Ação civil pública - dispensa em massa (PRT 4ª região - procuradora do trabalho Fernanda Arruda Dutra)

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DO TRABALHO DA VARA DO

TRABALHO DE ALEGRETE

URGENTE — demissão em massa dia 4.2.2015

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, pela Procuradora do Trabalho abaixo assinada, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com fundamento nos arts. 127, caput, e 129, III, da Constituição da República, na Lei Complementar n. 75/93, na Lei n. 7.347/85, na Lei n. 8.078/90 e art. 461 do Código de Processo Civil, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA


COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA

em face da empresa MFB MARFRIG FRIGORÍFICOS BRASIL S/A, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o n. 04748631/0004-97, localizada Estrada

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Alegrete/Itaqui, KM 7, caixa postal 139, Bairro Capivari, Alegrete, RS, CEP 97541-970, diante dos fatos e fundamentos a seguir expostos:

1 - Dos fatos

No âmbito da Procuradoria Regional do Trabalho da 4ª Região, PTM de Uruguaiana, foi instaurado no dia 21.1.2015 o Inquérito Civil (IC) n.
000014.2015.04.005/3-000
, em virtude de denúncia do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação de Alegrete (doc. 1) de que a denunciada anunciou para o dia 04/02/2015 (doc 2) a despedida dos 623 (seiscentos e vinte e três) trabalhadores da sua planta industrial de Alegrete, mantendo a mesma fechada.

Conforme a denúncia do Sindicato dos Trabalhadores, a empresa se pronunciou que, mesmo efetuando as demissões, manteria a planta alugada e sob os seus domínios, mantendo apenas em torno de 20 (vinte) funcionários, segundo informações do responsável pela mesma, inviabilizando a implantação de nova atividade no mesmo ramo no local, capaz de absorver toda a mão de obra ociosa e absorvendo os trabalhadores dispensados.

Além disso, a situação é agravada porque se trata de Município pequeno e desprovido de capacidade para absorver a quantidade de mão de obra que icará disponível. Esclarecendo-se: trata-se do maior empregador privado do Município, só perdendo para a própria Prefeitura Municipal de Alegrete quanto ao número de empregos gerados, sem falar nos produtores rurais que serão afetados com a medida. Tal dado dá a dimensão dos prejuízos que advirão da dispensa em massa e da decisão de manter a planta industrial fechada.

Tal empresa recebe benefícios iscais e inanciamentos públicos, tanto através do programa AGREGAR RS quanto do BNDES. Aliás, com relação ao BNDES, a própria requerida exorta tal fato em seu site, noticiando o aporte de 2,5 bilhões de reais, conforme notícia que segue em anexo (doc. 3 e 4). Maior gravidade se observa quando da leitura se extrai que tal montante servirá para aquisição de empresas do ramo no exterior, enquanto a mesma empresa fecha postos de trabalho em nosso país!

No entender do MPT, com esteio no ordenamento jurídico brasileiro vigente (em especial no valor social do trabalho e da livre iniciativa, arts. 1º, IV, 6º e 170, III, no respeito à dignidade humana, art. 1º, III, na subordinação da propriedade à sua função social, arts. 5º, XXIII e 170, III e VI, todos da CRFB) e na proibição da decisão unilateral nas dispensas coletivas, prevista nos diplomas internacionais da OIT, com lastro na doutrina majoritária e na jurisprudência irme do C. TST (a partir do emblemático “Caso Embraer”, processo n. 00309-2009-000-15-00-4) e inclusive no TRT da 4ª Região (caso John Deere, de Horizontina/RS, processo
n. 00000286120105040751), tal ato potestativo patronal encontra-se limitado, não

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podendo ser perfectibilizado enquanto não adimplido o suporte fático-jurídico que o autoriza.

Sem embargo da insurgência do princípio da livre-iniciativa do requerido, há que se pontuar que a medida pretendida pelo frigoríico, nos moldes em que se verifica, viola os mais básicos direitos dos trabalhadores e está a prejudicar toda a sociedade alegretense. Isto porque a demissão em massa não foi precedida de negociação coletiva com o sindicato laboral a im de resguardar os inte-resses sociais.

E mais, a intenção da demandada é manter a planta industrial fechada, sem aventar a possiblidade de transferi-la a terceiros, a im de manter os empregos e a atividade econômica na cidade. Ou seja: recebe dinheiro público para aquisição de empresas no exterior enquanto fecha postos de trabalho em cidades em que se constitui na maior empregadora!

Segundo o Sindicato, a empresa demandada apresentou proposta de negociação coletiva para dispensa em massa, cujo teor consta no doc. 5 e que foi recusado pela entidade sindical por ser insuiciente para compensar todo o dano que será suportado pelos trabalhadores dispensados.

Conforme Precedente do Colendo TST e marco para situações futuras, o caso EMBRAER (Processo TST-RODC-309/2009-000-15-00.4) foi emblemático porque ixou entendimento no sentido de que a negociação coletiva é imprescindível para as despedidas em massa de trabalhadores, sendo consideradas abusivas quando não observado este procedimento. Trata-se de medida preventiva em virtude do forte impacto social causado por demissões em massa súbitas.

No caso em testilha, a despedida em massa realizada nos moldes praticados pelo frigoríico deve ser considerada como abusiva. Em virtude da sua gravidade na repercussão no meio social em que se inserem os trabalhadores, o procedimento exige que se adotem certas cautelas, de modo a conciliar o direito potestativo do empregador com o seu dever de promover a função social da propriedade e o bem-estar social.

A dispensa em massa, portanto, deve ser bilateral, mediante adoção de critérios objetivos. Aceitar o contrário é concordar com o arbítrio do empre- gador e rechaçar a boa-fé objetiva dos trabalhadores, dispensados global e abruptamente.

Com espeque nesse entendimento, foi designada audiência administrativa para o dia 22.1.2015 (doc. 6). Presente o Sindicato e ausente a requerida, sob o fundamento de que protocolizou junto ao Núcleo de Conciliação do TRT pedido de mediação, ainda sem data de audiência designada.

Na audiência administrativa ocorrida na sede da PTM o Sindicato apresentou sua proposta principal, qual seja, a manutenção em funcionamento da planta industrial pelo frigoríico demandado. Em não sendo possível, a possibilidade de transferência da planta para outra empresa, a im de permitir a continuidade

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da atividade econômica no local a im de permitir a manutenção dos empregos e outras medidas a im de compensar os trabalhadores pela despedida em massa.

O sindicato denunciante apresentou ainda contrato de arrendamento que refere que a demandada paga R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) mensais a título de arrendamento (doc. 7), o que se presume, irá continuar o pagamento para manter a planta industrial fechada. Além disso, juntou cópia de telegramas que estão sendo recebidos por todos os trabalhadores comunicando a dispensa no dia
4.2.2015, motivo pelo qual entende o Ministério Público do Trabalho da urgência do ajuizamento da presente ação.

Pois bem.

Conforme deslinde dos fatos, é forçoso ressaltar que os argumentos apre-sentados pelo frigoríico para justificar sua proposta deinitiva, em manifestação escrita, são, no mínimo, inconsistentes.

Questões mercadológicas e motivos estratégicos, conforme consta não comunicado aos trabalhadores, não devem ser utilizadas de argumento para violar os direitos sociais dos trabalhadores, pois o risco da atividade econômica é do empregador. O mesmo se diga em relação ao correto pagamento das verbas rescisórias, que se trata de obrigação, não de ato de caridade.

Em relação à transferência dos empregados para a nova unidade, é ingênuo crer que os trabalhadores, em sua maioria pessoas simples, deixariam seu ambiente familiar e social para acompanhar a empresa nesta nova empreitada. Aduzir que a empresa gerará até 150 (cento e cinquenta) empregos na cidade de São Gabriel soa como silogismo calcado em falsas premissas para desviar a atenção do aviltamento dos trabalhadores de Alegrete e região. Demais disto, registre-se que os trabalhadores demitidos, em sua maioria, não possuem outros conhecimen-tos técnicos suicientes para ingressar novamente no mercado de trabalho senão aqueles que desempenhavam em benefício do frigoríico!

O argumento mais estremecedor é aquele atinente à proposta apresentada aos trabalhadores! Uma empresa que pretende manter fechada uma planta industrial, pagando R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) mensais, oferece somente o pagamento de dois meses de “visa vale” aos desligados e treinamento junto ao sistema Fundatec!

Registre-se, por derradeiro, que a questão da demissão em massa requer relexão acurada e sistematizada. O que o Ministério Público do Trabalho propõe é a busca de uma solução que minimize o impacto socioeconômico negativo que açoita os trabalhadores demitidos.

Em suma, o MPT entende que o trabalhador deve ser respeitado sempre, em qualquer município ou unidade federativa do país, pois isto é o que dá azo à construção de uma sociedade igualitária, que garante o desenvolvimento nacional, que reduz a desigualdade social e regional e que, por derradeiro, promove o bem de todos, tudo conforme os fundamentos da República Federativa do Brasil.

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Nesse esteio, considerando que o frigoríico teve diversas oportunidades de oferecer uma proposta ponderada e plausível, que satisizesse as necessidades imediatas dos trabalhadores demitidos, porém, não o fez, alternativa não restou ao MPT senão a...

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