciência, sem, entre-tanto, pormenorizar qual metodologia empregada.

Em virtude da insuiciência das informações prestadas pela UNILEHU, peritos engenheiros do MPT elaboraram laudo às ls. 78/80 do IC (arqui-vo anexo "documentos ALL parte2.pdf", p. 17 a 19), reportando a total dependência de pessoas com mobilidade reduzida para se deslocarem pela empresa, restringindo a sua liberdade de locomoção. Ainda, atesta-se o reconhecimento do risco desnecessário sofrido por todos os trabalha-dores, não só as pessoas com deiciência motora, em se movimentarem pelas zonas perigosas indicadas. Da conclusão do laudo, delui-se que "a solução encontrada pela empresa diiculta a circulação daqueles com diiculdade de deambulação - gerando situação de risco e de total dependência destes trabalhadores para a locomoção". Assim, o ideal a ser cumprido pela empresa é adequar-se à Norma ABNT NBR 9050 de acessibilidade, com as características do design universal, quais sejam possibilitar o fácil deslocamento nas dependências da empresa não só às pessoas sem nenhuma diiculdade motriz, mas também às pes-soas com deiciência e aos "handicap" (pessoas com qualquer prejuízo de locomoção, como idosos, grávidas e obesos, entre outros).

Após tentativas de elaboração de laudo de iscalização mediante solicitação à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Paraná (SRTE), diante da impossibilidade de este órgão cumprir a requisição, requisitou-se ao Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Paraná (CREA-PR). Este órgão elaborou minucioso relatório de iscalização integrada de acessibilidade, juntado às ls. 111 a 172 do IC (arquivo anexo "documentos ALL parte3.pdf", p. 10 a 17, "documentos ALL parte4. pdf", "documentos ALL parte5.pdf" e "documentos ALL parte6.pdf", p. 1 a 7), no qual constam todas as irregularidades cometidas pela empresa no tocante ao meio ambiente laboral, especialmente na proteção de pessoas com deiciência. O laudo se baseia na respectiva base legal (Norma ABNT NBR 9050, também em anexo, em três partes), a qual será mais detidamente analisada no capítulo do direito da presente peça processual.

Em face da resistência da empresa a adaptar o meio ambiente do trabalho a condições legais referentes a pessoas com deiciência que ali trabalhem, ou que futuramente vierem a trabalhar, não restou ao Mi-nistério Público do Trabalho outra alternativa que não o ajuizamento

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desta Ação Civil Pública para que a empregadora seja compelida ao cumprimento da legislação.

2. Do direito

A preocupação do legislador com a exclusão social da pessoa com deiciência, nos planos internacional e nacional

Os movimentos sociais das ditas (equivocadamente) minorias, surgidos nos anos 70, culminaram com a proclamação do ano de 1981 como o "Ano das Pessoas Portadoras de Deiciência", que teve como resultado mais importante o desenvolvimento do "Programa de Ação Mundial para Pessoas Portadoras de Deiciência", aprovado em 3 de dezembro de 1982 pela Assembleia Geral da ONU. Esses acontecimentos conduziram a uma mudança de perspectiva no exame da situação das pessoas com deiciên-cia, na direção de se buscar garantir-lhes apoio e suporte para que possam usufruir do direito às mesmas oportunidades que os demais cidadãos têm de desfrutar de melhores condições de vida, resultantes do desenvolvimento econômico e social.

Sob esse prisma, no campo especíico do Direito ao Trabalho, foi aprovada pela Organização Internacional do Trabalho, em 1983, a Con-venção n. 159, sobre a Adaptação de Ocupações e o Emprego do Portador de Deiciência. No Brasil, foi ratiicada pelo Decreto n. 129, de 22 de maio de 1991, que se baseia no princípio da igualdade de oportunidades e de tratamento, no que diz respeito ao acesso, conservação e promoção em um emprego.

Na década de 1980, vários países, como a Alemanha, o Canadá e a França, izeram incluir em suas legislações medidas de proteção especial ao trabalhador com deiciência, inclusive medidas da chamada "discrimi-nação positiva", estabelecendo reservas e preferências para possibilitar o acesso destes grupos ao exercício de seus direitos fundamentais. O...

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